Já vem de longe, como os próprios aliás reconhecem amplamente, o desamor recíproco entre dois dos mais eminentes economistas indianos da atualidade (ambos academicamente baseados nos Estados Unidos da América): de um lado, Amartya Sen (AS), 79 anos, prémio Nobel de 1998 e figura de topo em Harvard (Cambridge, Massachusetts); do outro lado, Jagdish Bhagwati (JB), 79 anos, frequentemente referenciado como possível laureado Nobel (dizem algumas más línguas ser a sua falta o maior espinho que lhe está cravado na garganta) e figura de topo em Columbia (New York).
Pois acontece que se deu a coincidência de, neste Verão, ambos terem publicado livros sobre os caminhos do país natal (os dois em colaboração, Sen com o belga naturalizado indiano Jean Drèze – “An Uncertain Glory: India and its Contradictions” – e Bhagwati com o também compatriota Arvind Panagariya – “Why Growth Matters: How Economic Growth in India Reduced Poverty and the Lessons for Other Developing Countries”) e de a “The Economist” deles ter realizado as naturais recensões. Foi quanto bastou para se voltarem a abrir as hostilidades…
Numa pequena carta ao editor, JB não é meigo. Desde logo, quando refere: “A verdade sobre o assunto é que o senhor Sen aprendeu tardiamente a consagrar palavras ocas ao crescimento, o qual ele há muito vinha denunciando como um fétiche. Ele não advogou explicitamente quaisquer políticas em favor do crescimento, tais como a abertura da Índia ao comércio e ao investimento direto estrangeiro em prática antes ou depois das reformas de 1991. Nem reconhece que uma significativa redistribuição em favor dos pobres sem crescimento não é uma política exequível.” Depois, quando conclui: “afirmar que a redistribuição conduziu a um crescimento rápido na Ásia” significa “pôr a carroça à frente dos bois”.
AS não se ficou, sublinhando que desta vez (“no passado, resisti a responder aos persistentes e unilaterais ataques do senhor Bhagwati”) precisava de corrigir uma “ultrajante distorção” e explicando que a sua perspetiva assenta na centralidade da compreensão de que “o crescimento económico é largamente ajudado por apoio público precoce à educação e à saúde do povo”. Não sem enfatizar o quanto esta “consagração de recursos à remoção do analfabetismo, da doença, da subnutrição e de outras privações”, em combinação com o crescimento económico, “não deve ser confundida com a mera ‘redistribuição’ de rendimentos em que os senhores Bhagwati e Panagariya escolheram concentrar-se”.
A questão é, afinal, clássica e corresponde a uma das principais e insolúveis linhas divisórias entre os teóricos da Economia. O que ela verdadeiramente revela de novo, neste caso concreto e para além dos choques pessoais e de personalidade, é a diferentemente doseada preocupação de ambos com a trajetória económica da Índia nos anos mais recentes (crescimento em desaceleração, moeda em forte queda, crise financeira no horizonte, instabilidades regulatórias e crescentes manifestações de captura do Estado por interesses contraditórios com o favorecimento do bem-estar social e do combate à pobreza) e a partilhada perceção de ambos de que as eleições que se aproximam (2014), e as opções que delas emanem, poderão ser absolutamente decisivas para a clarificação dos caminhos futuros do seu país.
Com efeito, o debate económico de ideias entre AS e JB extravasa claramente essa dimensão e atinge a essência da batalha política em curso entre o governo liderado pelo Partido do Congresso de Rahul Gandhi e o maior partido opositor (o nacionalista hindu Bharatiya Janata), que escolheu o “ministro-chefe” do polémico estado de Gujarat, Narendra Modi, como seu próximo candidato a primeiro-ministro. Sendo que Sen não se eximiu a declarar o seu apoio a uma controversa e orçamentalmente pesada medida governamental (“Food Security Bill”) visando conceder 5 quilos de cereais subsidiados por mês a dois terços da população e sendo ainda que Bhagwati também não prescindiu de referenciar o Gujarat de Modi como “um modelo de crescimento e progresso social”.
Reformas, iniciativa privada, liberalização como condições primeiras de um crescimento sine qua non – defende JB e outros free-marketeers. Estado mais eficiente e focado e mais despesa pública em programas sociais como condições de um crescimento viável e sustentado – defende AS e outros adeptos de uma prioridade ao government-led. É manifesto que o problema está bem distante de ser apenas equivalente ao da galinha e do ovo…
Pois acontece que se deu a coincidência de, neste Verão, ambos terem publicado livros sobre os caminhos do país natal (os dois em colaboração, Sen com o belga naturalizado indiano Jean Drèze – “An Uncertain Glory: India and its Contradictions” – e Bhagwati com o também compatriota Arvind Panagariya – “Why Growth Matters: How Economic Growth in India Reduced Poverty and the Lessons for Other Developing Countries”) e de a “The Economist” deles ter realizado as naturais recensões. Foi quanto bastou para se voltarem a abrir as hostilidades…
Numa pequena carta ao editor, JB não é meigo. Desde logo, quando refere: “A verdade sobre o assunto é que o senhor Sen aprendeu tardiamente a consagrar palavras ocas ao crescimento, o qual ele há muito vinha denunciando como um fétiche. Ele não advogou explicitamente quaisquer políticas em favor do crescimento, tais como a abertura da Índia ao comércio e ao investimento direto estrangeiro em prática antes ou depois das reformas de 1991. Nem reconhece que uma significativa redistribuição em favor dos pobres sem crescimento não é uma política exequível.” Depois, quando conclui: “afirmar que a redistribuição conduziu a um crescimento rápido na Ásia” significa “pôr a carroça à frente dos bois”.
AS não se ficou, sublinhando que desta vez (“no passado, resisti a responder aos persistentes e unilaterais ataques do senhor Bhagwati”) precisava de corrigir uma “ultrajante distorção” e explicando que a sua perspetiva assenta na centralidade da compreensão de que “o crescimento económico é largamente ajudado por apoio público precoce à educação e à saúde do povo”. Não sem enfatizar o quanto esta “consagração de recursos à remoção do analfabetismo, da doença, da subnutrição e de outras privações”, em combinação com o crescimento económico, “não deve ser confundida com a mera ‘redistribuição’ de rendimentos em que os senhores Bhagwati e Panagariya escolheram concentrar-se”.
A questão é, afinal, clássica e corresponde a uma das principais e insolúveis linhas divisórias entre os teóricos da Economia. O que ela verdadeiramente revela de novo, neste caso concreto e para além dos choques pessoais e de personalidade, é a diferentemente doseada preocupação de ambos com a trajetória económica da Índia nos anos mais recentes (crescimento em desaceleração, moeda em forte queda, crise financeira no horizonte, instabilidades regulatórias e crescentes manifestações de captura do Estado por interesses contraditórios com o favorecimento do bem-estar social e do combate à pobreza) e a partilhada perceção de ambos de que as eleições que se aproximam (2014), e as opções que delas emanem, poderão ser absolutamente decisivas para a clarificação dos caminhos futuros do seu país.
Com efeito, o debate económico de ideias entre AS e JB extravasa claramente essa dimensão e atinge a essência da batalha política em curso entre o governo liderado pelo Partido do Congresso de Rahul Gandhi e o maior partido opositor (o nacionalista hindu Bharatiya Janata), que escolheu o “ministro-chefe” do polémico estado de Gujarat, Narendra Modi, como seu próximo candidato a primeiro-ministro. Sendo que Sen não se eximiu a declarar o seu apoio a uma controversa e orçamentalmente pesada medida governamental (“Food Security Bill”) visando conceder 5 quilos de cereais subsidiados por mês a dois terços da população e sendo ainda que Bhagwati também não prescindiu de referenciar o Gujarat de Modi como “um modelo de crescimento e progresso social”.
Reformas, iniciativa privada, liberalização como condições primeiras de um crescimento sine qua non – defende JB e outros free-marketeers. Estado mais eficiente e focado e mais despesa pública em programas sociais como condições de um crescimento viável e sustentado – defende AS e outros adeptos de uma prioridade ao government-led. É manifesto que o problema está bem distante de ser apenas equivalente ao da galinha e do ovo…
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