domingo, 30 de junho de 2013

PORQUE NÃO TE DEMITES?



Se bem percebi pela notícia da TSF do início da noite o Ministério das Finanças emitiu hoje uma nota de esclarecimento sobre a informação que terá recebido do Governo PS (Fernando Teixeira dos Santos) em matéria de SWAPS nas empresas públicas nacionais e sobretudo sobre as condições em que tal informação foi proporcionada. Globalmente, a nota confirma os esclarecimentos que o próprio Teixeira dos Santos prestou publicamente, o que aliás outra coisa não seria de esperar, pois tenho-o como alguém de palavra e bom nome. Mas, na mesma notícia da TSF, fica flagrante que a nota do Ministério das Finanças desmente não o ministro (de palavra) antecessor, mas sim a sua secretária de Estado Maria Luís Albuquerque (MLA), que havia negado o fornecimento de qualquer informação sobre a matéria. Não está em causa se Vítor Gaspar entende ou não que tal informação foi ou não insuficiente para tomar devida conta do problema. O que está em causa é a falsidade da declaração de MLA. Esta personalidade tem um envolvimento na matéria dos SWAP’s bem mais complexo do que o governo tem feito crer. A impunidade com que certas declarações são proferidas roça o obsceno.

O MEU PORTA-VOZ


Não sou propriamente velho assumido, mas há períodos em que tendo para isso, a que noutros tento escapar com a melhor das artes possíveis, com engenho artesanal e tentando tanto quanto possível ficar longe dos químicos revitalizantes. 

Mas hoje, quando lia o Público em Seixas, bem de manhã, e fixado no Minho e na encosta de Santa Tecla procurava alguma frescura, conclui que já tenho porta-voz para o estatuto de velho e reformado parcial. A contundência do artigo de Vasco Pulido Valente encheu-me as medidas. Cito apenas o fim arrasador: “Esse minúsculo bando que nos pastoreia prepara em público e com a boa consciência da loucura um plano para o extermínio democrático dos velhos. E, nós, claro, marcharemos sem um pio para o nosso destino”.

EUROPEÍSMOS (VI)

(Nicolas Vadot, http://www.lecho.be)
 

Junho trouxe-nos o regresso europeu a velhas questões, afinal ainda longe de se poderem declarar encerradas e enterradas. A agenda foi significativamente marcada pelas negociações entre União Europeia e Estados Unidos de uma “zona transatlântica de comércio livre”, anunciadas como o maior acordo comercial do mundo e especialmente acarinhadas por Obama e pelo anfitrião da reunião do G8 (Cameron).

Os franceses, sempre generalizadamente considerados uns chatos, irritantes, conservadores e xenófobos – consoante os gostos e os tiques de cada um –, estiveram bem no centro do jogo e souberam impor a sua diferença (com ameaça de veto no Conselho Europeu e tudo!). Porque, colagem yankee de Durão à parte por estrita indecência de objetivos, os tempos não estão para grandes proclamações doutrinárias e têm de existir efetivos limites e restrições a condutas em nome dos “benefícios do livre-cambismo” e a obediências a factos consumados decorrentes de uma selvagem “lei do mais forte”. Um dia, o modelo social e ambiental e alguma identidade europeia poderão ainda vir a ter de agradecer a tais emmerdeurs esta sua defesa de uma “exceção cultural”, i.e., esta sua resistência à mercantilização da cultura…

DUAS CAPAS



PERVERSÕES DO PODER


O cartunista do El País, “El Roto” (Andrés Rábago García), volta ao nosso convívio numa síntese de maio e junho de algum modo centrada em várias dimensões possíveis de encarar o poder e as suas anomalias. Onde são chamados à colação, ratazanas à parte, o cinismo e frieza do seu exercício, a consciência disso mesmo, as suas lógicas hierarquicamente reprodutoras e os riscos em presença para a democracia...




sábado, 29 de junho de 2013

PALOMA


Viveste depressa, demasiado depressa! Ainda assim, o suficiente para cá teres deixado uma marca indestrutível, na exemplaridade de uma vida pessoal sem mácula como na dinâmica de uma vida profissional sucedida. Mas, e sobretudo, nos detalhes que ficam para sempre, da contenção na palavra à presença sem falhas, da atenção discreta à solidariedade incondicional.

Disse um dia a Ró que abordaste a doença como um projeto de investimento e assim parece ter sido. Só que o corpo não ajudou a que fosse sucedendo o que a cabeça tão logicamente impelia; e a injustiça venceu desalmadamente. Mas – sei que gostarás de saber! – foste competente, corajosa e elegante.

Comigo estiveste em tanto, momentos quase sempre bons: os modelos da Solimar no Infante de Sagres, os corredores da Faculdade de Economia, o casamento que acarinhaste com uma ameaça, as pistas de Ovronnaz, as ruas de Itália, as passagens de ano na Boega, as festas de S. João, os aniversários, jantares e conversas para todos os gostos e, sobretudo, esse apoio de “segunda mãe” à Constança…

Tu vais ter mesmo de ficar entre nós, Paloma!

sexta-feira, 28 de junho de 2013

ELIS RITA

 
 
Maria Rita é a única filha mulher de Elis Regina e tinha 4 anos quando esta desapareceu de modo repentino e trágico, em 1982 e com apenas 36 anos. Três décadas depois e com carreira e vida pessoal já estabilizadas – dez anos de profissionalismo, cinco álbuns de estúdio, segundo casamento e nova maternidade –, aceitou finalmente interpretar publicamente canções do reportório de Elis e participar num tributo à mãe (promovido pelo seu meio-irmão e produtor musical João Marcelo Bôscoli). Assim foi organizada a tournée “Viva Elis”, entretanto rebatizada “Redescobrir”, espetáculo que agora vem apresentar em Portugal (começando, logo mais à noite, no Pavilhão Rosa Mota no Porto).

Apesar do todo o enquadramento familiar de Maria Rita estar intimamente associado ao meio – é filha do pianista e compositor César Camargo Mariano, irmã do cantor Pedro Mariano, mulher do músico Davi Moraes (que a acompanha neste show) e nora do “novo baiano” Moraes Moreira –, a imagem da jovem Rita continua a ser sobretudo indissociável da cantora brasileira mais carismática de todos os tempos. E vai ser certamente emocionante ouvir ao vivo a seleção de 28 temas que a mítica Elis outrora imortalizou e ela agora preparou à sua medida muito pessoal.

Impossível comparar, impossível escolher. Aliás como a própria sublinhou, não sem referir a especial emoção que associa a “Essa Mulher” e “Se Eu Quiser Falar Com Deus”. Pela minha parte, e enquanto pessoas que me são próximas terão um particular prazer e curiosidade em a ouvir interpretando “Fascinação”, vou certamente gostar de regressar a essas inesquecíveis, nostálgicas e imagéticas “Águas de Março” de Tom Jobim. Também por cantarem “o fim do caminho”, “o fim da ladeira” ou “o fim da canseira”, mas principalmente por serem “a vida” e “o sol”, “um passo” e “uma ponte”, “promessa de vida no teu coração” – “é pau, é pedra”…

A AVÓ ANGELA E OS GREGOS AINDA VIVOS


Luís Afonso é um cartunista português que há anos nos acompanha a um ritmo quase diário. O Bartoon do “Público” é já um clássico indispensável – confesso que até já me tem servido de inspiração em aulas e conferências –, embora aquele criativo também marque presença regular no “Jornal de Negócios” e na “Sábado”. Seria injusto não o referenciar explicitamente neste espaço público-privado de partilha. Com uma casual escolha do mês e em sinal de reconhecimento e admiração…

quinta-feira, 27 de junho de 2013

“WHATEVER” OU NEM TANTO?



 
Foi apresentado na semana passada o relatório anual do BIS (Banco de Pagamentos Internacionais), organismo de coordenação internacional dos bancos centrais. A sessão ficou marcada pelo seguinte alerta de Stephen Cecchetti: “Está a ficar cada vez mais claro que os bancos centrais não podem fazer ‘tudo o que for preciso’ para devolver as ainda débeis economias a um crescimento forte e sustentável”.

O relatório sublinha o papel estabilizador essencial desempenhado pelos bancos centrais desde o advento da atual crise internacional, mas não ilude as possíveis consequências de um crescimento maciço dos respetivos balanços – desde meados de 2007, os ativos totais dos bancos centrais à escala mundial quase duplicaram para atingirem um valor próximo de 20 biliões de dólares (i.e., um pouco mais de 30% do PIB mundial) – e de uma significativa extensão das suas maturidades no caso das economias ditas mais avançadas (gráfico no final deste post).

Uma situação que poderá revelar-se especialmente gravosa no tocante aos quatro maiores bancos centrais (BoE, BoJ, FED e BCE), os três primeiros prosseguindo programas importantes de estimulação monetária e o BCE de Draghi com envolvimento em operações de refinanciamento (LTROs) e compra de ativos obrigacionistas menos líquidos. Até por improcedência já que, verificando-se que “as raízes do problema de crescimento não são monetárias” e que “a política monetária não cumpriu as expectativas” em termos de crédito às empresas, “as decisões de política monetária resultam mais acertadas quando se ignoram aspetos de conveniência política de curto prazo” e se valoriza a sua “autonomia operativa”, ou melhor, que “a recuperação exige agora uma combinação de políticas diferentes”.

Acresce ainda que o estremeção das bolsas e o aumento dos yields de dívida, na sequência do recente anúncio de Ben Bernanke de uma moderação e posterior termo do programa da FED de compra de ativos, aí esteve para demonstrar a grande sensibilidade de agentes e mercados a quaisquer indícios do óbvio: que “a artilharia dos bancos centrais tem data de caducidade”…

PRECIOSIDADES (16)


Não conheci pessoalmente João Pinto e Castro (JPC), agora subitamente falecido aos 62 anos. Mas lia-o com bastante frequência no “Jornal de Negócios” e apreciava, sobretudo, a sua independência de pensamento e a desempoeirada lucidez das suas análises críticas do provinciano mainstream económico que nos sufoca.

Uma das mais recentes crónicas de JPC a que acedi – “Queimar dinheiro na praça pública” – reportava 12,2 mil milhões de euros que Gaspar e o seu Governo fizeram desaparecer. Aqui quero deixar o respetivo registo e, ao fazê-lo, render uma derradeira homenagem ao seu autor:

Em 2011 e 2012, o governo português programou retirar da economia, sob a forma de aumentos de impostos ou cortes da despesa, 18 mil milhões de euros; todavia, a redução efetiva do défice ficou abaixo de 5,8 mil milhões. Pelo caminho, desapareceram 12,2 mil milhões.

Tenho, por conseguinte, o orgulho de poder anunciar-vos que o nosso pequeno, mas engenhoso país ultrapassou estratosfericamente a façanha dos dois ingleses, queimando nos dois últimos anos uma quantia de dinheiro no mínimo 12 mil vezes superior.

A questão que convém esclarecer é esta: para onde foram esses 12,2 mil milhões?

Por força da política de austeridade aplicada, reduzindo-se a atividade económica, ficou a cobrança de impostos muito aquém do esperado; por outro lado, a quebra da atividade económica implicou mais despesa com subsídios de desemprego. A contrapartida real do desvario austeritário foi, pois, a destruição de riqueza nacional num valor próximo dos 6% do PIB.

Como, apesar da colossal dimensão do sinistro, a notícia passou relativamente despercebida dos portugueses, talvez seja indicado recordar mais devagarinho o que sucedeu: a carga fiscal atingiu níveis intoleráveis; reduziu-se a oferta dos serviços públicos; degradou-se drasticamente a sua qualidade; trouxe-se o desemprego para níveis record; cortou-se drasticamente o rendimento disponível das famílias; milhares e milhares de empresas fecharam as suas portas – e, apesar da escala da austeridade aplicada, foi mínimo o impacto de toda essa loucura sobre o défice público.

Por outras palavras, torrou-se dinheiro em Portugal numa escala e a uma velocidade nunca vistas ou imaginadas.

Pessoas preocupadas com a má despesa pública fulminam a rotunda supérflua, o pavilhão gimnodesportivo subutilizado, a estrada onde passam poucos carros. Mas em todos esses casos, ficou apesar de tudo alguma coisa que podemos ver e, se necessário, utilizar. Ao passo que a obra de Gaspar consiste apenas e só em queimar dinheiro numa pira funerária, provocando direta e ativamente a degradação das condições de vida de milhões de pessoas. Destruição a troco de nada, portanto.

Por outras palavras, a delapidação de recursos eventualmente operada por anteriores governos é discutível, parcial e relativa, ao passo que a promovida por este é inquestionável, total e absoluta.

12,2 mil milhões de euros dariam para muitas aplicações simultâneas ou alternativas para todos os gostos e critérios: um novo aeroporto de Lisboa, uma mão cheia de hospitais e centros de saúde, completa renovação do parque escolar, centros de investigação, formação profissional, recapitalização da segurança social – enfim, uma infinidade de bens coletivos ao serviço do bem-estar das populações e do investimento produtivo.

Todavia, já que, nos tempos que correm, a opinião dominante prefere a qualquer outra eventualidade a pura e simples destruição de recursos, seria de esperar que ao menos ela fosse conduzida com um mínimo de método e grandeza. Desde logo, porquê levá-la a cabo discretamente, longe das vistas do país e do mundo?


Ficou mais pobre o já tão debilitado panorama do debate público nacional…

quarta-feira, 26 de junho de 2013

CELSO FURTADO (2)



Uma ideia simples de cultura, base possível de uma política cultural consequente:
“O essencial da cultura, não esqueçamos, reside em que ela é a resposta aos problemas permanentes do homem. E, neste sentido, o mais importante para nós, que pensamos em cultura, é a capacidade criativa do homem. É aqui que está a ligação com o presente, com a luta pela democratização do país, pelo direito de participar na invenção do próprio futuro.
Criar condições para que a criatividade seja exercida em sua plenitude – eis a essência do que chamamos democracia. Neste momento em que o Brasil se redemocratiza, grande é a responsabilidade deste Ministério, a quem cabe estimular a criatividade a serviço da melhoria da qualidade de vida do conjunto da população”.
Celso Furtado, 1986, Discurso de tomada de posse no Ministério da Cultura, Brasília, fevereiro in Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura, Contraponto, 2012

DECIFRA-ME!

(João Montanaro, http://folha.uol.com.br)

Uma síntese perfeita da questão que emerge desse “Colosso Brasil” em que se vai consolidando a angustiante ideia de um impasse que se instala!

Citemos, muito a propósito, o editorial da “Veja” que traz a data de hoje. Começa assim: “As manifestações de rua da semana passada mostraram de modo inequívoco que estão quebrados os canais de comunicação de imensa porção da sociedade portuguesa com as instituições que deveriam representá-la.” E termina deste modo: “Os brasileiros que estão indo às ruas não admitem mais ser usados como massa de manobra por partidos e políticos profissionais. Alguns exibiram cartazes com dizeres anarquistas, como o que proclamava que ‘o povo unido não precisa de partido’. A primeira reação é lembrar a total inviabilidade de um modelo político em que o poder é exercido diretamente pelas ruas. Isso leva ao caos, e este à miséria moral e económica. Mas, neste momento, o imperativo é ouvir as ruas e esperar que essa energia pura seja canalizada para a construção de instituições mais representativas dos anseios populares legítimos. O erro fatal agora é fechar os ouvidos. É temer o novo.

PORQUE NÃO TE CALAS? (11)


Cardosão em entrevista à última “Sábado”: “Acho que o Porto precisa de um líder. E de um líder que seja mais uma Estrela Polar do que um Rei-Sol. De facto, eu sou a Estrela Polar. (…) Pela liderança que implementa, [Menezes] é um Rei-Sol. Eu não, gosto muito de orientar as pessoas. A Estrela Polar orienta as pessoas à noite, mas permite que toda a gente brilhe.

O rapaz passou-se, não se enxerga ou está a gozar com a malta?

MIRRANDO…



A recente publicação pelo INE das “Estatísticas de População Residente em Portugal” abre oportunidade a quatro bem sintomáticos tipos de considerações:

· a essencial racionalidade dos comportamentos individuais subjacentes à evolução dos números da emigração e da imigração ao longo das duas últimas décadas, muito em linha com as perspetivas que iam sendo antecipadas para a situação económica do País;

· a clara tendência para um novo recrudescimento do fenómeno da emigração portuguesa, muito em linha com os crescentes reflexos da crise no mercado de trabalho e as correspondentes indicações dadas pelo governo passista, tendo quase quintuplicado o número de emigrantes do quinquénio pós-2008 (157 mil) em relação ao quinquénio precedente (33,3 mil);

· a presença de formas de mobilidade geográfica internacional mais compagináveis com um enquadramento europeu dito de liberdade de circulação de pessoas – levando designadamente o INE a identificar, a partir de 2011, a figura do “emigrante temporário” (pessoa que, no período de referência, tendo permanecido no país pelo período contínuo de pelo menos um ano, o deixou, com a intenção de permanecer noutro pais por um período inferior a um ano) – e evidenciando uma saída a esse título de mais de 126 mil pessoas nos últimos dois anos;

· o registo de que, nestes dois anos, abandonaram o País (permanente ou temporariamente) mais de 222 mil pessoas, ou seja, qualquer coisa como 2,9% da população ativa existente, assim autorizando um preocupante exercício de projeção linear segundo o qual o estrito prolongamento desta tendência levará a que apenas sejam precisos mais três anos para que se tenha verificado um êxodo superior a 10% da nossa atual população ativa.

Isto é inaceitável, inacreditável e insustentável mas será que era inevitável, incontornável e inexorável?

terça-feira, 25 de junho de 2013

CELSO FURTADO (1)



Mergulhei nestes dias na segunda leitura do livro Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura de Celso Furtado, com edição recente do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento e organização de sua mulher Rosa Freire d’Aguiar Furtado, que será apresentado em Serralves, na próxima quinta-feira, às 18.30, por esta última e comentário meu. A apresentação surge integrada no Imaterial 2, série de conferências que Artur Castro Neves tem organizado.
Partilharei convosco nos próximos dias alguns excertos dessa obra, em torno dos quais vou construir o meu comentário.
A atualidade dos textos de Celso Furtado é profunda. Comecemos por um excerto datado de 1984, inserido numa conferência de Celso Furtado no I Encontro de Política Cultural, em Belo Horizonte:
(…) A crise que agora aflige o nosso povo não decorre apenas de amplo processo de reajustamento que se opera na economia mundial. Em grande medida, ela é a manifestação antecipada de um impasse que se apresentaria em nossa sociedade, que pretende reproduzir a culturav material do capitalismo mais avançado privando a grande maioria da população de bens e serviços essenciais. Como não é possível evitar que se difundam, de uma ou outra forma, certos padrões de comportamento adotados pelas minorias de altas rendas, surge uma contrafação de sociedade de massas em que se acomodam formas sofisticadas de consumo supérfluo com carências essenciais.
A superação desse impasse, somente a criatividade política impulsada pela vontade coletiva poderá produzi-la. Ora, essa vontade coletiva terá de surgir de um reencontro das lideranças políticas com os valores permanentes de nossa cultura. É aqui que se insere a questão inicial: que somos? Uma reflexão sobre nossa própria identidade terá que ser o ponto de partida do processo de reconstrução que temos pela frente, se desejamos que o desenvolvimento futuro se alimente da criatividade do nosso povo e contribua para a satisfação dos anseios mais legítimos deste. Devemos pensar em desenvolvimento a partir de uma visualização dos fins substantivos que desejamos alcançar e não da lógica dos meios que nos é imposta do exterior. A superação do impasse estrutural que está no fundo de nossa crise somente será lograda se o desenvolvimento futuro conduzir a uma crescente homogeneização de nossa sociedade e abrir espaço à realização das potencialidades de nossa cultura.”
Isto é escrito no contexto de uma sociedade de industrialização dependente e tardia. Mas o que é impressionante é que nos interpela a nós Portugueses e direi também ao Brasil de hoje. Não é espantoso que quase 30 anos passados este texto nos interpele?