Ricardo Araújo Pereira (RAP) acaba de receber um prémio da Associação Portuguesa de Escritores pelas suas crónicas da “Visão”. Mas nem por isso se considera um escritor: “Não vejo que o prémio seja uma carta de condução que me habilita ao estatuto de escritor. Esse estatuto não desejo nem procuro. A minha profissão é ser humorista.” Aliás, e cada vez mais claramente, o humorista português mais completo da atualidade.
Mas RAP acumula ao ser também um cidadão atento à coisa pública e nela interveniente com uma enorme lucidez (excluo, obviamente, tudo quanto diga respeito ao futebol, área em que o fanatismo lhe obscurece a clarividência).
Na semana em que recebeu o referido prémio, a sua “Boca do Inferno” reincidia em motivos de inovação. Pelo menos em termos de língua portuguesa e de análise sociológica. No tocante à primeira, RAP cria uma palavra útil, “injustamento”, que assim racionaliza com uma lógica imbatível: “de facto, o ajustamento português é um injustamento, uma vez que gerou muito menos ajustes do que injustiças”. Quanto à segunda, RAP perceciona “uma progressiva passoscoelhização da sociedade portuguesa, sem que a sociologia tenha registado o fenómeno”.
Mas RAP vai mais longe no aprofundamento desta última ideia ao explicar que “o passoscoelhismo trata como fantasiosa a realidade e a realidade como fantasia”. O que ilustra com recurso a dados empíricos, sejam eles “a descontração com que se olha para o desemprego” – porque “quem fica sem uma fantasia, na verdade, não perde grande coisa” – ou as reformas – porque “quem nunca trabalhou não sabe o que significa descontar durante a vida inteira” e “diz aos reformados que as reformas não existem com a mesma indiferença e até com a superioridade de quem informa uma criança de que o pai natal não existe”.
Também apreciei bastante aquele desabafo segundo o qual “eu, pelo menos, anseio pelo programa de comentário político de Pedro Passos Coelho”. Peço mesmo licença para o subscrever com todo o fervor…
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