quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A ESCALADA ESTEVE POR UM FIO …

 


(Depois de no meu último post ter assinalado as interrogações que a tomada de Kherson pelas tropas da Ucrânia me suscitava, eis que na viagem de regresso de Lisboa para o Porto depois de estar na Gulbenkian, por questões de amizade com o ex-governador do Banco de Portugal Carlos Costa, a assistir à apresentação do tão badalado livro de Luís Rosa, sobre o qual tecerei a seu tempo algumas reflexões, dada a manifesta impossibilidade de por agora elaborar um post rápido sobre o mesmo, me confronto com o frenesim das rádios sobre uma possível escalada do conflito com envolvimento da NATO. Sossegou-me então o testemunho de um daqueles Majores-Generais que têm ocupado o tempo mediático que referiu bem cedo a possibilidade das explosões na zona rural polaca com nome indecifrável terem origem numa falhada intervenção da defesa antiaérea ucraniana contra a mais recente ofensiva russa de disparo de mísseis sobre as principais cidades do país invadido. Já nessa altura as autoridades russas tinham feito referência a uma provocação interpretativa do que acontecera, mas a credibilidade dessas declarações está perigosamente num ponto zero. De qualquer modo, confirmo nesta reflexão a reação potencialmente explosiva de Zelensky e das autoridades polacas, produzidas sem avaliação no terreno do observado. Posso compreender que as lideranças do país invadido e de um país vizinho tão massacrado historicamente com a repressão soviética possam estar em tensão e reagirem a quente ao menor indício de agressão justificativa de um escalamento da guerra. Mas vá lá que americanos e NATO reagiram sensatamente e exigindo ponderação do que acontecera de facto. E, já agora, a reação do nosso Ministro dos Estrangeiros João Cravinho não foi propriamente um modelo de ponderação. Reagir na altura no pressuposto de que se tratava de um erro ou agressão russa, reclamando firmeza de resposta, não me parece a tomada de posição mais sensata …

A proximidade de um país membro da NATO como a Polónia face ao teatro da guerra e da invasão russa, com memória histórica viva e permanente do que foi no passado a repressão soviética e com uma liderança que pode ser em certos momentos incendiária, porque populista de raiz e profundamente nacionalista, sempre representou para mim um dos riscos mais sérios de escalamento de todo este conflito. Se a capacidade de acolhimento da população deslocada ucraniana revelada pelos polacos é notável, nunca deixei de considerar essa proximidade como um explosivo latente.

Ontem, a sucessão em aberto frenesim de considerações produzidas com origem nas autoridades polacas sobre o significado das explosões em território rural polaco, com duas mortes de agricultores, antes de existir um completo esclarecimento do real significado daquelas explosões, aliás completadas com reação equivalente do próprio Zelensky, veio confirmar as minhas avaliações mais pessimistas sobre o risco instalado no terreno.

No seguimento da bastante esperançosa reunião entre Biden e Jinping na Cimeira do G20, que falou de conflito, concorrência aberta entre os dois grandes poderes mundiais, mas não de agressão, colocando assim algum esfriamento nas inteligências mais instáveis, também aqui as autoridades americanas (Pentágono e o próprio Biden) e a própria NATO deram prova de algum bom senso reservando as suas posições para apenas depois de se esclarecer o real significado das explosões observadas. Isto não invalida como é óbvio a denúncia e rejeição do massivo ataque de mísseis de que a Ucrânia foi ontem alvo. Confirmou-se toda a evidência o indica de um dano colateral da atividade das baterias antiaéreas ucranianas. Desta vez a reação das autoridades russas era para levar a sério, mas tal como na história para crianças as tomadas de posição e comunicados dessas mesmas autoridades foram no passado recente tão hipócritas e desconcertantes que já ninguém acredita num comunicado que por acaso estava correto.

A Polónia e os países bálticos a seguir são de facto um barril de pólvora dada a sua proximidade face à ameaça russa e o passado histórico de dominação, agressão e ocupação soviéticas. Felizmente por agora tratou-se de um rastilho de pólvora seca, perfeitamente a tempo de ser desmontado. Mas, na sua simplicidade trágica, ilustra bem o risco de contributo para o escalamento da guerra a que a geografia e a história, combinadas num casamento perfeito e indestrutível, nos submetem sem remédio.

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