Revi ontem o Quadratura do Círculo da passada
quinta-feira e a sensação que tive é que o debate aí desenvolvido está bloqueado,
aliás um indicador de esgotamento de ideias que ele revelou. O que não deixa de
ser uma alegoria do risco maior em que o país se encontra. Podem dizer-me que o
bloqueio em que a força de debate do programa se deixou apresar tem que ver essencialmente
com o tema “Libertar Portugal da austeridade” do encontro de “indignados”
dinamizado pelo incansável Mário Soares, com o significado político de tal
ajuntamento e sobretudo com a carta-referência de Pacheco Pereira ao referido
encontro da Aula Magna.
Já aqui neste blogue tive o cuidado de referir
que a iniciativa de Soares tem uma dupla apreciação possível, ambas não
necessariamente positivas.
A primeira é a de rejeição dos rumos atuais da
governação, alargando consideravelmente a frente dos que pensam que este não é
o rumo para proporcionar condições de recuperação da economia portuguesa e
sobretudo para alargar e consolidar a incidência dos processos de mudança
estrutural do tecido produtivo português que estavam já a operar em plena crise
de 2008. Sobretudo porque se trata de um rumo assente numa governação que faz tábua
rasa do respeito pelas pessoas e pelas suas condições de vida e transforma os
portugueses em cobaias indefesas de terapias que nem sequer reúnem consenso
entre os seus promotores (oportunisticamente ou não, o FMI começa a
distanciar-se de erros cometidos, deixando Barroso, Rehn e companhia de
calcinhas na mão, poupem-nos dessas situações indecorosas!). A carta de Pacheco
Pereira é uma referência possível para esse consenso alargado. A saída para
este diagnóstico contundente só pode ser uma: não permitir que a governação
persista nesta experimentação, por todos os meios possíveis que a ação política
em ambiente democrático o permita. Se esse corte se faz por eleições
antecipadas ou por novo governo saído da atual composição parlamentar é coisa
que só a dinâmica da inconsistência governamental combinada com a força da
indignação poderá ditar.
Mesmo que se compreenda que, pour cause, Lobo Xavier esteja sobretudo preocupado com a visão dos
observadores internacionais, necessariamente distantes das dificuldades
concretas dos portugueses e com a questão do regresso aos mercados, é um pouco
patética a sua alusão a indicadores que eventualmente mostrem que a situação
está hoje substancialmente melhor do que há dois anos.
Porém, quando se olha para a Aula Magna do ponto
de vista de uma alternativa de governação, sou dos que penso que nada de
concreto resulta de promissor ou de esperança para a construção dessa
alternativa. E nessa base não me custa concordar com Lobo Xavier de que o mote “Libertar Portugal da austeridade” é por
si só a negação da construção de uma alternativa consistente. De facto, o
problema real não é libertar Portugal da austeridade. O problema é combinar
melhor a progressiva consolidação das contas públicas (que exigirá sempre
contenção e novas escolhas para a despesa pública) com a existência de
almofadas sociais compatíveis com a dignidade humana, com uma dimensão aceitável
de mercado interno e com a criação de políticas públicas que continuem a
promover a reafetação do investimento privado e público (veja-se o caso do
caminho de ferro para escoamento de mercadorias) para setores transacionáveis e
de maior intensidade tecnológica e de conhecimento. Sem perder de vista a
necessidade de na União Europeia se lutar por um outro modelo de coordenação de
política macroeconómica e dos desequilíbrios no interior da zona euro, integrando
o comportamento do mercado internacional como variável central de regulação dos
processos de ajustamento.
É aqui que compreendo as preocupações do
governador do Banco de Portugal Carlos Costa. E a sua variável de preocupação é
o atual nível elevado da dívida pública, mesmo dando de barato (o que pode ser
otimismo a mais) que a dívida das famílias e das empresas estará controlada. Com
este nível de dívida, acima dos 120% do PIB, uma de duas: ou se proporcionam
condições para anulação de dívida (como Rogoff e Reinhart têm defendido contra
a corrente dos que utilizaram a sua pesquisa como racionalização da
austeridade) ou a gestão do curto-médio prazo inspirará sempre particulares
cautelas. Admitindo que a dívida portuguesa não se transforma em dívida
insustentável como o FMI começa a classificar a dívida grega, a navegação
desses mares de equilíbrio com a questão social e com a dinamização do
investimento transacionável e tecnologicamente mais intensivo está para além da
(in) competência da governação atual. O problema já não é da vela, mas
claramente do velejador que não revela capacidade de aprendizagem. Procurar
esse velejador não será fácil e Seguro que me perdoe. Mas um ministro que
justifica o bloqueio do investimento com circunstâncias meteorológicas não será
seguramente o velejador de que precisamos. Para além do anedotário nacional estar
mais rico (como o meu colega de blogue bem o denunciou), o problema é mais
grave do que esse imaginário tão rico em Portugal. Exige indignação mais
determinada.
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