(Tempos difíceis de trabalho profissional e quase nula disponibilidade para a reflexão e pesquisa que este blogue exige, com a pressão diária da página em branco a desafiar a criatividade. Mais do que a pressão de trabalho é o facto da vida de andarilho do planeamento se concretizar com viagens de automóvel, sem o conforto do Alfa Pendular ou coisa que o valha para escrever nas horas de viagem. E é nestas ocasiões que se percebe em concreto a debilidade do nosso sistema ferroviário, com atrasos de conclusão de algumas novidades no planeamento daquela infraestrutura. Foi o caso desta missão de terreno, com ida ontem a Beja ao Instituto Politécnico de Beja, que festejava o seu aniversário, para apresentar com a minha colega e amiga da Simbiente Açores Carla Melo os resultados da avaliação ex-ante e ambiental estratégica do Programa Regional Alentejo 2021-2027, link aqui, e hoje com intervenção em Lisboa, na Culturgest, no Workshop Institucionalização da Avaliação de Políticas Públicas em Portugal, organizado conjuntamente pela PlanAPP e pela OCDE.)
Sempre que me desloco a Beja, quase sempre em trabalho, tenho a sensação recorrente de que se trata, talvez conjuntamente com Portalegre, de um dos distritos ou melhor dizendo de uma das NUTS III das mais abandonados pelas políticas públicas da administração central.
Quando se deixa a autoestrada do sul em direção ao Algarve e se toma a direção de Beja, entramos numa promessa de infraestrutura rodoviária, a A26, andamos alguns quilómetros, relativamente poucos face ao percurso que resta, acaba-se a autoestrada e entra-se num manhoso IP8 que nos leva à cidade de Beja. Entretanto, quem usar um programa de navegação no telemóvel ou na própria viatura percebe que ao lado do IP8 existe já um canal totalmente infraestruturado e que, por conseguinte, a autoestrada até Beja está preparada, faltando vontade política para a concluir. Paradoxalmente, quando nos aproximamos da grande rotunda que precede a entrada na Cidade, deparamos com os acessos ao famigerado aeroporto de Beja. Tenho sempre a sensação de mergulhar numa espécie de manicómio institucional. Por um lado, temos uma autoestrada incompleta que torna por vezes a viagem até Beja um verdadeiro inferno e, como a teoria económica nos ensina, a autoestrada é um bem indivisível, ou seja, só tem sentido económico quando existe na sua totalidade. Por outro lado, deparamos com uma infraestrutura aeroportuária que resultou seja de uma antecipação visionária, seja de mais um delírio de investimento infraestrutural. Interrogo-me sempre quando ali passo que raio de racional tem acompanhado o investimento público em Portugal, quando ele existe, claro está.
Na sessão do IP de Beja, e já agora um mexerico, o aniversário do Politécnico foi “abrilhantado” pela presença da estrela do Almirante Gouveia de Melo, que encontramos a almoçar com um vasto séquito no Beja Parque Hotel. Imagino que o road show do Almirante estará já ao rubro e só nos faltava esta na corrida presencial haver também esta estranha obsessão portuguesa pelas fardas.
Voltando ao meu tema, tive o cuidado de na minha intervenção, chamar aa atenção para uma espécie de corpo estranho no programa Regional que é o financiamento da infraestrutura ferroviária que articulará Évora com Beja, permitindo a ligação a esta última capital de distrito nos mesmos termos em que é realizada a ligação de Lisboa a Évora. É um exemplo claro de captura por parte da Administração Central de recursos europeus que deveriam estar exclusivamente alocados ao nível regional. Gracejando sobre a questão, referi que a Região aceitará de bom grado esta captura se ela permitir de uma vez por todas que Beja fique devidamente integrada no sistema ferroviária. Se o financiamento pelo Programa Regional viabilizar a aceleração da obra então a captura de fundos terá pelo menos um fim feliz, já que se trata de uma obra sistematicamente adiada no Plano Nacional Ferroviário sucessivamente revisto. Continuando no gracejo diria que o Alentejo e Beja em particular aceitariam de bom grado uma captura do género se a conclusão da A26 e substituição definitiva do IP8 pudessem ser finalmente concretizadas. A desconsideração que as políticas públicas centrais têm manifestado pelo Baixo Alentejo faz doer a alma e como Português do Portugal diverso esta desconsideração incomoda-me, assim como me incomoda que o Algarve não tenha um hospital decente, ao nível e exigência do seu cosmopolitismo.
Claro que não posso deixar de pensar que tudo isto traduzirá um fraco peso eleitoral destas duas regiões, o que reforça ainda mais o meu incómodo.
Na sessão de apresentação da avaliação ex-ante do Programa Regional Alentejo ficou evidente a disponibilidade da CCDR Alentejo para em sede de operacionalização e implementação do Programa haver resposta efetiva e integrada ao desígnio da mudança demográfica. O tema foi suscitado e bem no Acordo de Parceria mas a tradução deste em Programas, regionais como o do Alentejo e temáticos, deixa a descoberto esta questão. A arquitetura escolhida para a programação com as diferentes “gavetas” correspondentes aos diferentes instrumentos e tipologias de intervenção a financiar esquartejou a resposta possível à mudança demográfica, sendo agora necessário abrir campo à integração de dimensões como: (i) políticas e projetos de investimento empresarial e de criação de emprego qualificado e, por essa via, atração de novos residentes à Região; (ii) criação de condições de residência, culturais e acolhimento desses novos residentes; (iii) estratégias locais de habitação com componentes de acolhimento e integração de migrantes internacionais; iv) dinâmicas de investimento de valorização económica de recursos locais para fixação de jovens que se qualificam na Região; (v) estratégias de atração à Região de novos investigadores tirando partido do valor internacionalmente reconhecido de núcleos e grupos de investigação existentes na Região; (vi) políticas mais ambiciosas de conciliação da vida profissional e familiar para casais jovens; (vii) exercício de fiscalidade local e em articulação com autoridades nacionais no âmbito de possíveis extensões em termos de fiscalidade nacional; (viii) programas culturais de grande envergadura e visibilidade aspirando à fixação na Região de trabalhadores culturais e criativos, criando pequenas aglomerações de recursos humanos suscetíveis por si só de estimular a atração de outros artistas, criativos e outros trabalhadores culturais.
Os Programas Regionais atribuem aos Planos de Ação a apresentar e contratualizar (ITI) pelas Comunidades Intermunicipais (CIM) uma grande relevância na abordagem à mudança demográfica, mas em meu entender, a magnitude do desafio exigirá respostas não limitadas ao nível sub-regional, mas envolvendo igualmente o regional e o nacional.
Nesse sentido, o antigo colega de trabalho e Amigo Josué Caldeira, agora a trabalhar na Câmara Municipal de Santiago de Cacém, destacou e bem a necessidade de um desígnio nacional de grandes proporções para a política de habitação em Portugal se quisermos ter veleidades de atração de população externa ao país. E chamei eu a atenção para a necessidade de regular com firmeza os efeitos perversos que a atração dos famigerados nómadas digitais irá gerar no mercado de arrendamento em Portugal. Num mercado reduzidíssimo como o nosso, a chegada ao país de uma procura de habitação de rendimentos mais elevados vai tornar esse mercado um verdadeiro inferno para a população mais jovem e menos endinheirada que os tais nómadas. Seria bom que alguém desse uma dica ao primeiro-Ministro para dosear o seu discurso sobre essa matéria e que estivesse atento aos efeitos perversos que está a gerar.
Quanto à intervenção no Workshop da PlanAPP fica para amanhã.
Nota final: com esta azáfama de trabalho não deu para comentar o Mundial do Catar. Mas uma hipótese de trabalho começa a fazer o seu curso: a disseminação das metodologias de treino por todo o continente e o reduzido tempo de preparação das seleções europeias pode proporcionar um equilíbrio intercontinental nunca antes de visto. Por isso, caro Santos, deixa-te de planeamento fiscal e cuida-te, pois vais ter ossos duros de roer.
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