(com desculpas pela terminologia brasileira)
A audição anual do Governador do Banco de
Portugal na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) da
Assembleia da República agitou as hostes, sobretudo as da oposição, suscitando
alguns remoques irónicos (João Galamba) ou de sugestão de que o governador
visaria outros voos (Honório Novo e Bloco). Uma breve pesquisa pelos ecos da
audição na comunicação social situa a intervenção do governador como uma espécie
de respaldo da atuação de Vítor Gaspar. Como não tive oportunidade de ouvir com
pormenor a totalidade da audição e estranhando a “narrativa” que circulou pelos
registos jornalísticos atirei-me à apresentação que ao fim da tarde já constava da página do Banco de Portugal.
A apresentação ainda que não esteja formalmente
dividida em três partes, organiza-se em três grandes domínios: a intervenção do
Banco de Portugal (enquadramento, contas e desafios); uma revisitação dos fatores
que conduziram a economia portuguesa à situação de crise; e o programa de assistência
económica e financeira.
Os dois primeiros temas da audição não me parecem
fator de controvérsia. A atividade do Banco parece bem conduzida e os aspetos
de supervisão e de gestão macroprudencial inspiram confiança. A explicação dos
fatores que conduziram à crise não é a dominante em Portugal, mas tendo a
subscrevê-la, sobretudo com a ênfase na perversa afetação de recursos que a política
económica anterior a 2008 tendeu a favorecer e, por consequência, implicando
desalavancagens pesadas, públicas e privadas. É na terceira dimensão da audição
que está a matéria de controvérsia.
A intervenção de Carlos Costa privilegia
claramente a dimensão dos ajustamentos orçamentais e de desequilíbrio externo e
passa ao de leve pela questão dos custos sociais, não apenas colaterais. Embora
da apresentação não ressalte a metáfora utilizada, CC na audição usa a metáfora
do velejar contra o vento (a evolução adversa da situação económica
internacional) para explicar a dificuldade de cumprimento das metas, mesmo que
o velejador seja de grande qualidade (Gaspar agradece). Ora, esta metáfora não
me convence. O problema não me parece estar apenas no vento que dificulta a
navegação. O problema está também na técnica de navegação, ou seja, designadamente
do erro praticado nas combinações de dose de disciplina e de almofadas sociais
necessárias. Para além disso, o vento era esperado, sobretudo predominando na
União Europeia uma coordenação de política macroeconómica que acentua o tom
recessivo das intervenções nos países (como Portugal) sem margem de manobra
para expansão fiscal. E sobre estas questões CC passa ao de leve, referindo é
um facto o problema da má coordenação da política económica europeia como um
agravamento dos ventos desfavoráveis. Mas conceber um ajustamento desta
envergadura sem integrar o problema europeu, claramente potenciador dos efeitos
recessivos do ajustamento, será apanágio de um bom velejador? Mas será que o
comportamento da receita depende apenas do contexto internacional?
Outra afirmação que não me convenceu foi o da crítica
aos que criticam o não atingir das metas, sugerindo que essa critica se
reconduz no fundo à invocação de mais austeridade. A interpretação é redutora.
Há quem critique essa má pontaria com o argumento da dose errada de
austeridade. O que não é a mesma coisa.
A intervenção de CC está virada para o princípio
da garantia de acesso ao financiamento externo no período pós Troika e daí a
sua referência, que vale a pena estudar, a um programa cautelar. Compreende-se
o foco. A metáfora da vela contra o vento é uma forma de respaldo de Gaspar e
parece-me algo inconsequente, mesmo que para consumo internacional e para demover as
autoridades europeias.
O último slide sobre os desafios para a economia
portuguesa sabe a pouco. A economia portuguesa já não carece apenas de enunciado
de desafios. Precisa de algo mais. Talvez noutro contexto, CC entre nessa questão
decisiva.
Sem comentários:
Enviar um comentário