quinta-feira, 5 de setembro de 2013

PRECIOSIDADES (18)


Já quase nenhum português quer ouvir ou saber. À exceção da nossa cada vez mais dominante classe de comentadores que, regressada de férias com as baterias recarregadas, se prepara para nos brindar com outro ano de recorrente e circular exibição de toda a sua enciclopédica sapiência.

Na realidade – e se o Passos que desgraçadamente nos calhou em sorte há já mais de dois anos se vinha paulatinamente revelando medíocre, hesitante e impreparado –, o Passos surgido nesta reta final de Verão não para de nos mostrar tais facetas em versão exponenciada. Pretenderá ele que possa ser esse o retrato do seu liderante contributo para o “novo ciclo”?

Pois é, temos um homem novo. Libertado da tutela de Gaspar que, embora condicionante, o obrigava a alguns cuidados na expressão pública da sua ignorância, aliviado pela proteção cavaquista que lhe acabou por garantir o evitar de uma passagem antecipada à reforma política, saloiamente envaidecido pelo lado formal de uma remodelação que fez afinal de Portas o verdadeiro primeiro-ministro, é agora um Passos assumido e quase inchado que nos fala do alto das suas enormes e cada vez mais indisfarçáveis pequenez, boçalidade e incultura (também democrática).

Se tivesse que escolher a frase das frases, teria obrigatoriamente de ir por esta sua inenarrável declaração no encerramento da Universidade de Verão do PSD: “Já alguém se lembrou de perguntar aos mais de 900 mil desempregados no país de que lhes valeu a Constituição até hoje?” Que classe! Que inteligência! Que sensibilidade social! A um tal nível só me vem à cabeça a figurinha daquele velho e trapalhão agente Max, o célebre 86 que nos anos 60 contracenava com a bela 99 na série televisiva “Olho Vivo” (originariamente, “Get Smart”)…


Mas Passos pretende-se prolixo e a sua redescoberta dimensão de estadista incentiva-o a produzir pérolas sempre retumbantes. Veja-se um exemplo:

Nenhum dos acórdãos do Tribunal Constitucional que chumbou medidas importantes para a reforma do Estado encontrou na Constituição um óbice. Não foi por causa da Constituição. Foi por causa da interpretação que os juízes do Tribunal Constitucional fazem da Constituição.
Nós precisamos de reformar o Estado para poder concluir com sucesso o nosso programa de ajustamento. Não é a Constituição que nos impede de fazer isso. É a minha profunda convicção.
Os princípios que até hoje foram invocados para chumbar medidas importantes que o Governo submeteu ao Parlamento, e que foram avaliadas pelo Tribunal Constitucional como lhe compete, foram princípios que qualquer Constituição tem de ter. Qualquer Constituição. O princípio da liberdade, o princípio da equidade, o princípio da proporcionalidade, o princípio da confiança – então mas há alguma Constituição moderna que não tenha estes princípios?
Donde – minha conclusão – não é preciso rever a Constituição para cumprir o programa de ajustamento e para implementar estas medidas – é preciso é bom senso.


É a coerência que define este renascido rapazote: quando tomou o controlo do PSD, Passos defendia a imperiosidade de uma revisão constitucional e até forçou a apresentação de uma controversa e radical proposta coordenada por Paulo Teixeira Pinto. Agora vem considerar a matéria como de puro bom senso interpretativo, apesar de não desconhecer que foi Cavaco a solicitar a fiscalização preventiva de normas do diploma sobre a requalificação de trabalhadores da função pública e que a decisão do Tribunal Constitucional foi tomada por unanimidade.

Por outro lado, Passos gosta de alardear a coragem irresponsável dos inocentes, não evitando ameaças sobre o papão de um segundo resgate (!) e assim não se esquivando de bater com estrondo à porta dos mercados (certamente para que estes não deixem de nos ir prestando a sua sempre amiga atenção). Cito:

 
Se não formos capazes de, nos próximos meses, sinalizar aos nossos credores esta reforma estrutural do Estado que garanta que a despesa baixa de uma forma sustentada, o que acontecerá é que não estaremos em condições de prosseguir o nosso caminho sem mais financiamento, sem um segundo programa que garanta ao País os meios de que ele precisa. Ora, eu tenho dúvidas que um segundo programa não exija do ponto de vista dos nossos credores externos que essas condições sejam garantidas pelo País. E, portanto, eu espero com honestidade que nos possamos evitar esse calvário que seria para Portugal ter de negociar um segundo programa de apoio em que as contrapartidas que os nossos financiadores oficiais exigiriam seriam ainda mais difíceis do que aquelas que nós estamos a enfrentar.

Mas, desgraçadamente, o maior problema ainda poderá estar para vir. Porque um dia este matarruano já cinco vezes chumbado virá revelar aos seus compatriotas que – qual Vasquinho da “Canção de Lisboa” – até também já sabe o que é o “esternocleidomastoideu"!

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