sexta-feira, 23 de junho de 2017

NA MORTE DE MIGUEL BELEZA


Tinha com ele duas coisas em comum: a Economia e o FC Porto; e talvez também alguns traços definidores e comportamentais que nele fui podendo observar ou intuir. Conheci-o pessoalmente num Seminário para Banqueiros Estrangeiros que abriu na qualidade de ministro das Finanças mas a declarar-se especialmente propenso a abordar aqueles assuntos técnicos e políticos pelo facto de na véspera o seu clube ter vencido os rivais encarnados e assim dado um passo decisivo para a resolução do problema da conquista do título nacional. Passou, entretanto, mais de um quarto de século em que se nos proporcionaram vários tipos de cruzamentos profissionais e alguns contactos sociais, sempre marcados pela irreverente graça pessoal que o caraterizava e pela impecabilidade do gentleman que sabia ser. Era visivelmente inteligente, por vezes quase fulgurante nas respetivas e quase sempre discretas manifestações disso mesmo, embora lhe não apreciasse especialmente a rígida ortodoxia que professava enquanto economista. Com o tempo fui também construindo a ideia de que, não obstante as evidências de uma carreira muito bem sucedida (quer em termos académicos quer em outras dimensões públicas, de ministro a governador do Banco de Portugal nomeadamente), se foi aos poucos deixando perder pelo caminho – sem que por tal motivo saísse maculada a competência da sua palavra, saliente-se. Um caso típico, como aliás outros que se nos vão revelando, de alguém cuja circunstância pessoal, familiar e contextual sobrelevou em relação às escolhas que teriam sido as mais naturais e até as desejadas. O facto é que terminou ontem, triste e prematuramente, o atribulado trajeto vivencial de Miguel Beleza.

Sem comentários:

Enviar um comentário