No rescaldo das eleições alemães de domingo, e da tão generalizadamente saudada vitória histórica de Merkel, quero aqui deixar um pequeno exercício complementar que realizei recorrendo ao número de assentos parlamentares obtidos pelos quatro partidos (sendo a CDU/CSU uma coligação pré-eleitoral de dois partidos irmãos) que atingiram o mínimo legal de acesso de 5% dos votos.
Por um lado, para evidenciar a hegemonia (quase 80% dos lugares obtidos) do que seria (ou, mais provavelmente, do que será) uma chamada “grande coligação” entre as duas grandes forças políticas do país, ambas declaradamente “europeístas”, os democratas-cristãos e os social-democratas.
Por outro lado, para fazer notar que um eventual falhanço negocial entre Merkel e o SPD poderia ainda atirar a chanceler para uma tentativa de coligação de segunda escolha, menos abrangente (quase 60% dos lugares obtidos), com os verdes.
Depois, para indicar que a forma mais hábil que Merkel terá de garantir efetiva utilidade a uma coligação com o SPD será a de prescindir dos seus parceiros bávaros da CSU no governo, assim concedendo aos social-democratas um maior peso decisional relativo no futuro executivo.
Por fim, para registar que a matemática eleitoral e a lei vigente determinam a possibilidade teórica de uma quarta hipótese de coligação, integralmente à esquerda (319 assentos contra os 311 obtidos pela coligação de direita). Sendo esta, no entanto, duplamente contranatura (quer perante a vontade manifestada por uma larga maioria em favor da entrega do leme a Merkel quer em face de um contencioso histórico remontando aos tempos da velha RDA e dificultando o relacionamento do SPD com muitos responsáveis do partido à sua esquerda) e, por isso mesmo, praticamente inviável.
E assim nos deparamos com a estabilidade governativa (adicionada de uma crescente relevância atribuída ao culto da personalidade) como um valor que se impõe a quaisquer veleidades de explorar alternativamente a cabal expressão do jogo democrático ou, dito de outro modo, com uma realidade que também nos é por cá familiar: soluções cooperativas à direita, sempre; soluções colaborantes à esquerda, quase nunca…
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