segunda-feira, 3 de junho de 2013

TORRENTE


Mais um bom e participado serão, subordinado ao grande tema “Os desafios aos sistemas de representação política na atual ordem mundial”, no âmbito do ciclo “O Imaterial 2” comissariado pelo Artur Castro Neves para a Fundação de Serralves.

Primeiro tivemos uma exposição do ubíquo José Pacheco Pereira (JPP), que à mesma hora comentava na “Quadratura do Círculo” e falava no comício da Aula Magna pela voz de Mário Soares. O mote “A legitimidade eleitoral e o estado de direito face aos acordos inter-soberanos e aos desequilíbrios” serviu de pretexto a uma intervenção de marcada espessura e cujo fio condutor esteve sobretudo orientado para a informação, o esclarecimento e a partilha. Da génese do projeto europeu no final dos anos 40 às suas várias involuções subsequentes, da essência das sociedades democráticas às retóricas do Portugal em que vivemos, da utilização do passado como base às incursões para compreender o presente.

De entre os inúmeros detalhes e pistas para reflexão que foram sendo semeados, sinalizo os seguintes: o gigantismo de um Plano Marshall orientado para impedir o acesso dos comunistas ao poder na Europa, o papel da máfia no sentido de garantir a hegemonia política da democracia cristã italiana, uma União Europeia construída numa lógica de pequenos passos e assente numa base de coesão e o seu posterior desvirtuar pelo acelerador trazido pela reunificação alemã, a enorme conflitualidade que impera no espaço europeu e o obscurantismo esconde, o foco contestatário em Merkel a encobrir um bem mais alargado consenso dominante na sociedade alemã, o caráter terminal da crise europeia atual, o sentido último da democracia (ausência de futuro e saldo geracional), a tardia adesão ao federalismo das elites nacionais e o seu fundamento num estado de necessidade, a denúncia do “economês”, a ideia de compromisso melhor do que a de consenso, a lamentável incapacidade/incompetência para minimizar efeitos da austeridade a partir do tecido social concreto, o programa do Governo como uma espécie de revolução profética destinada a “mudar tudo o que é expandable” (“marxismo ao contrário”), a defesa “maoizante” de que a fragmentação social portuguesa só é resolúvel sob a dominância de fatores endógenos…

Centrada em torno do tema “A institucionalização política e o crescimento económico: novas equações para a política industrial”, a presença de João Confraria (JC) foi também de excelente nível. Acho que acertou na mouche quando destacou que “a fronteira económica deixou de coincidir com a fronteira política”, mas também se pronunciou com propósito sobre assuntos tão diversos como a orientação do Governo à CGD para financiamento das PMEs, a globalização e as suas dimensões nucleares de desagregação das cadeias de valor e comercialização dos serviços, a restrição financeira, a defesa de uma permanência no Euro, a perdição das nossas nacionalizações e privatizações, o capitalismo de Estado, a questão do mar, o sistema fiscal ou o papel do Estado nas instituições europeias.

O moderador, Paulo Trigo Pereira, pontuou o debate com três notas especialmente significativas: uma aplicação ao Portugal de hoje das teses de Marcus Olson (o falecido professor de Maryland consagrado pela sua “lógica da ação coletiva”) em torno de uma “sociedade esclerótica” dominada por grupos de interesses, uma aposta numa não total desagregação europeia e na correspondente relevância de se tentarem soluções europeias, uma incapacidade da sociedade portuguesa para produzir consensos.

A frase da noite? De entre tantas referências possíveis, nomeio três de JPP: num plano mais prosaico mas não menos cheio de conteúdo, a de que “ir ao Ecofin e às reuniões do PPE não é participar na Europa”; num plano mais trágico, a de que “o único fator de dinamismo em Portugal é o empobrecimento”; num plano mais prospetivo, a de que o Tratado Orçamental corresponde ao “condenado a pagar a própria bala”, “o pós-troika é treta” para os “países de programa” e “Portugal está condenado a uma situação de permanente resgate”. Mas seleciono em definitivo a evidência que ele designou por “erro de Cavaco”, a saber: que “duas pessoas com a mesma informação, não chegam necessariamente às mesmas conclusões”.

No fim, pairava uma agradável sensação de enriquecimento pelo debate intelectual e uma péssima sensação de difusa mas intensa preocupação – para o que teremos resposta nos próximos 2 ou 3 anos, como concluiu JC sem ponta de demagogia e nenhuma paciência para disfarces ou subterfúgios…

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