(Jornal Le Monde)
(É tempo de fuga à
normalidade política, com a sucessão de saídas aparentemente pouco prováveis; mas no caso francês, em que não abundam os
fatores endógenos de mudança, como corretamente Pacheco Pereira o assinala hoje
no Público, o efeito Macron parece ser essencialmente o resultado das mais
elementares questões da física – a ocupação do vazio …)
Estou em crer que apresentei de forma clara o princípio desta ideia em
posts anteriores neste blogue. Republicanos gaullistas e socialistas não foram
capazes de pegar o touro pelos cornos no que respeita ao populismo nacionalista
da Frente Nacional e à sua ameaça, tal qual ela se perfilava em tempo de
Presidenciais. Não foram capazes porque cederam ao peso das ameaças populistas
e não ensaiaram esse combate de forma integrada com uma perspetiva crítica dos
rumos contraditórios da construção europeia, não abdicando dos seus valores
fundamentais. Podemos ou não discordar do projeto de aprofundamento europeu que
Macron defendeu no seu programa. Podemos legitimamente desejar um processo de
construção mais amigo do papel que deve ser reservado aos parlamentos nacionais
e que faça apelo a perdas mais ténues de soberania nacional. Claro que podemos.
Mas a verdade é que ninguém destas bandas conseguiu formular um projeto global
e coerente de afrontamento de LePen e simultaneamente do projeto Europeu. A própria
Le Pen sentiu-se claramente “touchée”,
porque estava habituada ao estilo de reação de socialistas (com Valls à cabeça)
e de gaullistas, que iam cedendo à tentação protecionista e isolacionista,
deixando degradar os seus próprios projetos em relação à Europa. Macron
beneficiou desse efeito-surpresa e o eleitorado terá percebido que havia alguém
que conseguia defender a posição da França não abdicando de ter uma palavra
sobre o futuro da Europa. O próprio PPE compreendeu que a surpresa de Macron e
o alcance da situação francesa lhe abriam uma oportunidade única para retomar a
dianteira na sua desacreditada política de condução dos negócios europeus.
Formou-se o que tipicamente se chama um vazio político, determinado pela inépcia
gaullista e socialista. É isso que explica em grande medida o resultado eleitoral
da primeira volta das legislativas francesas de ontem. Recordemo-nos que há
poucas semanas toda a gente dizia que só por milagre Macron teria tempo para gerar
uma nova formação política. Ora, eis que sem essa força estar sequer constituída,
prevista para Julho, Macron ocupa o espaço, anunciando-se uma percentagem
esmagadora de deputados (fala-se de 70% imaginem) favorável às posições do
Presidente, retribuindo a sua audácia. Claro que Jean-Luc Mélenchon continuará
a vociferar mas não é essa posição que suprirá o vazio deixado pela inépcia
socialista e gaullista. A surpresa Macron encarregar-se-á de ocupar esse
espaço, plenamente.
Há perigo de unanimismo? Sim, há e de que maneira. Mas as mudanças que Macron
reclama para a velha França e para que ela possa discutir com a Alemanha os
rumos de aprofundamento do projeto Europeu não serão pêra doce, mesmo contando com
a esmagadora maioria no parlamento. Na rua não haverá seguramente a margem de
manobra de 70%. Será possível aliviar alguns dos fatores de rigidez da
sociedade francesa sem que isso signifique criação de condições para o agravamento
da desigualdade de que Piketty tanto fala? Será que a mudança social com
bisturi é possível e exequível? Essa vai ser a verdadeira e importante questão
a monitorizar.
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