domingo, 27 de novembro de 2022

UM NOVO ESTÁDIO DO DECLÍNIO DEMOGRÁFICO

 


(O Público publica hoje uma relevante entrevista com o Presidente da Associação Portuguesa de Demografia, tendo por referente a publicação dos resultados definitivos dos Censos de 2021. A jornalista Natália Faria é feliz no título que puxa para a cabeça da notícia, “Estamos a assistir a uma contração brutal das pessoas em idade de procriar”. Este alerta está em linha com reflexões que tenho vindo a realizar neste espaço. De facto, o chamado declínio demográfico em países de elevada massa demográfica costuma obedecer a uma transição que atravessa duas fases: primeiro, observa-se a descida da taxa de fertilidade, sem que isso implique imediatamente uma desaceleração demográfica, devido ao facto do número de mulheres em idade ativa de procriação ser muito elevado; depois, uma segunda fase, mais grave nas suas incidências, em que o próprio número de mulheres em idade ativa de procriação desce. Por outras palavras, poderemos falar de dois tipos de inverno demográfico, um mais ameno e outro mais gélido.)

Esta última nota de reflexão observa-se com maior regularidade em países de grande expressão demográfica. Num país de escassa dimensão demográfica como Portugal, a tendência para as duas fases se confundirem é muito elevada, sendo por isso muito provável que a descida continuada da taxa de fertilidade precipite rapidamente a segunda fase. O alerta do Presidente da Associação Portuguesa de Demografia Paulo Machado caracteriza-se por grande realismo: “Um dos aspetos que me surpreenderam foi a erosão dos efetivos abaixo dos 39 anos de idade, porque ela acumula com o problema da não substituição das gerações que já vem de 1982 e confesso que não estava à espera de um valor tão acentuado. Foi mais forte do que esperava e confronta-nos com um duplo condicionamento: a não renovação geracional e a não renovação da população em idade ativa, que é uma acumulação de desvantagem brutal. (…) Além do impacto na economia, as consequências disto repercutem-se na própria natalidade, porque aquilo a que estamos a assistir é a uma contração brutal das pessoas em idade de procriar”.

Portugal entra, assim, num “inverno demográfico” mais gélido, e isto não tem nada que ver com os problemas energéticos que a invasão e guerra da Ucrânia está a provocar em toda a Europa, para benefício de produtores importantes de gás natural como é o tão falado Catar do mal-amado Mundial.

Para além da simples dinâmica dos números, não podemos ignorar duas dinâmicas de sentido contrário, uma das quais não mitiga suficientemente o problema e uma outra agrava-o sistematicamente.

Na entrevista refere-se que o aumento de 37.5% de estrangeiros residentes em Portugal não mitiga suficientemente o problema do inverno demográfico, ou seja o efeito do mais de meio milhão de residentes estrangeiros perde-se na gravidade do problema estrutural. Esta é a dinâmica interessante mas não resolutiva. Por outro lado, toda a vez que casais jovens buscam no estrangeiro novas oportunidades para trajetórias mais estáveis e efetiva de progressão de carreiras e de melhorias de rendimento do trabalho o problema da redução do número de pessoas em idade de procriação sai irremediavelmente agravado.

A jornalista e Paulo Machado discutem se o tema deveria estar ou não a ser discutido no Parlamento. De certo modo, o Parlamento reflete as preocupações da sociedade. O que podemos dizer é que a perceção da gravidade do problema está a intensificar-se mas ainda não atingiu aquele limiar que precipita a mudança.

Há dias identifiquei uma evidência clara dessa realidade. O Acordo de Parceria PT 2030 que enquadra a programação de Fundos Estruturais para o período 2021-2027 concede á mudança demográfica uma forte notoriedade. Todavia, embora quando analisamos mais finamente a programação a resposta a essa mudança demográfica esfuma-se, o que é extensivo, valham-nos os deuses, a um programa que se chama Demografia, Qualificação e Inclusão. Querem melhor evidência do que esta?

Mas em meu entender o grande problema está na cruel evidência de que a atração de pessoas para satisfazer necessidades óbvias de mão de obra está a evoluir por caminhos ínvios que ora precipitam efeitos perversos como é o caso dos tão badalados nómadas digitais com a distorção de preços do mercado de arrendamento, ora correspondem a formas inaceitáveis de ganância, selvajaria e adulteração dos direitos humanos. O que significa que estamos com dificuldades para estabilizar uma política fiável e respeitável de atração de novos residentes.

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