quinta-feira, 10 de novembro de 2022

A FAVA AYUSO DE FEIJOO

 


(Tudo estava preparado para que a subida à liderança do Partido Popular espanhol de Alberto Nuñez Feijoo, com provas dadas nas sucessivas maiorias absolutas conquistadas na vizinha Galiza, se transformasse numa espécie de passadeira vermelha para a governação de Espanha. O contraste entre a serenidade, competência e divisão de águas relativamente à extrema-direita do VOX que Feijoo personificava e a instabilidade, volubilidade e oscilação do líder anterior Pablo Casado anunciavam um caminho promissor para o PP. Tanto mais que se acreditava que, por mais hábil e taticista que Pedro Sánchez se apresentasse, o agravamento da situação macroeconómica com a inflação como cereja em cima do bolo e o saco de gatos em que o seu apoio parlamentar se transformou acabariam por atirar o PSOE às cordas e fornecer a chave do poder ao PP. Esta previsão, que a grande maioria dos meios de comunicação em Espanha aceitou como narrativa dominante, tinha porém dois obstáculos, que não eram propriamente minudências. Ambos foram aqui referenciados neste espaço de análise e reflexão. É sobre esses dois obstáculos que pretendo reincidir no post de hoje, até porque estão ambos relacionados, como o tentarei demonstrar…)

O primeiro obstáculo tinha que ver com a própria resiliência de Pedro Sánchez. O líder do PSOE não é propriamente um personagem que possa ser equiparado a um “Zé, neste caso Pedro, sempre em pé”. Mas tem revelado uma capacidade, por vezes algo errática, de conservação do poder, agarrando-se a qualquer possibilidade de alianças parlamentares. Essa diversidade de alternativas tem sido tão variada que a designação inicial de “governo ou solução Frankenstein” já não consegue descrever a ousadia das piruetas que o PSOE tem praticado com mestria tática. Alguma sorte tem facilitado a atuação. Por exemplo, os independentistas catalães, mais propriamente a vertente do Junts per Catalunya de Puigdemont e forças políticas associadas decidiram abandonar o governo da Generalitat, deixando ao comando a Esquerra Repubicana. Essa situação deu ao governo de Sánchez uma nova capacidade de diálogo com a Catalunha, matéria em que o PP está praticamente a zeros, pois não consegue encontrar um seu filiado que garanta o regresso à dimensão eleitoral que já teve na Região. Com pontos a favor de Sánchez, talvez inesperadamente.

Tudo isto acontece sem que a “guerrilha” interna do Governo se tenha atenuado. O PODEMOS agora liderado no Governo por Yolanda Diáz continua com projeto próprio, e este próprio é mesmo assim, pois há aqui um projeto pessoal da galega que vai muito para além da ambição do PODEMOS. Ou seja, Sánchez herda por tabela dois projetos num só, o pessoal de Yolanda e o do PODEMOS. Isto instabiliza o governo mas simultaneamente oferece margem de manobra a Sánchez para mostrar que o PSOE continua a ser a únca força credível à esquerda em Espanha e isso vai atrasando o desgaste e amachucando a passadeira vermelha preparada para Feijoo. Além disso, Pablo Iglésias (PODEMOS) que se tinha retirado para a reflexão e docência estará provavelmente com problemas para pagar as contas ao fim do mês. É já o segundo concurso público para Professor Associado na Complutense de Madrid, uma primeira recusa em matéria de ciência política e outra em Jornalismo (o que não deixa de levantar alguma estranheza, mas os júris são soberanos …). Por isso, admito que não permaneça por muito mais tempo no limbo e é bem provável que regresse às lides. Ou seja, tudo muda e Sánchez permanece. Claro que não é nada seguro que Sánchez conserve o poder em novas eleições. As sondagens continuam a dar alguma dianteira ao PP, mas a necessidade de acordo com o VOX é outro empecilho na passadeira de Feijoo. Relembremos que o VOX era na Galiza inexistente. Estranhamento isso acontece com a força da extrema-direita em perda. Sinal disso é o projeto pessoal de Macarena Olmo, candidata derrotada do VOX na Andaluzia.

Mas o outro obstáculo tem outro peso e, oportunamente, registei-o aqui neste espaço. O obstáculo chama-se Isabel Diáz Ayuso, a fogosa líder do PP na Comunidade de Madrid. Depois de uma relativa hibernação, que os analistas interpretaram como um assinar de tréguas para a liderança do PP, dando espaço a Feijoo para consolidar a sua afirmação, a madrilena voltou ao ataque, com vários cambiantes. Em primeiro lugar, Ayuso regressou à disputa da primazia e notoriedade nos ataques a Sánchez, marcando indiretamente uma posição do tipo, “só eu é que combato Sánchez com determinação”, sugerindo a fraqueza de Feijoo. Em segundo lugar, ao contrário do contínuo piscar de olho de Ayuso ao VOX, a vitória indiscutível de José Manuel Moreno do PP na Andaluzia sem precisar dos votos da extrema-direita retirou claramente espaço à líder madrilena e fragilizou-a no contexto dos equilíbrios do PP. Daí ter acordado da aparente hibernação. Em terceiro lugar e não menos importante, Ayuso é hoje diretamente responsável pelo caos que se vive no sistema de saúde da Comunidade de Madrid, provocando uma catadupa de demissões de médicos, enfermeiros e dirigentes sem historial próximo e comparável. Aliás, o que não é nenhuma novidade pois basta ter em conta a ruinosa e suicida gestão da pandemia que Ayuso promoveu na mesma Comunidade para compreender que seria uma questão de tempo até o sistema desabar perante tanta oscilação e incompetência de diretivas.

A fogosidade incontrolável de Ayuso atravessa-se claramente no caminho de Feijoo para a chegada ao poder. Uma de duas: ou Feijoo segue o atalho de resolver o problema com Ayuso, clarificando de vez qual é o estilo de liderança que pretende imprimir ao PP na sua caminhada para o poder e isso obviamente atrasa a sua própria caminhada; ou, em alternativa, deixa Ayuso à vontade nas suas tropelias e isso proporciona a Sánchez maior margem de manobra de defesa e argumentos para esgrimir a falta de poder de Feijoo para impor o seu estilo.

A política continua a ser uma caixinha de surpresas inesgotável. Não por acaso as sondagens que atribuem ao PP a liderança continuam a produzir resultados bastante menos taxativos quando Sánchez e Feijoo são confrontados sem mais variáveis. E existe aqui um tema que não está ainda devidamente analisado. Nos últimos tempos, o estilo de Ayuso em Madrid parece ser o equivalente mais genuíno dos populismos emergentes na senda do trumpismo (Itália incluída), superiorizando-se ao próprio VOX que estará em fase de recarregar baterias e alinhamento de forças. O que entre outras consequências produz esta bizarra consequência: uma comunidade autónoma, a de Madrid, emerge como a oposição mais forte ao governo de Sánchez, o que não lembraria ao diabo …

A questão está tão emaranhada que um jornalista galego que prezo muito, Fernando Salgado, assina hoje uma crónica desconcertante na VOZ DE GALICIA, onde manifesta a sua dificuldade na interpretação do fenómeno Ayuso. Diz Salgado que até pode compreender as dificuldades de Sánchez e do PSOE para lidar com o fenómeno, extensivas a Feijoo e sua equipa. Também pode compreender a perigosa deriva da direita mediática que começa a virar-se para Ayuso e não para Feijoo (de facto, nos últimos tempos têm-se sucedido os artigos de opinião pronunciando-se sobre as interrogações da caminhada para o poder do líder do PP). No entanto, Salgado conclui que: “No entanto, sou incapaz de comprender o fenómeno Ayuso. O que significa, inata carencia da minha parte, que não compreendo de todo os madrilenos”.

Pois, o problema continua a ser o mesmo. Há decisões da própria democracia que a razão desconhece …

 

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