Fui finalmente ver “A Gaiola Dourada”, a obra cinematográfica por cá mais badalada dos últimos meses e uma recordista nacional de espectadores em salas nacionais. Com realização de um lusodescendente de 33 anos, Ruben Alves, produção totalmente financiada com dinheiros franceses e um elenco dividido entre as duas nacionalidades.
O filme nem é só aquela mistura bem lusitana de humor e sentimentos que fez o sucesso da velha “comédia à portuguesa” – embora possa ser em parte por nostalgia disso que as lotações vão esgotando, como bem comprova o facto de os risos acontecerem nas cenas mais óbvias e até menos engraçadas – nem é só aquela comédia baseada numa historieta banal e achincalhante para uma dada vaga de emigração portuguesa que alguns dos nossos intelectuais mais especializados em esoterismo procuraram denunciar.
Seria injusto se aqui afirmasse que o melhor do filme está nos detalhes de natureza quase sociológica. Não que ele não revele o talento fílmico de Ruben Alves ou qualidade interpretativa de diversos atores. Mas sim porque nele abunda a qualidade daquelas pequenas situações que definem um certo modo-de-estar tipicamente português que tanto nos é familiar, daquelas pequenas formas de adaptação tipicamente portuguesas que tanto contribuíram para a integração dos nossos concidadãos emigrados, daqueles pequenos desenrascanços tipicamente portugueses que tanto ajudaram a aligeirar o difícil quotidiano de tantos deles.
Um retrato, pois. Largamente bem conseguido e naturalmente cheio de estereótipos comportamentais, linguísticos e culturais. Que não há como recusar ou procurar disfarçar. Como quando a Maria faz a cama antes de sair do hotel ou apresenta o jantar aos futuros parceiros servido em pratos tapados por campânulas e com comida em pequenas doses; ou como quando o José diz preferir o Peugeot, a que está mais habituado, ao Picasso (que é um modelo da Citroën) ou se preocupa que a viatura de marca que vai comprar seja compatível com um reboque. Sendo que o argumento deliberadamente também não esquece aquele momento em que a senhora francesa e mulher do patrão referencia a nossa ditadura do general Alcazar (leia-se Salazar)!
Tudo visto e considerado, um trabalho muito meritório e prometedor de um jovem que ainda vai seguramente refinar as suas variadas competências artísticas e proporcionar-nos alguns bons motivos de orgulho nacionalista. Vale a pena não perder esta estreia na longa-metragem…
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