domingo, 18 de junho de 2017

A DIMENSÃO TRÁGICA DA NATUREZA E DOS HOMENS




(A antecipação dantesca dos infernos viveram-na seguramente as vítimas de Pedrogão e uma vez mais a dimensão trágica do interior rural e florestal emergiu com toda a sua fragilidade estrutural, a ponto de ser quase obscena a ilusão que veiculamos através de uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior…)

Para muitos terá sido a convergência anómala de um conjunto de fenómenos climáticos deste profundamente estável mês de junho que determinou a tragédia, de contornos de desespero dantesco isso não tenho dúvidas. Saberemos ao longo dos próximos dias através de uma comunicação social a quem se pediria maior contenção e respeito pela amargura das famílias com vítimas as diferentes histórias de vida, designadamente as que foram encurraladas naquela estrada que nunca será a mesma.

Mas por mais voltas que exploremos sobre o assunto, o que emerge de tudo isto é a enorme fragilidade estrutural de um conjunto vastíssimo de territórios interiores e agroflorestais deste país, onde o risco de vida é elevado, aliás como alguns cientistas nacionais com investigação reconhecida na problemática dos incêndios florestais têm vindo sistematicamente a assinalar, designadamente no âmbito dos trabalhos preparatórios dos planos regionais de ordenamento do território. Quando pensemos em objetivos de atração de novas populações a estes territórios saibamos ter em conta que a atualização para o presente das condições de vida futuras nesses territórios deve ser feita a uma elevadíssima taxa social de desconto. Por ironia trágica do destino, captei em algum jornal de hoje que parte das vítimas encurraladas pelo fogo na estrada da sua morte eram turistas que tinham ido visitar uma zona de lazer fluvial algures perdida no interior do concelho mártir.

Como é nosso timbre, enquanto se choram os mortos e se pratica com a generosidade que os Portugueses respiram a solidariedade infinita, emergem os traços de uma discussão que já deveria ter sido feita, que não o foi, que o não é agora por não ser tempo disso e que provavelmente nunca se fará a partir do momento em que a memória deixa de doer e a comunicação social salta para outra.

Através do amigo Professor Leonardo Costa dei com dois textos de Henrique Pereira dos Santos um arquiteto paisagista que vale a pena ler e ouvir (links aqui e aqui). HPS insurge-se contra a metodologia que reina no combate aos fogos e contra a ineficácia anunciada de estratégias de combate que passam pela utilização da água como meio essencial, ignorando que o território objeto de intervenção tende a acumular material verdadeiramente combustível ao longo do tempo. A existência desse material em doses elevadíssimas tona perfeitamente inglória toda a abnegação da ação dos bombeiros, exigindo uma abordagem que HPS designa de gestão cuidada dos stocks de combustíveis existentes nas florestas e nestes territórios em geral.

Como é compreensível, não é nestes momentos que estas questões devem ser discutidas, mas com tempo, ponderação e abertura de todas as perspetivas. A sistemática persistência dos mesmos nomes e personalidades à frente dos diferentes serviços com responsabilidade na preparação e coordenação do combate aos incêndios é um mau presságio e cria condições de inércia que são sempre desfavoráveis a novas variáveis no debate central. Embora sem conhecimentos técnicos que me permitam tomar posição sobre o assunto, os argumentos de HPS parecem-me entretanto de grande lucidez, pelo que ignorá-los pode ser vergonhoso.

E para uma Unidade de Missão de Valorização do Interior que busca desesperadamente gavetas orçamentais em que seja possível financiar medidas de um cardápio extenso e não hierarquizado na sua importância relativa, talvez valesse a pena concentrar-se em algumas dimensões realistas. A gestão do stock de combustíveis existentes nestes territórios parece uma boa opção. Estaríamos, assim, a influenciar positivamente a taxa social de desconto através da qual avaliámos as condições de vida futuras nestes territórios, o que parece essencial para intervir ativamente sobre o saldo migratório. Henrique Pereira dos Santos merece ser ouvido. A Fundação Francisco Manuel dos Santos já lhe dedicou a atenção devida (Portugal: Paisagem Rural).

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