(“Depressing” foi assim que a inconfundível Gillian Tett reagiu no Twitter a esta notícia do Financial Times. Não é para menos. E não me venham com a história do desastre que foi Liz Truss, perdida e já esquecida na voraz deriva em que a política britânica conservadora está mergulhada. Tudo isto começou bem lá atrás, com Cameron e Osborne e não, não foi com a tonta ideia de submeter a referendo o Brexit, acossados que estavam primeiro –Ministro e Chancellor pela força mediática do inenarrável Farage – UKIP que se ausentou entretanto para parte incerta. Tudo começou isso sim com a ainda mais tonta e classista ideia da desregulação, da austeridade fora de contexto e com as efabulações da elite conservadora, de que Boris e Liz são apenas simples manifestações e que a dupla Sunak-Hunt está desesperadamente a tentar remendar como podem. Entretanto, a ideia do regresso ao fausto imperial e ao brilho de outros tempos fenece dia a dia, mostrando no dia a dia dos britânicos como é possível a ilusão do BREXIT desfazer velhas glórias e justificados orgulhos como a do NHS, National Health System.)
A progressiva degradação da qualidade de serviço do NHS do Reino Unido (já foi mais unido do que é agora, com a Escócia a tentar desembaraçar-se do empecilho …) é um exemplo a recordar. Ela é um dos frutos concretizados dos desmandos da desregulação, da privatização incontida e sobretudo do peso desproporcionado que as políticas de austeridade impostas não por necessidade (como é o caso do aperto a que Sunak/Hunt estão hoje submetidos) mas apenas por convicção ideológica. Tudo começou lá trás com Cameron e Osborne que teve essencialmente três áreas de incidência: a perda de qualidade das infraestruturas básicas, visível por exemplo nos efeitos das cheias no Reino Unido, a degradação da política pública de habitação e as dificuldades do NHS. Há dias, Simon Wren-Lewis no seu prestigiado Mainly Macro assinava um artigo contundente com o título sugestivo de “Não faz qualquer sentido económico continuar a encolher o Estado sem mudar o que é pressuposto esse mesmo Estado fazer”.
Convido nesses termos todos aqueles que têm incorretamente voltado a falar de austeridade, no Reino Unido e também por cá, uma espécie de “austeridade 2.0”, a meditar profundamente nestas sábias palavras do Professor de Oxford:
“Os cortes de despesa anunciados na Declaração do Outono não têm justificação porque estamos numa outra fase do ciclo económico. Pode não parecer que se trata de uma expansão económica, mas o Banco de Inglaterra está a subir as taxas de juro porque pensa que há uma procura excessiva no mercado de trabalho. Numa primeira aproximação, quanto mais a despesa pública for cortada menos o Banco Central tem de aumentar as taxas de juro. Por isso, os cortes de despesa não precisam de diminuir o rendimento de toda a gente, como aconteceu depois de 2010. Nessa medida, não pode falar-se de austeridade 2.0, mas apenas de cortes na despesa pública.
Há uma outra diferença crucial entre todos os cortes de despesa anunciados na Declaração de Outono e o que aconteceu depois de 2010 e ela está no estado dos serviços públicos e na extensão da pobreza. Devido ao que aconteceu depois de 2010, mais os cortes que a inflação provocou nos orçamentos mais recentes em termos reais, mais o facto dos gastos públicos crescerem menos do que os gastos privados, a maioria dos serviços públicos estão hoje num estado crítico. Como já o referi, falar de mais cortes de despesa é abominável. Deveríamos estar pelo contrário a falar de aumentos de despesa e não de mais cortes.”
Toda a gente ciente das suas convicções em matéria de desregulação e redução do peso do Estado na economia que atente bem na experiência do Reino Unido para compreender até que loucuras nos pode conduzir essa obsessão sem a contextualizar no ciclo económico que atravessamos. E não estamos a falar de uma economia qualquer. O brilho do Império já lá vai e a morte da Rainha foi um símbolo dessa perda. Mas continua a ser uma economia do G7. Imaginem transpor as receitas para uma economia mais vulnerável e depois digam alguma coisa … se conseguirem. For God’s sake!
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