quinta-feira, 10 de novembro de 2022

MEU NOME É GAL!

Subitamente, ao início da tarde de ontem, o choque da notícia: morreu Gal Costa! Confesso a minha desolação pessoal e geracional, não tanto pelo que dela conheci (infelizmente não era o caso, já que o mais perto que me aproximei dela foi em espetáculos ao vivo ou na porta da sua casa de Trancoso) mas decididamente pela sua absolutamente inesquecível voz (“a garota da voz de veludo”, como se escrevia no “Público”) e pela igualmente inesquecível densidade de situações e momentos de toda a natureza que dela puderam emergir.

 

Uma brilhante trajetória de carreira, que vem dos anos 60 e se traduziu em 40 álbuns editados (acima, alguns exemplos avulsos que não aleatórios), e uma rara presença cultural e cívica (o tropicalismo foi apenas um de muitos pontos fortes dessa presença) marcaram a vida desta mulher de 77 anos que esteve quase quotidianamente atravessada no meu caminho durante mais de meio século.

 

Deixo o obituário rigoroso e pormenorizado aos muitos especialistas capazes de os produzirem do modo competente e articulado a que o meu conhecimento na matéria não acede. Por mim, Gal reduz-se a uma simples magia pessoal e a ser parte da minha memória e condição. Daí que opte por aqui reproduzir simbolicamente, com o som no pensamento, a lírica de quatro canções que lhe ouvi vezes incontáveis, três de cariz romântico e uma de pendor romanticamente mordaz, quatro canções que ficarão registadas para sempre em mim como uma ilustração sentida do motivo pelo qual é indizível e eterno o reconhecimento que naturalmente devoto à passagem dela.

 

Índia (1973):

“Índia, teus cabelos nos ombros caídos. / Negros como as noites que não tem luar / Teus lábios de rosa, para mim, sorrindo / E a doce meiguice desse teu olhar / Índia da pele morena / Tua boca pequena eu quero beijar / Índia, sangue tupi, tens o cheiro da flor / Vem, que quero te dar / Todo o meu grande amor

Quando eu for embora para bem distante / E chegar a hora de dizer-te adeus / Fique nos meus braços só mais um instante / Deixa os meus lábios se unirem aos teus / Índia, levarei saudade / Da felicidade que você me deu / Índia, tua imagem sempre comigo vai / Dentro do meu coração

Todo meu Paraguai

Índia, teus cabelos nos ombros caídos / Negros como as noites que não tem luar / Teus lábios de rosa, para mim, sorrindo / E a doce meiguice desse teu olhar / Índia da pele morena / Tua boca pequena eu quero beija / Índia, sangue tupi, tens o cheiro da flor

Vem, que quero te dar / Todo o meu grande amor

Quando eu for embora para bem distante / E chegar a hora de dizer-te adeus / Fique nos meus braços só mais um instante / Deixa os meus lábios se unirem aos teus / Índia, levarei saudade / Da felicidade que você me deu / Índia, tua imagem sempre comigo vai / Dentro do meu coração / Todo meu Paraguai / Todo meu Paraguai / Todo meu Paraguai”

 

Folhetim (1978):

Se acaso me quiseres / Sou dessas mulheres que só dizem sim / Por uma coisa à toa, uma noitada boa / Um cinema, um botequim / E se tiveres renda / Aceito uma prenda, qualquer coisa assim / Como uma pedra falsa, um sonho de valsa / Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades / Direi meias verdades sempre à meia luz / E te farei, vaidoso, supor / Que és o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte / Não conta até vinte, te afasta de mim 7 Pois já não vales nada, és página virada / Descartada do meu folhetim

Se acaso me quiseres / Sou dessas mulheres que só dizem sim / Por uma coisa à toa, uma noitada boa / Um cinema, um botequim

E se tiveres renda / Aceito uma prenda, qualquer coisa assim / Como uma pedra falsa, um sonho de valsa / Ou um corte de cetim

E eu te farei as vontades / Direi meias verdades, sempre à meia luz / E te farei, vaidoso, supor / Que és o maior e que me possuis

Mas na manhã seguinte / Não conta até vinte, te afasta de mim / Pois já não vales nada, és página virada / Descartada do meu folhetim

 

Chuva de Prata (1984):

Se tem luar no céu / Retira o véu e faz chover / Sobre o nosso amor / Chuva de prata que cai sem parar / Quase me mata de tanto esperar / Um beijo molhado de luz / Sela o nosso amor

Basta um pouquinho / De mel pra adoçar / Deixa cair o seu véu sobre nós / Oh Lua bonita no céu / Molha o nosso amor

Toda vez que o amor disser / Vem comigo / Vai sem medo / De se arrepender / Você deve acreditar / No que é lindo / Pode ir fundo /Isso é que é viver

Chuva de prata que cai sem parar / Quase me mata de tanto esperar / Um beijo molhado de luz / Sela o nosso amor

Cola seu rosto no meu vem dançar / Pinga seu nome no breu pra ficar / Enquanto se esquece de mim / Lembra da canção

Toda vez que o amor disser / Vem comigo / Vai sem medo / De se arrepender

Você deve acreditar no que eu digo / Pode ir fundo / Isso é que é viver

Chuva de prata que cai sem parar / Quase me mata de tanto esperar / Um beijo molhado de luz / Sela o nosso amor

Enquanto se esquece de mim / Lembra da canção / Oh Lua bonita no céu / Molha o nosso amor

 

Dia de Domingo (1985, com Tim Maia):

“Eu preciso te falar, / Te encontrar de qualquer jeito / Pra sentar e conversar, / Depois andar de encontro ao vento.

Eu preciso respirar / O mesmo ar que te rodeia, / E na pele quero ter / O mesmo sol que te bronzeia,

Eu preciso te tocar / E outra vez te ver sorrindo, / E voltar num sonho lindo

Já não da mais pra viver / Um sentimento sem sentido, / Eu preciso descobrir / A emoção de estar contigo, / Ver o sol amanhecer, / E ver a vida acontecer / Como um dia de domingo.

Faz de conta que ainda é cedo, / Tudo vai ficar por conta da emoção / Faz de conta que ainda é cedo, / E deixar falar a voz do coração.

Eu preciso te falar, / Te encontrar de qualquer jeito / Pra sentar e conversar, / Depois andar de encontro ao vento.

Eu preciso respirar / O mesmo ar que te rodeia, / E na pele quero ter / O mesmo sol que te bronzeia,

Eu preciso te encontrar / E outra vez te ver sorrindo, / Te encontrar num sonho lindo...

Já não dá mais pra viver / Um sentimento sem sentido, / Eu preciso descobrir / A emoção de estar contigo,

Ver o sol amanhecer, / E ver a vida acontecer / Como um dia de domingo.

Faz de conta que ainda é cedo, / Tudo vai ficar por conta da emoção

Faz de conta que ainda é cedo, / E deixar falar a voz do coração

Faz de conta que ainda é cedo, / Tudo vai ficar por conta da emoção

Faz de conta que ainda é cedo, / E deixar falar a voz do coração

Faz de conta que ainda é cedo, / Tudo vai ficar por conta da emoção

Faz de conta que ainda é cedo, / E deixar falar a voz do coração.”


Em tempo, na manhã seguinte: dois apontamentos adicionais sobre o modo como a imprensa brasileira chamou o desaparecimento de Gal ao lugar de destaque e homenagem que o facto justifica, bem assim como um excerto da dignidade com que o nosso “Público” também valorizou a perda associada a tal desenlace.



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