(Acho que ainda
estou um pouco atordoado com a visão do primeiro episódio do novo Twin Peaks, o
mistério está de volta, estaremos preparados para ele?)
O título acima poderia ter sido alternativamente, Who Killed Ruth Davenport?. Mas o escolhi o primeiro porque ele
corresponde à cena mais marcante do primeiro episódio da nova série do Twin
Peaks de David Lynch. A expectativa era grande e nestas coisas não gosto de
coisas gravadas na box da cabo lá de casa, gosto da edição em direto, partilhando
a curiosidade dos que na noite de domingo passado, pelas vinte e duas, se sentaram
em frente do TV Séries canal 80 da NOS. Era o regresso de Twin Peaks e esta
maldita civilização urbana e do espetáculo tem destas coisas, vinte e seis anos
depois, com aquele olhar de Laura Palmer ainda na memória visual, não era um
regresso qualquer.
O primeiro episódio é Lynch no estado puro. Elementos de regresso ao espectro
visionário das duas primeiras edições combinam-se com novos enigmas, anunciando
neste primeiro episódio que Lynch vai manter-se fiel ao seu mundo, com aquele
tempo lento que nos arrebata numa televisão que estamos habituados a associar a
um tempo frenético.
O diálogo inicial entre o Gigante e o agente Cooper de fato preto é todo
ele um enigma, com uma grafonola antiga produzindo um som para mim indecifrável.
O diálogo inicial parece um tributo ao universo onírico das primeiras edições.
Aparentemente teremos um agente Cooper duplicado, em que a réplica estará
provavelmente possuída pelo espírito do mal Bob que teria estado na origem do
assassinato de Laura Palmer pelo seu irmão. Mas não é seguro que assim seja.
O enigma do aparecimento de Nova Iorque é fascinante. Antecedida por uma imagem
noturna esplendorosa da cidade, a cena é intrigante. Uma torre não identificada
de tijolo acolhe, com a presença de um guarda, o que aparenta ser uma experiência.
Uma caixa de vidro vazia domina a cena e um estudante contratado olha sistematicamente
a caixa vazia. De quando vez uma câmara potente capta uma imagem da caixa de
vidro e o estudante armazena essa imagem num reservatório digital qualquer. Aparentemente
nada se passa no interior da caixa, mas intui-se que a dúvida, aparecerá ou não
alguma coisa, dominará a cabeça do disciplinado estudante contratado. O contexto
é alterado duas vezes: na primeira, o estudante Sam é avisado de que tem a
visita de uma jovem Tracy que traz café e mostra intenções de penetrar na divisão
em que se processa a experiência, que a presença do guarda e a relutância de Sam
inviabilizam; na segunda tentativa, estranhamente o guarda está ausente e a
jovem consegue demover Sam conseguindo partilhar com ele o espaço vedado,
sentando-se ambos com o copo do café latte em frente à caixa de vidro vazia. Tracy
desnuda-se e o par inicia uma aproximação de profundo e tenso conteúdo erótico,
mas a curiosidade pelo que pode passar-se no interior da caixa de vidro mistura-se
com a tensão erótica dos dois corpos, aliás numa cena belíssima. Dentro da
caixa emerge uma figura indecifrável mas demoníaca (um humanoide?) que se intui
destruir a caixa de vidro atacando e assassinando o jovem casal através dos
salpicos violentos de sangue que se abatem sobre os rostos de Sam e Tracy e do
som aterrador que marca a cena. Do melhor Lynch que já vi, numa cena que me tem
martelado a cabeça estes dias da semana.
Num ambiente que me fez lembrar aquelas atmosferas indizíveis de Fargo dos
irmãos Coen, a pequena cidade de Buckhorn no South Dakota acolhe o mistério de
um novo crime, o assassínio de uma mulher, a bibliotecária Ruth Davenport em
circunstâncias tremendamente enigmáticas que nos irão levar seguramente a uma
espiral de mistério. Será Ruth Davenport a Laura Palmer nº 2? O ambiente de Twin
Peaks regressa pleno e desafiador como sempre.
Por algumas semanas, as noites de Domingo não serão as mesmas.
(Corrigido em 04.06.2017)
(Corrigido em 04.06.2017)
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