(A antecipação
dantesca dos infernos viveram-na seguramente as vítimas de Pedrogão e uma vez mais a dimensão trágica do
interior rural e florestal emergiu com toda a sua fragilidade estrutural, a
ponto de ser quase obscena a ilusão que veiculamos através de uma Unidade de
Missão para a Valorização do Interior…)
Para muitos terá sido a convergência anómala de um conjunto de fenómenos climáticos
deste profundamente estável mês de junho que determinou a tragédia, de contornos
de desespero dantesco isso não tenho dúvidas. Saberemos ao longo dos próximos
dias através de uma comunicação social a quem se pediria maior contenção e respeito
pela amargura das famílias com vítimas as diferentes histórias de vida,
designadamente as que foram encurraladas naquela estrada que nunca será a mesma.
Mas por mais voltas que exploremos sobre o assunto, o que emerge de tudo
isto é a enorme fragilidade estrutural de um conjunto vastíssimo de territórios
interiores e agroflorestais deste país, onde o risco de vida é elevado, aliás como
alguns cientistas nacionais com investigação reconhecida na problemática dos
incêndios florestais têm vindo sistematicamente a assinalar, designadamente no âmbito
dos trabalhos preparatórios dos planos regionais de ordenamento do território. Quando
pensemos em objetivos de atração de novas populações a estes territórios
saibamos ter em conta que a atualização para o presente das condições de vida
futuras nesses territórios deve ser feita a uma elevadíssima taxa social de
desconto. Por ironia trágica do destino, captei em algum jornal de hoje que
parte das vítimas encurraladas pelo fogo na estrada da sua morte eram turistas
que tinham ido visitar uma zona de lazer fluvial algures perdida no interior do
concelho mártir.
Como é nosso timbre, enquanto se choram os mortos e se pratica com a generosidade
que os Portugueses respiram a solidariedade infinita, emergem os traços de uma
discussão que já deveria ter sido feita, que não o foi, que o não é agora por não
ser tempo disso e que provavelmente nunca se fará a partir do momento em que a
memória deixa de doer e a comunicação social salta para outra.
Através do amigo Professor Leonardo Costa dei com dois textos de Henrique
Pereira dos Santos um arquiteto paisagista que vale a pena ler e ouvir (links aqui
e aqui). HPS insurge-se contra a metodologia que reina no combate aos fogos e
contra a ineficácia anunciada de estratégias de combate que passam pela
utilização da água como meio essencial, ignorando que o território objeto de
intervenção tende a acumular material verdadeiramente combustível ao longo do
tempo. A existência desse material em doses elevadíssimas tona perfeitamente inglória
toda a abnegação da ação dos bombeiros, exigindo uma abordagem que HPS designa
de gestão cuidada dos stocks de
combustíveis existentes nas florestas e nestes territórios em geral.
Como é compreensível, não é nestes momentos que estas questões devem ser
discutidas, mas com tempo, ponderação e abertura de todas as perspetivas. A
sistemática persistência dos mesmos nomes e personalidades à frente dos
diferentes serviços com responsabilidade na preparação e coordenação do combate
aos incêndios é um mau presságio e cria condições de inércia que são sempre
desfavoráveis a novas variáveis no debate central. Embora sem conhecimentos técnicos
que me permitam tomar posição sobre o assunto, os argumentos de HPS parecem-me
entretanto de grande lucidez, pelo que ignorá-los pode ser vergonhoso.
E para uma Unidade de Missão de Valorização do Interior que busca desesperadamente
gavetas orçamentais em que seja possível financiar medidas de um cardápio
extenso e não hierarquizado na sua importância relativa, talvez valesse a pena
concentrar-se em algumas dimensões realistas. A gestão do stock de combustíveis
existentes nestes territórios parece uma boa opção. Estaríamos, assim, a
influenciar positivamente a taxa social de desconto através da qual avaliámos as
condições de vida futuras nestes territórios, o que parece essencial para
intervir ativamente sobre o saldo migratório. Henrique Pereira dos Santos merece
ser ouvido. A Fundação Francisco Manuel dos Santos já lhe dedicou a atenção
devida (Portugal: Paisagem Rural).
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