sexta-feira, 6 de setembro de 2013

REGRESSOS



Em tempo de regressos, o Quadratura do Círculo fez o seu. E aparentemente parecia, à partida, que teríamos um debate sensaborão, morno, pois os três participantes não davam mostras de grande entusiasmo.
Mas o desenvolvimento do programa acabou por suscitar sobretudo um tema que vale a pena aqui destacar, pois ele identifica bem algumas das escolhas que permanecem abertas na sociedade portuguesa.
Diga-se, em primeiro lugar, que sobretudo o tema da primeira matéria do acórdão do Tribunal Constitucional suscitou um amplo consenso entre Costa, Pereira e Xavier. Praticamente, todos foram de opinião que se a lei da mobilidade /requalificação não fosse considerada inconstitucional no que toca à regulação das relações entre mobilidade e despedimento, teríamos para os trabalhadores do setor público um regime mais gravoso do que o que vigora para os trabalhadores do setor privado. Arbitrariedade foi uma palavra muito utilizada. De acordo. É sobretudo relevante a opinião de Lobo Xavier segundo a qual caberia ao governo fundamentar a situação de excecionalidade de contexto com que pretenderia justificar tal legislação. Desde o famigerado suicídio da TSU, o governo tem aderido a uma narrativa totalmente errática, não sendo por isso ao Tribunal Constitucional (TC) encontrar uma fundamentação sólida para integrar a excecionalidade da situação de resgate. Todos malham nessa errática. Manuela Ferreira Leite, ontem na TVI 24, disse o pior que se pode imaginar do Governo nesta matéria, colocando-o numa situação de bluff quanto ao impacto orçamental da não aprovação do TC. OU seja, o governo brinca com impactos não justificados sobre o défice e o alvo de toda estação malhação é Passos Coelho.
Mas onde o programa traz matéria de grande relevância para o debate político é na segunda dimensão em análise no acórdão do TC, o princípio da confiança. Aqui não houve propriamente consenso porque os intervenientes, sobretudo Pacheco Pereira e Lobo Xavier usaram perspetivas diferentes para o discutir, o primeiro usando uma abordagem ético-política e o segundo uma perspetiva mais jurídica.
Pacheco Pereira sublinha essencialmente que o governo mina sistematicamente a confiança entre os diferentes corpos sociais e o Estado, mas numa base desigual, eticamente reprovável: corta pura e simplesmente nuns casos (mundo do trabalho, funcionários públicos, pensionistas) e negoceia noutros (PPP, SWAP), o que configura um insustentável ataque diferenciado ao princípio da confiança.
Lobo Xavier, pelo contrário, coloca-se na perspetiva jurídica e assume que a confiança contratual nas decisões do Estado assenta numa hierarquia e não numa de identidade de situações. Afirmou inclusivamente que compromissos assumidos pelo Estado em matéria de contratos de PPP ou de SWAP localizar-se-iam num nível hierárquico superior ao de compromissos assumidos em domínios que podem ser alterados por mudança de legislação. Nessa base, o seu argumento foi o de que a interpretação rigorosa do TC quanto ao princípio da confiança decorrente das limitações do despedimento de trabalhadores do setor público tenderia a reforçar o princípio da confiança que deve vigorar nas PPP ou nos SWAP. O argumento é juridicamente subtil e Lobo Xavier utiliza-o para criticar a interpretação que considera demasiado rigorosa do princípio da confiança quando aplicado ao emprego público. A matéria não é pacífica e não estão aqui em causa argumentos de salvaguarda de interesses de credores internacionais, que o debate de ontem reconheceu existir mas que foi lateralizado, pois não é a dimensão mais importante.
A farsa ideológica do “new public management” fez criar a ilusão de que emprego público e emprego privado são simplesmente postos de trabalho. Essa ilusão resulta da pretensa homogeneidade do público e do privado. O que não é verdade. Os interesses e exigências do serviço e dos interesses públicos são próprios e inconfundíveis, o que não significa que empresas privadas não possam em condições de regulação adequadas respeitá-los.
Um simples programa em tempo de “rentrée” e basta para o debate se elevar.

Sem comentários:

Enviar um comentário