Raramente uma remodelação foi tratada de modo tão indiferente pela opinião pública. E o motivo está seguramente no adormecimento e desinteresse que a gestão de António Costa conseguiu promover na sociedade portuguesa em relação a tudo quanto cheire a atividade governativa ― um péssimo serviço à vida democrática, sublinhe-se. De todo o modo, um realce pela positiva é devido a António Costa Silva, o “patinho feio” que mostrou o seu lado vertebrado e empurrou borda fora dois secretários de Estado que aparentemente o incomodavam em termos pouco curiais. No restante, pouco a assinalar que não seja a evidência maior, que em nada belisca as possíveis competências de algum dos “melões” que agora vão ser abertos, de um baralhar e tornar a dar no seio de um pessoal próximo, disponível para todo o serviço e cada vez mais circunscrito. O recrutamento na sociedade é uma crescente miragem e o pensamento próprio e diferenciador, esse então, já nem é critério de busca.
quarta-feira, 30 de novembro de 2022
QUANDO MENDES É A ESTRELA...
terça-feira, 29 de novembro de 2022
UMA MÁ IDEIA TEM QUE TER CUSTOS!
Desde os assaz lamentáveis tempos do inconcebível referendo à presença do Reino Unido na União Europeia que foram inúmeras as vezes em que aqui previmos que a referida decisão iria ser paga pelos cidadãos britânicos com língua de palmo. E muitas outras foram igualmente as ocasiões em que aqui fomos fornecendo diversos tipos de indicações empíricas relativas a evoluções socioeconómicas que tendiam a comprovar quanto não se avizinhava um futuro risonho para aquelas bandas.
Os anos foram passando, largamente dominados por uma situação político-partidária nada canónica (para dizer o mínimo...) e cujo ineditismo e nonsense quase sempre ofuscava por completo o essencial nas atenções mediáticas. E é apenas agora, num momento de acalmia proveniente da aparente normalidade associada à liderança de Rishi Sunak, que a opinião pública começa verdadeiramente a somar dois e dois, lendo os sinais e (pre)sentindo os efeitos ― sendo que, por estes dias, múltiplas têm sido as formas de o exprimir (como um original Britaly ou um recauchutado the sick man of Europe) e as ilustrações alusivas (na economia e no emprego, no comércio externo na moeda, nas finanças públicas e na dívida, nos fluxos migratórios e no serviço nacional de saúde).
Fica o registo desta nova consciência e com ele a expectativa de que dela, e de uma ação governativa mais consequente, possa resultar alguma minimização de danos. Um tema a revisitar um destes dias.
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
AINDA HÁ QUEM NÃO SE ESCONDA!
João Cravinho é um dos poucos “senadores” que ainda nos restam. Sobretudo pela experiência que possui, pelo primado dos princípios que ostenta e pela coragem que mostra. Há dias, o ex-presidente da Comissão Independente para a Descentralização, cujo relatório foi entregue na data que lhe foi fixada e em tempo oportuno para poder ter consequências mas que acabou por conhecer o destino do fundo da última gaveta da secretária de António Costa, veio a terreiro para recordar o tema a pretexto de uma revisão constitucional minimalista que os dois grandes partidos nacionais estão a cozinhar.
Declarou Cravinho ao “Público” (o texto abaixo segue de perto tais declarações, tal como foram transcritas pela jornalista Helena Pereira) ser “um erro com consequências pesadas” o facto de a proposta de revisão constitucional do seu partido ser omissa em relação à questão da regionalização. E explicou que a atual Constituição foi armadilhada em 1997 (aquando da revisão constitucional negociada entre António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa que introduziu um referendo para a regionalização) na referida questão mas que nenhum partido mostra vontade de enfrentar o problema, o que a seu ver corresponde a uma oportunidade perdida para se resolver um “paradoxo” da Constituição (na medida na medida em que temos uma Constituição que, “ao mesmo tempo, ordena a criação das regiões administrativas e as inviabiliza”) que qualifica de “uma vergonha antidemocrática, um atentado à Constituição”.
Indo um pouco mais ao detalhe, Cravinho disse defender que seja alterado o n.º 1 do artigo 256 da Constituição (que consagra que “a instituição em concreto das regiões administrativas, com aprovação da lei de instituição de cada uma delas, depende da lei prevista no artigo anterior e do voto favorável expresso pela maioria dos cidadãos eleitores que se tenham pronunciado em consulta direta, de alcance nacional e relativa a cada área regional”), o qual significa que no referendo terão de existir duas perguntas, uma sobre o mapa e outra sobre a instituição em concreto de cada região a que respondem os eleitores recenseados nessa área ― uma formulação que considera errada (devia prever-se apenas uma pergunta sobre a concordância ou não em relação ao mapa de regionalização proposto), que encerra “um forte cunho antidemocrático” e que assim foi inscrita em 1997 para que “se aumentasse extraordinariamente a complexidade do processo”; ou seja, sublinha, trata-se de “um enviesamento da Constituição contra a própria regionalização” já que, se o sim ganhar na primeira questão a nível nacional, basta que alguma região diga que não para que assim fique inviabilizada a instituição da regionalização como um todo. E Cravinho não de coíbe mesmo de assim se referir ao Presidente, ex-líder do PSD e reputado professor de Direito: “Numa das lições de Direito Administrativo publicadas em 1999, Marcelo Rebelo de Sousa escreve, a propósito de [processo de revisão constitucional de] 1997 que ‘é mesmo difícil conceber um regime constitucional mais convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do continente.’ Ele próprio assume-o dois anos depois”.
Por fim, e reportando-se à prática política recente de António Costa, Cravinho frisa que o que o que se está a fazer é “uma municipalização da regionalização”, através da progressiva transferência de competências do Estado central para as CCDR (Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional), em áreas como a saúde, ação social, ambiente, educação e outras. E conclui: “Quando se faz a revisão constitucional dos direitos fundamentais, alargando-os muito, o problema que se põe é como concretizar essas expectativas com o Estado que temos. Se o Estado que temos já não dá conta do recado, se não satisfaz as grandes expectativas que existem sobre direitos fundamentais, que nalguns casos têm décadas, como é que se aumentam extraordinariamente as responsabilidades do Estado congelando-se ao mesmo tempo a organização do Estado?”.
Entretanto, a máquina comunicacional do Governo já pôs em marcha uma campanha de dúvida sobre se afinal o primeiro-ministro poderá cumprirá o compromisso assumido, e inscrito no programa de Governo, de realizar um referendo à regionalização em 2024. Sem prejuízo do que há dias desfasadamente reiterou a ministra da Coesão Territorial a tal propósito, tudo parece estar de facto a ser preparado para que assim não seja ― c.q.d. (como queríamos demonstrar), acrescento eu sem surpresa e com algum desdém.
domingo, 27 de novembro de 2022
FERNANDO GOMES
Fim de semana pela Capital, agitado por uma variedade de afazeres obrigatórios mas dominantemente prazerosos. Acabado de regressar ao Velho Burgo, não quero deixar de me associar ao consensual coro de lamentações que se verificou a propósito do desaparecimento de um dos mais talentosos e cativantes desportistas da história do futebol português, Fernando Gomes. No que me toca, que o vi jogar muitas vezes e dele recebi indiretamente muitos motivos de alegria (tantos títulos brilhante e sofridamente conquistados ― incluindo até aquela inesquecível final de Viena em que não pôde participar por lesão grave e que viria a substituir, em termos de contributo compensatório, na fantástica vitória intercontinental sob o gelo de Tóquio ― e tanta glória pessoal ― de que as duas Botas de Ouro do Gomes constituem o exemplo mais ilustrativo ― com notório impacto clubista e nacional), a tristeza volta a ser geracional ― por muito que a tal se queira resistir, o facto incontornável é que há um passado que, aos poucos, tende naturalmente a perder fulgor à medida que os seus protagonistas vão saindo de cena. Agruras inultrapassáveis da vida e do tempo que corre, embora no caso vertente com o contraponto de que os adeptos e os amantes do jogo não irão certamente permitir que se apaguem da respetiva memória e testemunhos os momentos admiráveis de que puderam fruir.
REFLEXÕES FUTEBOLÍSTICAS SOBRE O MAL AMADO MUNDIAL
(Uma pacóvia decisão dos nossos mais destacados representantes democráticos, Presidente da República cada vez mais instável, Primeiro-Ministro e Presidente da Assembleia da República, de zarparem para o Catar ainda em fase de grupos, sem que a presença das comunidades portuguesas o justificasse, precipitou um debate político que deveria ser realizado acima do fervilhar de emoções que uma competição desta natureza sempre suscita. A candidatura do Catar e o seu êxito cheiraram a esturro desde o início, mas a nossa hipocrisia política ignorou olimpicamente como noutras situações o problema, debatemos ferozmente o atavismo de Fernando Santos na fase de qualificação como se o resultado dessa fase de grupos se destinasse a um Mundial realizado no mais puro e democrático dos países. Como não é difícil de compreender, a dureza da “real politik” que nos obriga a manigâncias diplomáticas com países em que o autoritarismo, a repressão e outras malfeitorias são o pão nosso de cada dia numa cada vez estranha economia mundial, imprepara seriamente a opinião pública para um debate são sobre como combater a violação dos direitos humanos. Por isso, se for esse o contexto ter-me-ão sempre disponível para participar nessa reflexão. Mas como pessoa que gosta de futebol e de o analisar não me inibam de o fazer com o argumento de que tudo se passa no Catar. E sobre o que se passou na Rússia?)
Concretizado este introito ou mais propriamente esta nota de registo de conflito de interesses, passo a registar algumas reflexões em torno do pouco que tenho conseguido ver, graças a um período de forte azáfama profissional.
Não estou seguro se estas reflexões fossem produzidas no fim da fase de grupos seriam do mesmo teor. A generalização ou teorização em futebol pode equivaler a formalizações precipitadas ou mesmo desconchavadas e isso pode acontecer, porque não nesta minha primeira incursão sobre o Mundial de 2022.
Olhando para os resultados até agora observados e sobretudo para as condições de jogo concreto em que foram alcançados emerge uma primeira ideia de um maior equilíbrio entre os países aqui representados. A existência de patinhos feios, esmagados com cabazadas de tempos antigos (a Costa Rica colocou-se a jeito para enfiar a carapuça, mas hoje já venceu surpreendentemente o Japão) parece ser de outra época.
Pode perguntar-se qual a razão para esse maior equilíbrio, pelo menos aparente até agora?
Uma resposta de circunstância, relativamente pouco sofisticada, prende-se com a hipótese do curto tempo de preparação que a grande maioria dos países favoritos reuniu para a sua participação. Os calendários da ganância desportiva que caracterizam as principais ligas mandam mais do que a seriedade da preparação para o Mundial e isso talvez favoreça países com Ligas com menor expressão competitiva. Essa razão combinada com alguma transição etária de algumas equipas (caso particular da Bélgica que parece arrastar-se pelo campo perante a impotência do seu treinador Roberto Martinez) pode ter algum valor explicativo.
Gosto mais de puxar por outros argumentos, que me são intelectualmente muito caros, e que dizem respeito à disseminação do conhecimento sobre metodologias de prospeção e formação (Marrocos é neste caso um caso exemplar) e de treino (na qual alguns treinadores portugueses têm sido protagonistas fazendo jus à nossa boa Escola na matéria). Penso que esta dimensão é relevante para explicar algum do equilíbrio revelado até agora na competição. Até porque ao contrário do que se verifica na tecnologia, a disseminação do conhecimento sem que em contrapartida a evolução no centro que dissemina seja de tal maneira forte que permita manter a intensidade da diferença e do desequilíbrio.
Mas há um outro argumento que me ocorreu com a vivência das duas primeiras jornadas. Quando assisto aos jogos do Irão e da Arábia Saudita, independentemente de resultado positivo ou negativo, como é o caso dos dois países com uma vitória e uma derrota, embora invertidas no tempo nos dois países, intuo que há um outro fator a ter em conta – o nacionalismo identitário e as suas diferentes manifestações. Pus-me a pensar se alguma seleção ocidental conseguiria jogar como o Irão jogou contra Gales ou como a Arábia Saudita jogou na sua vitória com a Argentina ou na primeira parte da sua derrota com a Polónia. Creio que muito dificilmente o ocidente futebolístico poderá chegar à intensidade de emulação que aqueles dois jogos nos proporcionaram e nem quero pensar o que será o Irão-EUA da terceira jornada do grupo ou a discussão da possibilidade da Arábia passar a fase de grupos.
Já o Marrocos-Bélgica de hoje terá de ser analisado com outras lentes. Mesmo que possa invocar-se a qualidade do projeto de formação de Marrocos e a sua atividade de prospeção, penso que o fator determinante na derrota belga de hoje é a transição etária desta última, sem um nome que se distinga para uma possível renovação. Admitir que Vertonghen ainda seja neste momento um dos esteios da defesa belga é a evidência pura de que a renovação não está a ser concretizada.
Mas claro a terceira jornada pode inviabilizar toda esta teorização.
Bons jogos acaso gostem, não se sintam ofendidos pelo que rodeia este Mundial e se tiverem tempo para isso.
UM NOVO ESTÁDIO DO DECLÍNIO DEMOGRÁFICO
(O Público publica hoje uma relevante entrevista com o Presidente da Associação Portuguesa de Demografia, tendo por referente a publicação dos resultados definitivos dos Censos de 2021. A jornalista Natália Faria é feliz no título que puxa para a cabeça da notícia, “Estamos a assistir a uma contração brutal das pessoas em idade de procriar”. Este alerta está em linha com reflexões que tenho vindo a realizar neste espaço. De facto, o chamado declínio demográfico em países de elevada massa demográfica costuma obedecer a uma transição que atravessa duas fases: primeiro, observa-se a descida da taxa de fertilidade, sem que isso implique imediatamente uma desaceleração demográfica, devido ao facto do número de mulheres em idade ativa de procriação ser muito elevado; depois, uma segunda fase, mais grave nas suas incidências, em que o próprio número de mulheres em idade ativa de procriação desce. Por outras palavras, poderemos falar de dois tipos de inverno demográfico, um mais ameno e outro mais gélido.)
Esta última nota de reflexão observa-se com maior regularidade em países de grande expressão demográfica. Num país de escassa dimensão demográfica como Portugal, a tendência para as duas fases se confundirem é muito elevada, sendo por isso muito provável que a descida continuada da taxa de fertilidade precipite rapidamente a segunda fase. O alerta do Presidente da Associação Portuguesa de Demografia Paulo Machado caracteriza-se por grande realismo: “Um dos aspetos que me surpreenderam foi a erosão dos efetivos abaixo dos 39 anos de idade, porque ela acumula com o problema da não substituição das gerações que já vem de 1982 e confesso que não estava à espera de um valor tão acentuado. Foi mais forte do que esperava e confronta-nos com um duplo condicionamento: a não renovação geracional e a não renovação da população em idade ativa, que é uma acumulação de desvantagem brutal. (…) Além do impacto na economia, as consequências disto repercutem-se na própria natalidade, porque aquilo a que estamos a assistir é a uma contração brutal das pessoas em idade de procriar”.
Portugal entra, assim, num “inverno demográfico” mais gélido, e isto não tem nada que ver com os problemas energéticos que a invasão e guerra da Ucrânia está a provocar em toda a Europa, para benefício de produtores importantes de gás natural como é o tão falado Catar do mal-amado Mundial.
Para além da simples dinâmica dos números, não podemos ignorar duas dinâmicas de sentido contrário, uma das quais não mitiga suficientemente o problema e uma outra agrava-o sistematicamente.
Na entrevista refere-se que o aumento de 37.5% de estrangeiros residentes em Portugal não mitiga suficientemente o problema do inverno demográfico, ou seja o efeito do mais de meio milhão de residentes estrangeiros perde-se na gravidade do problema estrutural. Esta é a dinâmica interessante mas não resolutiva. Por outro lado, toda a vez que casais jovens buscam no estrangeiro novas oportunidades para trajetórias mais estáveis e efetiva de progressão de carreiras e de melhorias de rendimento do trabalho o problema da redução do número de pessoas em idade de procriação sai irremediavelmente agravado.
A jornalista e Paulo Machado discutem se o tema deveria estar ou não a ser discutido no Parlamento. De certo modo, o Parlamento reflete as preocupações da sociedade. O que podemos dizer é que a perceção da gravidade do problema está a intensificar-se mas ainda não atingiu aquele limiar que precipita a mudança.
Há dias identifiquei uma evidência clara dessa realidade. O Acordo de Parceria PT 2030 que enquadra a programação de Fundos Estruturais para o período 2021-2027 concede á mudança demográfica uma forte notoriedade. Todavia, embora quando analisamos mais finamente a programação a resposta a essa mudança demográfica esfuma-se, o que é extensivo, valham-nos os deuses, a um programa que se chama Demografia, Qualificação e Inclusão. Querem melhor evidência do que esta?
Mas em meu entender o grande problema está na cruel evidência de que a atração de pessoas para satisfazer necessidades óbvias de mão de obra está a evoluir por caminhos ínvios que ora precipitam efeitos perversos como é o caso dos tão badalados nómadas digitais com a distorção de preços do mercado de arrendamento, ora correspondem a formas inaceitáveis de ganância, selvajaria e adulteração dos direitos humanos. O que significa que estamos com dificuldades para estabilizar uma política fiável e respeitável de atração de novos residentes.