Este setembro europeu foi quase integralmente dominado pelas eleições na Alemanha, como era aliás previsível e apesar de os resultados serem largamente antecipáveis. Findas as mesmas, abre-se agora uma nova fase, uma fase em que a vencedora vai poder esgrimir os seus verdadeiros e definitivos argumentos. Angela Merkel, uma chefa de uma Europa em desagregação sob comando alemão ou uma estadista alemã numa Europa em busca de uma substantiva forma de existência?
segunda-feira, 30 de setembro de 2013
A VITÓRIA DE MR. DUNPHY
Durante a presente campanha autárquica no Porto, deparei-me com alguma gente jovem – sobretudo aquela que genericamente prefere a programação da “Fox Life” aos canais informativos, desportivos ou cinematográficos – a espantar-se com os cartazes de candidatura de Rui Moreira mais ou menos nestes termos: “olha o mr. Dunphy, o que está ele a fazer nestas eleições?”.
Pois bem, esse homem que se assemelha a um dos protagonistas da conhecida e muito premiada (14 Emmys, p.e.) série americana “Modern Family” (por cá, sempre concisos e rigorosos, resolvemos chamar-lhe “Uma Família Muito Moderna”), Phil Dunphy (Ty Burrell na vida real), é o novo presidente eleito da Câmara Municipal do Porto.
Os comentadores embandeiram em arco com a nova manifestação de heroicidade vinda do “velho burgo”. E mesmo alguns dos mais insuspeitos, como Marinho e Pinto (“Viva o Porto!”) ou Pedro Santos Guerreiro (“A cidade nação”), não lhe regateiam loas. Vejamos a coisa um pouco mais de perto, todavia, já que “nem tudo o que luz é ouro”.
Um: a vitória de Rui Moreira tem mérito pessoal indiscutível, um mérito que advém da sua ambição, da sua vontade e do seu esforço. Dois: a vitória de Rui Moreira tem o mérito político, igualmente indiscutível, que normalmente provem da adoção de um posicionamento estratégico, mesmo quando o mesmo possa ter sido excessivamente orientado para o resultado e assim levado a que tivesse de “dar o dito por não dito” ou de “engolir sapos”. Três: a vitória de Rui Moreira decorre também de uma circunstância de grave crise nacional, muito fortemente impactante nesta região, e do correspondente autismo a propósito evidenciado pelo PSD e pelo seu desajeitado candidato. Quatro: a vitória de Rui Moreira parece mas não é uma consagração do “génio” de Rui Rio, sobretudo porque o balanço dos três mandatos deste é confrangedor para quem conheça minimamente por dentro “o sítio”. Cinco: a vitória de Rui Moreira significa a estrondosa derrota do inenarrável e enquistado aparelho local do PS, corroído pelos interesses pequeninos da pequenina corrupção e pela flagrante incompetência longamente patenteada pela maioria dos dirigentes nacionais originários do Porto. Seis: a vitória de Rui Moreira põe a nu o taticismo sem princípios do CDS/PP, um partido que é inteiramente corresponsável pela governação nacional mas que tanto é capaz de defender as propostas despesistas de coligações com o PSD (Lisboa foi um caso gritante) como de se demarcar das propostas despesistas de outros candidatos escolhidos pelo seu parceiro PSD (Menezes foi outro caso gritante). Sete: a vitória de Rui Moreira representa, quase paradoxalmente, o estertor de uma certa elite portuense que não soube ser atuante e corajosa em tempo próprio e oportuno, procurando agora espernear de qualquer maneira para dar derradeiras provas de vida (e coerência!).
Quereria entretanto acrescentar uma nota de maior autocentramento para confessar humildemente quanto errei nas minhas previsões sobre a matéria em causa. Objetivamente errei ao não ter percebido que havia tropas relevantes no PSD do Porto para além de Marco António, Ricardo Almeida e Virgílio Macedo. Objetivamente errei ao não ter valorizado a dimensão do afastamento político que já atinge as franjas mais pobres e excluídas da população. Objetivamente errei ao não ter compreendido que era ainda importante o peso da esperança numa alternativa de diferença transportado por camadas significativas da classe média e da intelectualidade portuense.
Rui Moreira vai ser presidente da Câmara do Porto, portanto. Com seis vereadores ao seu lado e sete eleitos por listas de partidos (3 do PS, 3 do PSD e 1 da CDU) – quem irá ser a muleta capaz de proporcionar uma estabilidade governativa ao novo executivo e a que preço? Por outro lado, a inteligência, combatividade e capacidade de trabalho do novo edil são augúrios de que dispõe de condições para realizar um bom mandato, o que será tanto mais realidade quanto mais conseguir libertar-se da sombra do seu antecessor em que se quis inicialmente abrigar – uma libertação mais necessariamente assente na ação do que nas palavras e para a qual poderá contar com a ajuda de gente cujo dedo já foi visível na campanha, como os simbólicos Paulo Cunha e Silva e Rui Losa.
Por fim, e para eventual memória futura, aqui deixo um excerto do panfleto premonitório (“Porto, Ganhar e Cumprir”) que esta manhã ainda fui descobrir na minha caixa de correio e em que Rui Moreira vinha solicitar o voto dos portuenses. Com as doze “promessas” que abaixo constam e integram o Bolhão, o Rivoli e Campanhã, mas também as pequenas e médias empresas e o comércio tradicional ou a revitalização dos bairros sociais e um fundo de emergência social. E ainda resta a curiosidade de virmos a saber o que vai acontecer ao circuito da Boavista, ao bairro do Aleixo, ao Palácio de Cristal e a outros dossiês polémicos herdados, com a honrosa exceção da mais que certa celebração institucional do tetra azul-e-branco esperado para maio próximo…
domingo, 29 de setembro de 2013
NOITE DE ELEIÇÕES
Com resultados ainda tão
truncados, não é fácil sistematizar uma reflexão global sobre o que estas eleições
podem significar.
Parece claro, entretanto,
que o PS ganha alguma expressão adicional do ponto de vista nacional e
projeta-se numa maioria mais assumida e de maior ambição futura, não fazendo
tremer Seguro, embora a grande generalidade dos jornalistas tentasse arrancar
alguma prova de debilidade. É também ponto assente que sobretudo no Alentejo a
CDU capitaliza como peixe na água o descontentamento político, mostrando que a
identidade comunista de muitos territórios alentejanos permanece.
A perda por parte do PS de
alguns dos seus bastiões exige uma explicação mais aprofundada. Tais resultados
mostram que a radicalização de Seguro em torno dos problemas nacionais não
funcionou por toda a parte e que a população local terá desejado arrasar
algumas das escolhas de candidatos (Matosinhos será indiscutivelmente o símbolo
dessa rejeição, onde Parada terá perdido a sua própria Junta de Freguesia) ou
terá querido manifestar algum cansaço pela longa presença do PS no comando do
município, não enjeitando o voto na alternativa PSD (Braga é neste caso o
exemplo paradigmático). No caso de Matosinhos ficam dois apontamentos
relevantes: o inenarrável Parada refugiou-se numa tão tonta como enigmática
afirmação (foi o poder e não o povo que ganhou as eleições, o que para um homem
puramente de aparelho é uma delícia); Guilherme Pinto salientou bem o trabalho
social da sua presidente da Assembleia Municipal, a amiga Palmira.
Para o fim ficam Lisboa e
Porto. Na primeira, Costa passeou superioridade reunindo até a condescendência de
Pulido Valente, o que é obra. Helena Roseta teve um bom discurso de vitória,
lançando algumas alfinetadas para os largos do Rato: democracia partidária e democracia
participativa são combináveis e a vitória resultou de um trabalho duro para
inverter os cacos que Santana Lopes deixou, sob a liderança eficiente e
motivadora de Costa. No Porto, tenho de confessar que, como simpatizante
socialista, o discurso algo patético de derrota de Pizarro me incomodou, para não
dizer que me envergonhou. Oh homem!, se Rui Moreira era assim tão bom candidato
então uma de duas, ou se criava à partida uma solução cooperativa para a Cidade
ou então tinha-se focado mais a campanha para contrariar a sua ascensão. Rui
Rio deve ter ouvido com imenso gozo aquele discurso de derrota. Quanto à vitória
de Rui Moreira, se é obra a vitória de um independente apoiado pelo velho PSD e
por isso e pela resistência aos apoios de circunstância do Governo a Meneses
deve ser felicitado, confesso que começo a ficar cansado da reiterada tese de
que no Porto tudo é diferente. Apesar de toda essa diferença, a perda de influência
política da Cidade é notória. Veremos se Rui Moreira tem gabarito suficiente
para finalmente se construir um discurso nacional a partir do Porto.
Ah! a prova de que a
democracia rompe todas as cortinas de poder é que Jardim levou na Madeira com uma derrota
tamanha, vencido no Funchal pela simples concertação de forças políticas adversárias, com
PS e Bloco lá metidos. Uma boa forma de terminar a noite, mesmo sem acesso a
todos os resultados.
APARELHOS GRIPADOS
Uma primeira reação, ainda a quente, a propósito dos resultados já conhecidos das autárquicas de hoje, claramente confirmando que alguma coisa vai muito mal nos grandes partidos políticos portugueses…
A JUSTIÇA COMO BLOQUEIO
Dia eleitoral cá na “terrinha”, uma boa oportunidade para uma nota sobre o Brasil. Só para sublinhar, com a notável ajuda das duas últimas capas da “Veja”, a persistente maleita de que sofre um país que soube reconquistar a liberdade e fazer vingar a democracia mas não consegue vencer a corrupção e o nepotismo.
Como bem evidenciam a história e as histórias associadas ao lamentável e interminável caso do “mensalão”, já aqui algumas vezes abordado a propósito da estranha figura de José Dirceu e agora atravessado pela reabertura do julgamento decidida à tangente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.
Um caso em que a esperança ampliada ou renascida com a chegada de Lula e do PT ao poder tanto redundou em manifestações cidadãs de sinal contrário. Agora, há que desfazer a meada e recomeçar, como diz a canção de Tom Zé: “E como começo de caminho / quero a unimultiplicidade / onde cada homem é sozinho / a casa da humanidade”…
Como bem evidenciam a história e as histórias associadas ao lamentável e interminável caso do “mensalão”, já aqui algumas vezes abordado a propósito da estranha figura de José Dirceu e agora atravessado pela reabertura do julgamento decidida à tangente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.
Um caso em que a esperança ampliada ou renascida com a chegada de Lula e do PT ao poder tanto redundou em manifestações cidadãs de sinal contrário. Agora, há que desfazer a meada e recomeçar, como diz a canção de Tom Zé: “E como começo de caminho / quero a unimultiplicidade / onde cada homem é sozinho / a casa da humanidade”…
MANHÃ DE ELEIÇÕES
Tenho a sorte e o prazer de
viver numa das raras zonas residenciais urbanas de média densidade de Vila Nova
de Gaia, onde o café, a esplanada e a livraria de bairro distam poucos metros
da minha casa e, por sorte acrescida, da renovada Escola António Sérgio onde
voto há já longos anos. Por isso, as manhãs eleitorais trazem a esta zona
residencial uma outra atmosfera e sempre dá para rever gente que já não se
encontra há bastante tempo.
Mas há medida que o tempo
passa e se sucedem os atos eleitorais, fica cada vez evidente o nosso
acantonamento num grupo etário que já votou nas primeiras eleições democráticas
pós 25 de abril. Embora ainda não me possa queixar desse acantonamento, a
verdade é que nas longas filas que percorriam os corredores da António Sérgio o
peso da idade e das bengalas começa a fazer-se sentir e até a tornar mais lento
o processo de preenchimento do voto e do seu depositar na urna preta e singela
que domina a mesa eleitoral. Sempre são três papéis e o número de candidatos
exige atenção para não fazer asneira.
Não pude deixar de refletir
sobre o significado daquele contexto, o confronto entre as instalações
renovadas da António Sérgio e grupo etário dominante ali presente. A Escola é
nitidamente um equipamento de futuro. Maria de Lurdes Rodrigues tinha razão na
sua teimosia. Com todos os excessos que se terão cometido, a verdade é que está
ali um equipamento de nova geração, cuja repercussão no desenvolvimento do país
só produzirá resultados se a geração que ainda não vota e que ali realiza o seu
percurso de formação tenha oportunidade de concretizar a melhoria de oportunidades
em realizações concretas intra-muros e não no estrangeiro e que possa dispor de
professores com a motivação e o profissionalismo necessários para tirar partido
daquela infraestrutura qualificando o ensino. Por muita energia e conhecimento
que o grupo etário votante naquele equipamento possa ainda dar ao processo, já
não estará essencialmente na nossa capacidade de intervenção o poder de
traduzir a qualidade daquela infraestrutura em resultados decisivos para o país.
O contexto parece-me simbólico da encruzilhada em que está o país.
Pelo menos na hora em que
votei, um pouco antes do meio-dia, o ambiente parecia fervilhante e antecipar
uma taxa de votação bastante significativa. Poderá estar eminente no plano
eleitoral algo de semelhante ao que se passou com a manifestação nacional
contra o aborto da TSU, adivinhando-se uma forte penalização da maioria? Ou
poderá na participação acrescida estar presente uma resistência de última hora
do suporte da maioria, alertada em última hora por sondagens preocupantes para
alguns dos seus bastiões? A minha intuição vai para a primeira das hipóteses, embora
isso possa não significar necessariamente uma vitória estrondosa do PS.
Mas, qualquer que seja o
resultado, fica uma manhã eleitoral vivida, apesar de húmida, e isso também faz
parte da nossa vivência urbana e cidadã.
sábado, 28 de setembro de 2013
120 ANOS
Clubismos à parte, é inquestionavelmente grandioso o hoje inaugurado museu do Futebol Clube do Porto. Foi para mim um enorme prazer percorrer vagarosamente aquele espaço internacionalmente incomparável e que muito rapidamente se irá decerto transformar em novo ícone da Cidade. A obra inicial de Joana Vasconcelos – polémicas artísticas também à parte – não deixa de contribuir para a harmonia do todo…
CONFRONTO DE TITÃS NA ÍNDIA
Já vem de longe, como os próprios aliás reconhecem amplamente, o desamor recíproco entre dois dos mais eminentes economistas indianos da atualidade (ambos academicamente baseados nos Estados Unidos da América): de um lado, Amartya Sen (AS), 79 anos, prémio Nobel de 1998 e figura de topo em Harvard (Cambridge, Massachusetts); do outro lado, Jagdish Bhagwati (JB), 79 anos, frequentemente referenciado como possível laureado Nobel (dizem algumas más línguas ser a sua falta o maior espinho que lhe está cravado na garganta) e figura de topo em Columbia (New York).
Pois acontece que se deu a coincidência de, neste Verão, ambos terem publicado livros sobre os caminhos do país natal (os dois em colaboração, Sen com o belga naturalizado indiano Jean Drèze – “An Uncertain Glory: India and its Contradictions” – e Bhagwati com o também compatriota Arvind Panagariya – “Why Growth Matters: How Economic Growth in India Reduced Poverty and the Lessons for Other Developing Countries”) e de a “The Economist” deles ter realizado as naturais recensões. Foi quanto bastou para se voltarem a abrir as hostilidades…
Numa pequena carta ao editor, JB não é meigo. Desde logo, quando refere: “A verdade sobre o assunto é que o senhor Sen aprendeu tardiamente a consagrar palavras ocas ao crescimento, o qual ele há muito vinha denunciando como um fétiche. Ele não advogou explicitamente quaisquer políticas em favor do crescimento, tais como a abertura da Índia ao comércio e ao investimento direto estrangeiro em prática antes ou depois das reformas de 1991. Nem reconhece que uma significativa redistribuição em favor dos pobres sem crescimento não é uma política exequível.” Depois, quando conclui: “afirmar que a redistribuição conduziu a um crescimento rápido na Ásia” significa “pôr a carroça à frente dos bois”.
AS não se ficou, sublinhando que desta vez (“no passado, resisti a responder aos persistentes e unilaterais ataques do senhor Bhagwati”) precisava de corrigir uma “ultrajante distorção” e explicando que a sua perspetiva assenta na centralidade da compreensão de que “o crescimento económico é largamente ajudado por apoio público precoce à educação e à saúde do povo”. Não sem enfatizar o quanto esta “consagração de recursos à remoção do analfabetismo, da doença, da subnutrição e de outras privações”, em combinação com o crescimento económico, “não deve ser confundida com a mera ‘redistribuição’ de rendimentos em que os senhores Bhagwati e Panagariya escolheram concentrar-se”.
A questão é, afinal, clássica e corresponde a uma das principais e insolúveis linhas divisórias entre os teóricos da Economia. O que ela verdadeiramente revela de novo, neste caso concreto e para além dos choques pessoais e de personalidade, é a diferentemente doseada preocupação de ambos com a trajetória económica da Índia nos anos mais recentes (crescimento em desaceleração, moeda em forte queda, crise financeira no horizonte, instabilidades regulatórias e crescentes manifestações de captura do Estado por interesses contraditórios com o favorecimento do bem-estar social e do combate à pobreza) e a partilhada perceção de ambos de que as eleições que se aproximam (2014), e as opções que delas emanem, poderão ser absolutamente decisivas para a clarificação dos caminhos futuros do seu país.
Com efeito, o debate económico de ideias entre AS e JB extravasa claramente essa dimensão e atinge a essência da batalha política em curso entre o governo liderado pelo Partido do Congresso de Rahul Gandhi e o maior partido opositor (o nacionalista hindu Bharatiya Janata), que escolheu o “ministro-chefe” do polémico estado de Gujarat, Narendra Modi, como seu próximo candidato a primeiro-ministro. Sendo que Sen não se eximiu a declarar o seu apoio a uma controversa e orçamentalmente pesada medida governamental (“Food Security Bill”) visando conceder 5 quilos de cereais subsidiados por mês a dois terços da população e sendo ainda que Bhagwati também não prescindiu de referenciar o Gujarat de Modi como “um modelo de crescimento e progresso social”.
Reformas, iniciativa privada, liberalização como condições primeiras de um crescimento sine qua non – defende JB e outros free-marketeers. Estado mais eficiente e focado e mais despesa pública em programas sociais como condições de um crescimento viável e sustentado – defende AS e outros adeptos de uma prioridade ao government-led. É manifesto que o problema está bem distante de ser apenas equivalente ao da galinha e do ovo…
Pois acontece que se deu a coincidência de, neste Verão, ambos terem publicado livros sobre os caminhos do país natal (os dois em colaboração, Sen com o belga naturalizado indiano Jean Drèze – “An Uncertain Glory: India and its Contradictions” – e Bhagwati com o também compatriota Arvind Panagariya – “Why Growth Matters: How Economic Growth in India Reduced Poverty and the Lessons for Other Developing Countries”) e de a “The Economist” deles ter realizado as naturais recensões. Foi quanto bastou para se voltarem a abrir as hostilidades…
Numa pequena carta ao editor, JB não é meigo. Desde logo, quando refere: “A verdade sobre o assunto é que o senhor Sen aprendeu tardiamente a consagrar palavras ocas ao crescimento, o qual ele há muito vinha denunciando como um fétiche. Ele não advogou explicitamente quaisquer políticas em favor do crescimento, tais como a abertura da Índia ao comércio e ao investimento direto estrangeiro em prática antes ou depois das reformas de 1991. Nem reconhece que uma significativa redistribuição em favor dos pobres sem crescimento não é uma política exequível.” Depois, quando conclui: “afirmar que a redistribuição conduziu a um crescimento rápido na Ásia” significa “pôr a carroça à frente dos bois”.
AS não se ficou, sublinhando que desta vez (“no passado, resisti a responder aos persistentes e unilaterais ataques do senhor Bhagwati”) precisava de corrigir uma “ultrajante distorção” e explicando que a sua perspetiva assenta na centralidade da compreensão de que “o crescimento económico é largamente ajudado por apoio público precoce à educação e à saúde do povo”. Não sem enfatizar o quanto esta “consagração de recursos à remoção do analfabetismo, da doença, da subnutrição e de outras privações”, em combinação com o crescimento económico, “não deve ser confundida com a mera ‘redistribuição’ de rendimentos em que os senhores Bhagwati e Panagariya escolheram concentrar-se”.
A questão é, afinal, clássica e corresponde a uma das principais e insolúveis linhas divisórias entre os teóricos da Economia. O que ela verdadeiramente revela de novo, neste caso concreto e para além dos choques pessoais e de personalidade, é a diferentemente doseada preocupação de ambos com a trajetória económica da Índia nos anos mais recentes (crescimento em desaceleração, moeda em forte queda, crise financeira no horizonte, instabilidades regulatórias e crescentes manifestações de captura do Estado por interesses contraditórios com o favorecimento do bem-estar social e do combate à pobreza) e a partilhada perceção de ambos de que as eleições que se aproximam (2014), e as opções que delas emanem, poderão ser absolutamente decisivas para a clarificação dos caminhos futuros do seu país.
Com efeito, o debate económico de ideias entre AS e JB extravasa claramente essa dimensão e atinge a essência da batalha política em curso entre o governo liderado pelo Partido do Congresso de Rahul Gandhi e o maior partido opositor (o nacionalista hindu Bharatiya Janata), que escolheu o “ministro-chefe” do polémico estado de Gujarat, Narendra Modi, como seu próximo candidato a primeiro-ministro. Sendo que Sen não se eximiu a declarar o seu apoio a uma controversa e orçamentalmente pesada medida governamental (“Food Security Bill”) visando conceder 5 quilos de cereais subsidiados por mês a dois terços da população e sendo ainda que Bhagwati também não prescindiu de referenciar o Gujarat de Modi como “um modelo de crescimento e progresso social”.
Reformas, iniciativa privada, liberalização como condições primeiras de um crescimento sine qua non – defende JB e outros free-marketeers. Estado mais eficiente e focado e mais despesa pública em programas sociais como condições de um crescimento viável e sustentado – defende AS e outros adeptos de uma prioridade ao government-led. É manifesto que o problema está bem distante de ser apenas equivalente ao da galinha e do ovo…
sexta-feira, 27 de setembro de 2013
O RURAL NÃO EXISTE
Há dias, o colega Freire de
Sousa lembrou aqui a irreverência de ideias do amigo comum Álvaro Domingues
(AD), apanhado num programa da TSF sobre as autárquicas centrado na temática do
interior.
Por comunicação do próprio, é
bom ficar informado que a Rua da Estrada mereceu honras de representação na X Bienal de Arquitetura de São Paulo, de
cuja presença a já célebre Casa dos Penedos funciona como um símbolo apropriado.
Na sua desconcertante e
irreverente abordagem ao território, o pensamento do AD leva-nos ao sobressalto
saudável e permanente de questionar as categorias tradicionais e sobretudo a
dicotomia rural-urbano, tão surpreendentes se apresentam as interações e as
sobreposições entre tais elementos. O chamado interior ou a baixa densidade
como talvez eufemisticamente alguns de nós o designam representa bem a nossa
incapacidade de compreensão dessa realidade e, consequentemente, a inexistência
de respostas por parte da política pública.
A abordagem ao interior tem
oscilado entre a tentativa de alguns de o considerar o último reduto da pureza
de formas ambientais e do conservacionismo e a sempre ilusória aspiração de que
é possível inverter o caminho inexorável da perda de população consagrando uma
nova agenda de povoamento e de atração de residentes. Pelo meio, há alguns
visionários que pensam que, havendo vontade política para tal, seria possível
programar uma vaga de descentralização administrativa, transportando para o
território interior algumas âncoras de serviços centrais retirados do aconchego
do Terreiro do Paço. A capacidade de investimento público disponível para
concretizar essa perspetiva visionária é hoje extremamente limitada, com a
necessidade de libertar recursos para investimento público suscetível de manter
com a produção de transacionáveis e face à rarefação da margem de manobra
orçamental.
Embora seguindo vias de
reflexão diversas, convirjo com o AD na ideia de que não vale a pena dramatizar
uma realidade estrutural de ciclo longo, que está para durar enquanto estes
territórios não encontrarem uma base produtiva de suporte que substitua o papel
que a agricultura exerceu durante largo tempo. Ora, nos tempos que correm,
talvez com a exceção da economia do vinho, a chamada agricultura competitiva ou
de mercado deixou de manter com o território e com o potencial de uso do solo a
relação de pretensa conformidade que lhe era atribuída. O determinismo das
condições de uso deu lugar ao valor económico das produções e é ele que
determina globalmente os padrões de localização. O interior é hoje marcado por inúmeras
atividades que não relevam da agricultura competitiva, ou seja que numa lógica
estrita de mercado não são viáveis e que existem em função de outras condições,
por exemplo da proximidade a pequenos centros urbanos, capazes de assegurar a
amarração que tais produtos necessitam para se identificarem com uma
marca-território.
Algumas destas atividades
adquirem, por vezes e em termos pontuais, mercados insuspeitados através de
marketing inovador e circuitos informais de distribuição. Criam por essa via a
ilusão de que há uma solução global para todo esse longo e diversificado território.
Mas ela ainda não existe.
SOCORRO! (III)
Irresistível o apelo a uma nova incursão autárquica. Desta vez mais breve e a meio caminho entre a pretendida seriedade da primeira e a assumida ligeireza da segunda.
Porque a mudança persiste em ser uma espécie de palavra mágica para todos os enganos. Aquela mesma palavra oca que Passos, nas eleições legislativas de 2011, tão visivelmente prometia aos portugueses, decerto ainda desinformado quanto aos desmandos que os chefes lhe iam encomendar e inconsciente da transformação espiritual que ele próprio iria sofrer para os fazer cumprir mais convictamente.
As sugestões de mudança autárquica são as mais diversas e para todos os gostos. Ditas da forma mais obcecada/convicta e individualizada – como no caso desse socialista de Viseu ou desse social-democrata de Ponte de Lima – ou da forma mais cool/light e partilhada – como no caso desses independentes da Amadora. Ditas com acompanhamento musical – como no caso desse acordeonista da coligação comunista a Campo – ou com promessas de pendor algo mórbido – como no caso dessa candidatura socialista em Paços de Ferreira ou dessa outra mais à direita em Celorico.
Portugal não pode parar!
Porque a mudança persiste em ser uma espécie de palavra mágica para todos os enganos. Aquela mesma palavra oca que Passos, nas eleições legislativas de 2011, tão visivelmente prometia aos portugueses, decerto ainda desinformado quanto aos desmandos que os chefes lhe iam encomendar e inconsciente da transformação espiritual que ele próprio iria sofrer para os fazer cumprir mais convictamente.
As sugestões de mudança autárquica são as mais diversas e para todos os gostos. Ditas da forma mais obcecada/convicta e individualizada – como no caso desse socialista de Viseu ou desse social-democrata de Ponte de Lima – ou da forma mais cool/light e partilhada – como no caso desses independentes da Amadora. Ditas com acompanhamento musical – como no caso desse acordeonista da coligação comunista a Campo – ou com promessas de pendor algo mórbido – como no caso dessa candidatura socialista em Paços de Ferreira ou dessa outra mais à direita em Celorico.
Portugal não pode parar!
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