sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O RURAL NÃO EXISTE



Há dias, o colega Freire de Sousa lembrou aqui a irreverência de ideias do amigo comum Álvaro Domingues (AD), apanhado num programa da TSF sobre as autárquicas centrado na temática do interior.
Por comunicação do próprio, é bom ficar informado que a Rua da Estrada mereceu honras de representação na X Bienal de Arquitetura de São Paulo, de cuja presença a já célebre Casa dos Penedos funciona como um símbolo apropriado.
Na sua desconcertante e irreverente abordagem ao território, o pensamento do AD leva-nos ao sobressalto saudável e permanente de questionar as categorias tradicionais e sobretudo a dicotomia rural-urbano, tão surpreendentes se apresentam as interações e as sobreposições entre tais elementos. O chamado interior ou a baixa densidade como talvez eufemisticamente alguns de nós o designam representa bem a nossa incapacidade de compreensão dessa realidade e, consequentemente, a inexistência de respostas por parte da política pública.
A abordagem ao interior tem oscilado entre a tentativa de alguns de o considerar o último reduto da pureza de formas ambientais e do conservacionismo e a sempre ilusória aspiração de que é possível inverter o caminho inexorável da perda de população consagrando uma nova agenda de povoamento e de atração de residentes. Pelo meio, há alguns visionários que pensam que, havendo vontade política para tal, seria possível programar uma vaga de descentralização administrativa, transportando para o território interior algumas âncoras de serviços centrais retirados do aconchego do Terreiro do Paço. A capacidade de investimento público disponível para concretizar essa perspetiva visionária é hoje extremamente limitada, com a necessidade de libertar recursos para investimento público suscetível de manter com a produção de transacionáveis e face à rarefação da margem de manobra orçamental.
Embora seguindo vias de reflexão diversas, convirjo com o AD na ideia de que não vale a pena dramatizar uma realidade estrutural de ciclo longo, que está para durar enquanto estes territórios não encontrarem uma base produtiva de suporte que substitua o papel que a agricultura exerceu durante largo tempo. Ora, nos tempos que correm, talvez com a exceção da economia do vinho, a chamada agricultura competitiva ou de mercado deixou de manter com o território e com o potencial de uso do solo a relação de pretensa conformidade que lhe era atribuída. O determinismo das condições de uso deu lugar ao valor económico das produções e é ele que determina globalmente os padrões de localização. O interior é hoje marcado por inúmeras atividades que não relevam da agricultura competitiva, ou seja que numa lógica estrita de mercado não são viáveis e que existem em função de outras condições, por exemplo da proximidade a pequenos centros urbanos, capazes de assegurar a amarração que tais produtos necessitam para se identificarem com uma marca-território.
Algumas destas atividades adquirem, por vezes e em termos pontuais, mercados insuspeitados através de marketing inovador e circuitos informais de distribuição. Criam por essa via a ilusão de que há uma solução global para todo esse longo e diversificado território. Mas ela ainda não existe.

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