Já aqui tenho referido que o debate atual entre
os economistas americanos sobre o conserto possível do sistema financeiro e
sobre a política macroeconómica de combate à crise recessiva e ao diferimento
da recuperação é duro. Aparentemente, os economistas europeus estariam
mergulhados na produção em série de papers
e os americanos mais interessados no debate, designadamente na blogosfera, já
que nenhum outro âmbito de discussão consegue assegurar a mesma vivacidade e face to face das ideias. Mas, na prática
não é assim. Os americanos continuam a saber compatibilizar os dois campos e os
europeus começam a despontar, tardiamente é certo, como o evidencia por exemplo
o VOX EU e o próprio Financial Times.
Bradford DeLong é hoje indiscutivelmente um dos
economistas que mais tem animado, primeiro, o combate à pretensa cientificidade
da ideia de que a austeridade pode ser expansionista e segundo o reconhecimento
de que tudo mudou quando o contexto é de taxas de juro quase nulas e os riscos
de inflação permanecem adormecidos. Sempre, é um facto, com ênfase na economia
americana, o que o não tem impedido de lançar sucessivas bicadas para o lado de
cá do Atlântico. Não podemos esquecer que DeLong, juntamente com Lawrence
Summers, é autor de um dos raros artigos que produz evidências empíricas de
que, no novo contexto macroeconómico, pode valer a pena a expansão fiscal e que
essa expansão pode ser financiável no futuro. Tal artigo precedeu largamente no
tempo o mea culpa dos economistas do
FMI relativo à subavaliação dos multiplicadores do impacto recessivo dos
programas de austeridade.
Ora, DeLong acaba de publicar um longo artigo no Grasping Reality with Both Invisible Hands:
Fair, Balanced, and Reality-Based: A Semi-Daily Journal, projetando-se
retrospetivamente no que a comunidade de macroeconomistas pensava sete anos atrás,
assumindo com grande humildade que poderiam estar errados. O raciocínio
pragmático que ele constrói é muito simples: se há 7 anos lhe perguntassem que
a economia americana e o mundo em geral estariam hoje num grau tal de subaproveitamento
de recursos e de mão-de-obra em particular a probabilidade de o aceitar seria
desprezável.
Esta reflexão prospetiva de DeLong conduz-me,
afetivamente, a um dos meus últimos cursos de Ciclos Económicos e Crises, antes
da disciplina desaparecer (pour cause)
no plano de estudos da formação básica em economia. Recordo-me perfeitamente de
confrontar os alunos desta disciplina de opção com a perigosidade da ideia
então reinante de que o ciclo económico acabara e de que a prevenção de
depressões mais alargadas estava dominada pela política macroeconómica.
Bastaria para isso que os bancos centrais se empenhassem em fixar de modo firme
as expectativas de inflação. O que vinha acompanhado de uma outra ideia, a
necessidade de evitar a todo o custo que o sistema político assumisse de moto
próprio expansões fiscais, a não ser em situações de guerra (sim, em situações
de guerra). Os bancos centrais assegurariam por via da política monetária a
expansão de procura interna que qualquer depressão circunstancial exigisse.
DeLong não hesita em classificar-se a ele próprio: “em termos de política
macroeconómica, há sete anos, era um monetarista ortodoxo e neoliberal”.
Recordo-me ainda que, no fim dos anos 90,
confrontava os alunos na segunda parte da disciplina de Ciclos Económicos e
Crises com a perplexidade das crises asiáticas, de origem cambial, o bath tailandês, que só a longa expansão
da economia americana ainda em curso então evitou que, face aos múltiplos contágios
e à estagnação da economia japonesa, o mundo entrasse numa recessão similar à
de 2007-2008. Na altura, apareciam os primeiros textos explicativos de Krugman
sobre a “armadilha da liquidez” em que a economia japonesa estava mergulhada e
a sua denúncia da loucura que era em ambiente de crise financeira continuar a
manter a plena circulação dos capitais. Esses artigos exploratórios dariam
origem ao The Return of Depression
Economics, que a crise atual haveria de transformar em segunda edição
atualizada. Foi também o tempo do aparecimento dos escritos de Stiglitz
condenando a maneira atabalhoada como o FMI geriu as crises asiáticas. O
desaparecimento do ciclo económico e a sobrevalorização da política monetária
nunca me convenceram. O aparecimento daquelas referências foi na altura um
conforto.
Em meu entender, a ilusão do domínio da depressão
por via do foco na política monetária e na ação consistente dos bancos centrais
impediu que a situação do Japão fosse devidamente estudada. A euforia da
desregulação financeira impediu, por sua vez, que a instabilidade do sistema
financeiro internacional posta a nu pelas crises asiáticas fosse devidamente
compreendida. A desajeitada intervenção do FMI não foi também devidamente
interpretada. Paradoxo dos paradoxos, uma década (incompleta) depois, seria a
economia americana a revelar toda a sua fragilidade provocada pela desregulação
financeira. É por isso que, com a distância do tempo, a grande recessão de
2007-2008, hoje ainda não completamente ultrapassada, será interpretada
articuladamente com as ameaças dos fins da década de 90.
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