Em tempo de regressos, o
Quadratura do Círculo fez o seu. E aparentemente parecia, à partida, que teríamos
um debate sensaborão, morno, pois os três participantes não davam mostras de
grande entusiasmo.
Mas o desenvolvimento do
programa acabou por suscitar sobretudo um tema que vale a pena aqui destacar,
pois ele identifica bem algumas das escolhas que permanecem abertas na
sociedade portuguesa.
Diga-se, em primeiro lugar,
que sobretudo o tema da primeira matéria do acórdão do Tribunal Constitucional
suscitou um amplo consenso entre Costa, Pereira e Xavier. Praticamente, todos
foram de opinião que se a lei da mobilidade /requalificação não fosse
considerada inconstitucional no que toca à regulação das relações entre
mobilidade e despedimento, teríamos para os trabalhadores do setor público um
regime mais gravoso do que o que vigora para os trabalhadores do setor privado.
Arbitrariedade foi uma palavra muito utilizada. De acordo. É sobretudo
relevante a opinião de Lobo Xavier segundo a qual caberia ao governo
fundamentar a situação de excecionalidade de contexto com que pretenderia justificar
tal legislação. Desde o famigerado suicídio da TSU, o governo tem aderido a uma
narrativa totalmente errática, não sendo por isso ao Tribunal Constitucional (TC)
encontrar uma fundamentação sólida para integrar a excecionalidade da situação
de resgate. Todos malham nessa errática. Manuela Ferreira Leite, ontem na TVI
24, disse o pior que se pode imaginar do Governo nesta matéria, colocando-o
numa situação de bluff quanto ao
impacto orçamental da não aprovação do TC. OU seja, o governo brinca com
impactos não justificados sobre o défice e o alvo de toda estação malhação é
Passos Coelho.
Mas onde o programa traz matéria
de grande relevância para o debate político é na segunda dimensão em análise no
acórdão do TC, o princípio da confiança. Aqui não houve propriamente consenso
porque os intervenientes, sobretudo Pacheco Pereira e Lobo Xavier usaram
perspetivas diferentes para o discutir, o primeiro usando uma abordagem ético-política
e o segundo uma perspetiva mais jurídica.
Pacheco Pereira sublinha
essencialmente que o governo mina sistematicamente a confiança entre os diferentes
corpos sociais e o Estado, mas numa base desigual, eticamente reprovável: corta
pura e simplesmente nuns casos (mundo do trabalho, funcionários públicos,
pensionistas) e negoceia noutros (PPP, SWAP), o que configura um insustentável ataque
diferenciado ao princípio da confiança.
Lobo Xavier, pelo contrário,
coloca-se na perspetiva jurídica e assume que a confiança contratual nas decisões
do Estado assenta numa hierarquia e não numa de identidade de situações. Afirmou
inclusivamente que compromissos assumidos pelo Estado em matéria de contratos
de PPP ou de SWAP localizar-se-iam num nível hierárquico superior ao de compromissos
assumidos em domínios que podem ser alterados por mudança de legislação. Nessa
base, o seu argumento foi o de que a interpretação rigorosa do TC quanto ao
princípio da confiança decorrente das limitações do despedimento de trabalhadores
do setor público tenderia a reforçar o princípio da confiança que deve vigorar
nas PPP ou nos SWAP. O argumento é juridicamente subtil e Lobo Xavier utiliza-o
para criticar a interpretação que considera demasiado rigorosa do princípio da
confiança quando aplicado ao emprego público. A matéria não é pacífica e não
estão aqui em causa argumentos de salvaguarda de interesses de credores
internacionais, que o debate de ontem reconheceu existir mas que foi lateralizado,
pois não é a dimensão mais importante.
A farsa ideológica do “new public management” fez criar a ilusão
de que emprego público e emprego privado são simplesmente postos de trabalho. Essa
ilusão resulta da pretensa homogeneidade do público e do privado. O que não é
verdade. Os interesses e exigências do serviço e dos interesses públicos são próprios
e inconfundíveis, o que não significa que empresas privadas não possam em
condições de regulação adequadas respeitá-los.
Um simples programa em tempo
de “rentrée” e basta para o debate se elevar.
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