Um livro a não perder, essencialmente na medida em que não se trata de mais um a abordar algo biograficamente a figura e a vida de Winston Churchill ou os seus tempos. O que Erik Larson nos traz é um relato curioso e revelador sobre o seu primeiro ano no poder, iniciado no dia em que assume o cargo por indigitação real enquanto Hitler invadia a Holanda e a Bélgica e largamente desenrolado sob a dominante de um intenso bombardeamento da Inglaterra pelas forças da Alemanha nazi e a correspondente e corajosa resistência de Londres (entre as suas limitadas mas esforçadamente melhoradas capacidades de ripostar ― muito interessante perceber o papel aqui desempenhado por Max Aitken, ou Lorde Beaverbrook, enquanto um polémico mas eficientíssimo ministro da Produção Aeronáutica ― e a extraordinária abnegação do povo britânico), com Churchill em permanentes tentativas de sedução e convencimento relativamente ao presidente americano (Franklin D. Roosevelt), então a braços com uma contenda eleitoral à vista e uma situação político-social interna pouco propícia a uma decisão de entrada na guerra.
Aqueles bombardeamentos marcam a cadência do livro e estão por detrás do respetivo título. Veja-se o excerto fundacional: “A noite estava limpa e estrelada, com a lua a erguer-se sobre Westminster. Nada podia ser mais bonito: os holofotes entrelaçavam-se sobre o horizonte; os clarões dos projéteis, semelhantes a estrelas, rebentavam no céu; a luz dos fogos distantes ― tudo ajudava a compor o cenário. Era magnífico e terrível: o zumbido espasmódico dos aviões inimigos lá em cima; o troar dos disparos, às vezes próximo, às vezes distante; a iluminação dos projéteis, semelhante à dos elétricos em tempo de paz; no firmamento, uma miríade de estrelas naturais e artificiais. Nunca houve um tal contraste entre o esplendor da natureza e a infâmia humana.”
A narrativa evolui num vaivém entre as realidades inglesa (predominantemente) e alemã (aqui muito em volta dos figurões Hermann Göring, Joseph Goebbels e Rudolf Hess), sempre com um natural enfoque na vida pessoal e política de Churchill (as suas múltiplas idiossincrasias e humores; as suas fugas para weekends campestres, com Chequers como grande referencial; a sua relação com o secretário particular John “Jock” Colville e as angústias deste, em paralelo com os amores não correspondidos pela sua filha Mary; a deriva alcoólica do seu filho Randolph e a queda do seu casamento; o nascimento do seu neto Winston Junior; as oscilantes incursões da mulher Clementine; e tanto mais).
Uma merecida nota lateral de curiosidade para o que foi a deslocação entre Nova Iorque e Londres de William Averell Harriman, a dada altura enviado por Roosevelt para observar o comportamento da Grã-Bretanha (já antes dele o mesmo sucedera com o frágil mas perspicaz e determinante Harry Hopkins): “Harriman reservou um lugar no Atlantic Clipper da Pan American Airways, com partida marcada para as nove e quinze de segunda-feira 10 de março, do Terminal Aéreo Marítimo de Nova Iorque, conhecido informalmente como o campo de LaGuardia (...). Em condições ideais, a viagem demoraria três dias, com múltiplas paragens: primeiro nas Bermudas, a seis horas de viagem e depois uma etapa de quinze horas até à Horts, nos Açores. Dali, o Clipper voaria para Lisboa, onde Harriman deveria apanhar um voo da KLM para a cidade portuguesa do Porto, com uma hora de paragem antes de prosseguir para Bristol, Inglaterra, e finalmente apanhar um voo de passageiros até Londres.” Estávamos notoriamente em tempos incomparáveis (sendo, contudo, assinalável o registo de que para se ir de Lisboa a Londres se passava pelo Porto, de onde havia a ligação mais direta às Ilhas Britânicas), ao que acresce que a viagem ainda teve algumas perturbações de vária ordem que a fizeram render uns dias mais. De sublinhar também que Averell viria a ser objeto de uma perturbação de outro tipo junto da nora de Churchill (Pamela), a qual seria entretanto interrompida durante décadas (em que se manteve burocraticamente casado e desempenhou altos cargos no seu país) até acabar por ser tardiamente consagrada num casamento de fim de vida, em 1971.
Como me parece que este livro não pode descrito é nos termos que o foi por Paulo Portas quando o recomendou na antena da TVI. Porque não corresponde à realidade essencial da narrativa a ideia de estarmos em face de um Churchill só e abandonado num ano especial e tão inigualável como aquele, ademais confrontado com dificuldades tremendas e com a obsessão dos seus fantasmas pessoais. Sim, o ano foi pesadíssimo e as angústias foram de monta mas Churchill apenas esteve isolado quando e quanto quis (como a sua personalidade e natureza manifestamente determinavam) e nunca se deixou vencer por qualquer isolamento de qualquer ordem. E esse é precisamente um dos encantos da obra: o de fazer realçar a pessoa e o estratega, as contradições e os elementos de fulgor que foram emergindo, além do papel inescapável do entorno e da sua magistral exploração (em moldes tão oportunistas quanto inteligentemente envolvidos). Recomendável, pois, sem hesitações.
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