segunda-feira, 23 de setembro de 2013

DOIS EM UM EM INGLÊS


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)
 
Constança Cunha e Sá (CCS) é aquela jornalista que, através de um espaço de opinião diário (à semana) na TVI24, nos surge a comentar ao momento as quase sempre infelizes incidências políticas cá da terrinha. Pessoalmente, só dei por ela em “O Independente”, onde chegou a ser diretora-adjunta e diretora, e depois enquanto editora de política da TVI, mas a meu ver a atual CCS está diferente para bastante melhor: mais madura, mais confiante, com mais requinte. Sendo ainda que, apesar de não ser profunda ou rigorosa nos temas mais técnicos, aprecio o esforçado profissionalismo que revela na preparação que deles faz. E que, apesar de lhe reconhecer uma ou outra inconsistência ou fixação, aprecio também a sua independência e a assertividade e contundência com que se exprime. Em suma, CCS é hoje uma pequena pedrada no charco que vai crescentemente vai caraterizando a nossa empobrecida comunicação social.

Defeito meu no acesso à informação, talvez, mas foi por CCS que soube do fim da obrigatoriedade do ensino do Inglês no primeiro ciclo, determinado em julho por um despacho assinado pelo ministro da Educação. Nestes termos: “Eu penso que isto é uma coisa que não faz sentido nenhum. Para além de não se poder andar a mudar a questão da Educação de governo para governo, em que cada ministro tem a sua ideia, agora temos um ministro que tem duas ideias. (…) No meio da balbúrdia da abertura do ano escolar, que foi uma balbúrdia quer o ministro diga que foi normal ou não foi uma balbúrdia – não estou a dizer que nos outros anos anteriores também não tenha sido, mas esta foi: houve professores por colocar, ainda estão mil professores por colocar, ainda estão mil e tal horários por atribuir, houve alunos que não foram colocados nas escolas que deviam, há aulas que estão a ser dadas em contentores, portanto é evidente que foi uma balbúrdia. E o ministro decidiu animar esta balbúrdia, dourar essa balbúrdia, com um anúncio fantástico que é: a partir de agora, no 9º ano, vai haver um exame de Inglês – havia o de Português e de Matemática, e vai haver agora um outro de Inglês em que as escolas fazem e depois cabe às escolas decidir se desse exame contarão ou não com a nota; embora o caminho apontado pelo ministro é que essa nota venha a ser contada, que o resultado do exame venha a contar para a avaliação do aluno. Curiosamente, esse exame é patrocinado por um banco, por uma editora e por uma empresa privada – acho isto extraordinário, mas enfim. (…) Portanto, nós ficamos a achar ‘bem, que este ministro, sim senhora, vai seguir a linha’ (…) E ele avançou nessa altura com a explicação de que queria incentivar o ensino da língua, queria incentivar o acesso dos alunos ao Inglês tendo em conta a globalização, o facto de o Inglês permitir o contacto internacional, etc. Ainda por cima, quando nós já sabemos o estado em que estamos com os nossos melhores quadros que se vão embora; mas mesmo as Faculdades cá dão aulas em Inglês, quer dizer o Inglês hoje em dia é uma daquelas ferramentas essenciais para qualquer pessoa, há muitas Universidades aqui ou Mestrados que são dados em Inglês, ponto, precisamente para atrair também alunos de outros países. Depois, eis senão quando, descobre-se pela calada do Verão, em julho, que o ministro assinou uma coisinha a dizer que o ensino do Inglês deixava de ser obrigatório nas escolas.

Referindo-se à reação de Nuno Crato perante as críticas de que foi alvo – em cinco tiradas, cada qual a mais extraordinária: “tempestade num copo de água”, “o inglês nunca foi obrigatório no primeiro ciclo”, “um progresso”, “é evidente que as decisões têm de ser tomadas pelos próprios” [pais e municípios] e “nós não mexemos no inglês, damos liberdade às escolas para fazerem o que quiserem” –, CCS acrescentou: “E depois temos o ministro a jogar com as palavras, que é isso que irrita profundamente e indigna. Porque vem o ministro e diz: ‘não, o Inglês nunca foi obrigatório, portanto isto é uma forma de eu dar mais autonomia às escolas’. É mentira, vamos lá a ver, vamos chamar as coisas pelos nomes, é mentira. Primeiro, o que o ministro fez foi reduzir para metade as atividades de enriquecimento curricular, ou seja, aquelas atividades extracurriculares que existem nas escolas foram reduzidas para metade, onde estava o Inglês, nalgumas escolas estava o Inglês; os alunos continuam a manter-se na escola até às cinco e meia, mas as atividades foram reduzidas para metade, e entre elas foi reduzido o Inglês. E, portanto, o que o senhor diz é ‘a escola, de acordo com as suas orientações, tem ou não tem Inglês’. É evidente que isto é uma questão de recursos, ele diz que não mas é evidente que é uma questão de recursos. (…) Porque isto cria aqui uma situação – quando o ministro diz que o Inglês não era obrigatório está a confundir duas coisas: o Inglês era obrigatório, todas as escolas tinham obrigação de ter, ou no currículo ou extracurricular, Inglês no 1º Ciclo, todas as escolas tinham que ter; e depois os pais decidiam ou não se o aluno frequentava o Inglês, isso era uma decisão dos pais, as escolas eram obrigadas a fornecer esse bem. A partir de agora, com esta decisão do ministro, as escolas deixaram de ser obrigadas a receber isto. E soube-se agora, os alunos são colocados em escolas que agora estão a avisar os pais que afinal não têm Inglês. Isto cria uma situação caótica. Para além de ser um retrocesso enorme, porque é, é um retrocesso enorme não habituar os miúdos do 1º Ciclo a conviver logo com o Inglês, cria uma desigualdade também muito grande porque chegam ao 5º Ano e temos alunos que não tiveram nunca Inglês, temos alunos que tiveram quatro anos de Inglês e temos alunos em que também há escolas que dão em vários anos – vê lá a confusão que aqui está. Este ministro é o ministro das contradições – quer que o Inglês seja mais forte, tenha uma presença mais forte, mas diminui as aulas de Inglês, diz que há menos alunos mas as turmas aumentaram… Se somares que depois, no 2º Ciclo, as turmas são enormes, já são turmas de 30 alunos que as turmas aumentaram, que têm 9 horas letivas por semana de Inglês e que ele reduziu a carga horária no 3º Ciclo, percebes que, de facto, há aqui um problema e que se desinvestiu numa matéria que era consensual, era consensual, e que tinha sido uma das poucas boas medidas feitas e introduzidas pelo engenheiro Sócrates.

Por fim, CCS arrematou deste modo o assunto: “Agora, isto é um retrocesso brutal e é muito grave que isto esteja a acontecer à escola pública, principalmente se levarmos em linha de conta que – na socapa também, sem qualquer discussão pública, sem qualquer debate público – foi assinado, foi aprovado em Conselho de Ministros uma coisa que leva ao cheque-ensino. E o cheque-ensino, independentemente das ideologias, (…) implica que se subsidie mais as escolas privadas e eu só pergunto uma coisa: de onde é que vem esse dinheiro? Vai haver mais despesa, vai-se criar mais despesa? Ou vai-se tirar esse dinheiro à escola pública? Isso é que o Governo tem que explicar muito bem. Porque, como Passos Coelho diz não podemos viver acima das nossas possibilidades, e eu que eu pergunto é ”esse dinheiro, esse subsídio à escola privada que supostamente o ministro quer aumentar, sai donde? Sai dos contribuintes? Ou sai da escola pública, ficando a escola pública com os restos e depois as escolas privadas com o Inglês, etc. etc.? Porque ele começa com o Inglês e depois acaba com a Música, depois acaba com uma série de coisas.

É só aqui, mesmo no finalzinho, que não concordo com CCS. Porque, ou muito me engano, ou não tarda nada que tenhamos a nossa criançada a cantar de novo aqueles velhos e belos hinos que tanto animaram a infância e a mocidade dos seus avós. Dou uma ajudinha: “A Oeste da Europa / Bem juntinho ao oceano / Fica o nosso Portugal / Lindo torrão lusitano”, sem esquecer que “Temos pela Pátria amor / e esperança no porvir”. Que desgraça!

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