As nossas vivências e os nossos quotidianos geram frequentemente em nós ideias ligeiras e preconcebidas sobre factos ou pessoas. Venho hoje confessar que tal era o meu caso em relação a António Bagão Félix (ABF), e isso porque dele me afastavam a maioria dos sinais superficiais de que dispunha – as suas grandes opções políticas, religiosas, societais, empresariais ou futebolísticas, restando apenas a exceção de uma simpática coincidência de datas de nascimento.
Assim foi até que, almoçando com um amigo, este me alertou para o “pensamento” que ABF escolheu para o dia 1º de maio na sua rubrica das quartas-feiras na SIC-N (habitualmente à conversa com Ana Lourenço) e que seguidamente reproduzo.
“Foi um rei que aliás foi canonizado – é o único rei canonizado, S. Luis de França – que, no seculo XIII, no final do século XIII, quase há setecentos e tal anos... É uma história, não se sabe se é uma história se é uma lenda, mas acho que é muito expressiva, muito bonita, neste dia.
E antes de a contar muito rapidamente, o que é que ela significa? Significa que hoje… ela é muito verdadeira, é cada vez mais verdadeira infelizmente. Porque as pessoas têm uma noção do trabalho muito individualista, muito apartada umas das outras, cada um faz o seu trabalho independentemente da visão de conjunto, não há uma ligação entre a parte e o todo, não há muitas vezes um sentido de redistribuição geracional de sabedorias, de experiências, não há digamos que muitas vezes a melhor conjugação entre a ideia do trabalho como direito com o dever de trabalhar. E esta história reflete isso tudo e eu vou contá-la.
Uma história em que o rei, na altura Luis IX de França, em 1294 se a memória não me falha, foi visitar a catedral de Chartres que tinha sido devastada por um incêndio, e portanto estava a ser reconstruída. E foi visitar cada uma das pessoas, artesãos que estavam a trabalhar na igreja. Perguntou a cada um deles o que é que estavam a fazer. Um deles era um carpinteiro, disse que estava a terminar a nave central da igreja. Outro, um pintor, disse que estava a restaurar umas pinturas que tinham sido bastante danificadas pelo fogo. Outro era um escultor que estava a esculpir uma imagem. Outro disse que estava a fazer uma coisa qualquer, mas que estava ali sem vontade nenhuma, estava apenas porque tinha de ganhar o salário mas com grande sacrifício.
E o rei estava-se já a afastar e a terminar a sua visita e, já junto à saída, deparou com um velho – como se dizia na altura, um velho ancião, isto é, velho mas com sabedoria –, curvado pela idade, curvado pela doença, que estava a varrer as aparas, o lixo que os outros estavam a fazer, o trabalho mais simples e menos qualificado de todos. E o rei olhou para ele, quase que não dava conta dele, e disse ‘e você o que é que está a fazer?’. E o velho olhou para o rei e disse: ‘Majestade, eu estou a fazer uma catedral’.”
Subitamente, e decerto por culpa própria, passei a olhar para ABF de modo diverso, a encará-lo como alguém que – independentemente de tudo o resto, irrelevante para o caso – é um ser pensante...
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