domingo, 27 de novembro de 2022

REFLEXÕES FUTEBOLÍSTICAS SOBRE O MAL AMADO MUNDIAL

 


(Uma pacóvia decisão dos nossos mais destacados representantes democráticos, Presidente da República cada vez mais instável, Primeiro-Ministro e Presidente da Assembleia da República, de zarparem para o Catar ainda em fase de grupos, sem que a presença das comunidades portuguesas o justificasse, precipitou um debate político que deveria ser realizado acima do fervilhar de emoções que uma competição desta natureza sempre suscita. A candidatura do Catar e o seu êxito cheiraram a esturro desde o início, mas a nossa hipocrisia política ignorou olimpicamente como noutras situações o problema, debatemos ferozmente o atavismo de Fernando Santos na fase de qualificação como se o resultado dessa fase de grupos se destinasse a um Mundial realizado no mais puro e democrático dos países. Como não é difícil de compreender, a dureza da “real politik” que nos obriga a manigâncias diplomáticas com países em que o autoritarismo, a repressão e outras malfeitorias são o pão nosso de cada dia numa cada vez estranha economia mundial, imprepara seriamente a opinião pública para um debate são sobre como combater a violação dos direitos humanos. Por isso, se for esse o contexto ter-me-ão sempre disponível para participar nessa reflexão. Mas como pessoa que gosta de futebol e de o analisar não me inibam de o fazer com o argumento de que tudo se passa no Catar. E sobre o que se passou na Rússia?)

Concretizado este introito ou mais propriamente esta nota de registo de conflito de interesses, passo a registar algumas reflexões em torno do pouco que tenho conseguido ver, graças a um período de forte azáfama profissional.

Não estou seguro se estas reflexões fossem produzidas no fim da fase de grupos seriam do mesmo teor. A generalização ou teorização em futebol pode equivaler a formalizações precipitadas ou mesmo desconchavadas e isso pode acontecer, porque não nesta minha primeira incursão sobre o Mundial de 2022.

Olhando para os resultados até agora observados e sobretudo para as condições de jogo concreto em que foram alcançados emerge uma primeira ideia de um maior equilíbrio entre os países aqui representados. A existência de patinhos feios, esmagados com cabazadas de tempos antigos (a Costa Rica colocou-se a jeito para enfiar a carapuça, mas hoje já venceu surpreendentemente o Japão) parece ser de outra época.

Pode perguntar-se qual a razão para esse maior equilíbrio, pelo menos aparente até agora?

Uma resposta de circunstância, relativamente pouco sofisticada, prende-se com a hipótese do curto tempo de preparação que a grande maioria dos países favoritos reuniu para a sua participação. Os calendários da ganância desportiva que caracterizam as principais ligas mandam mais do que a seriedade da preparação para o Mundial e isso talvez favoreça países com Ligas com menor expressão competitiva. Essa razão combinada com alguma transição etária de algumas equipas (caso particular da Bélgica que parece arrastar-se pelo campo perante a impotência do seu treinador Roberto Martinez) pode ter algum valor explicativo.

Gosto mais de puxar por outros argumentos, que me são intelectualmente muito caros, e que dizem respeito à disseminação do conhecimento sobre metodologias de prospeção e formação (Marrocos é neste caso um caso exemplar) e de treino (na qual alguns treinadores portugueses têm sido protagonistas fazendo jus à nossa boa Escola na matéria). Penso que esta dimensão é relevante para explicar algum do equilíbrio revelado até agora na competição. Até porque ao contrário do que se verifica na tecnologia, a disseminação do conhecimento sem que em contrapartida a evolução no centro que dissemina seja de tal maneira forte que permita manter a intensidade da diferença e do desequilíbrio.

Mas há um outro argumento que me ocorreu com a vivência das duas primeiras jornadas. Quando assisto aos jogos do Irão e da Arábia Saudita, independentemente de resultado positivo ou negativo, como é o caso dos dois países com uma vitória e uma derrota, embora invertidas no tempo nos dois países, intuo que há um outro fator a ter em conta – o nacionalismo identitário e as suas diferentes manifestações. Pus-me a pensar se alguma seleção ocidental conseguiria jogar como o Irão jogou contra Gales ou como a Arábia Saudita jogou na sua vitória com a Argentina ou na primeira parte da sua derrota com a Polónia. Creio que muito dificilmente o ocidente futebolístico poderá chegar à intensidade de emulação que aqueles dois jogos nos proporcionaram e nem quero pensar o que será o Irão-EUA da terceira jornada do grupo ou a discussão da possibilidade da Arábia passar a fase de grupos.

Já o Marrocos-Bélgica de hoje terá de ser analisado com outras lentes. Mesmo que possa invocar-se a qualidade do projeto de formação de Marrocos e a sua atividade de prospeção, penso que o fator determinante na derrota belga de hoje é a transição etária desta última, sem um nome que se distinga para uma possível renovação. Admitir que Vertonghen ainda seja neste momento um dos esteios da defesa belga é a evidência pura de que a renovação não está a ser concretizada.

Mas claro a terceira jornada pode inviabilizar toda esta teorização.

Bons jogos acaso gostem, não se sintam ofendidos pelo que rodeia este Mundial e se tiverem tempo para isso.

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