Há dias, o colega Freire de
Sousa lembrou aqui a irreverência de ideias do amigo comum Álvaro Domingues
(AD), apanhado num programa da TSF sobre as autárquicas centrado na temática do
interior.
Por comunicação do próprio, é
bom ficar informado que a Rua da Estrada mereceu honras de representação na X Bienal de Arquitetura de São Paulo, de
cuja presença a já célebre Casa dos Penedos funciona como um símbolo apropriado.
Na sua desconcertante e
irreverente abordagem ao território, o pensamento do AD leva-nos ao sobressalto
saudável e permanente de questionar as categorias tradicionais e sobretudo a
dicotomia rural-urbano, tão surpreendentes se apresentam as interações e as
sobreposições entre tais elementos. O chamado interior ou a baixa densidade
como talvez eufemisticamente alguns de nós o designam representa bem a nossa
incapacidade de compreensão dessa realidade e, consequentemente, a inexistência
de respostas por parte da política pública.
A abordagem ao interior tem
oscilado entre a tentativa de alguns de o considerar o último reduto da pureza
de formas ambientais e do conservacionismo e a sempre ilusória aspiração de que
é possível inverter o caminho inexorável da perda de população consagrando uma
nova agenda de povoamento e de atração de residentes. Pelo meio, há alguns
visionários que pensam que, havendo vontade política para tal, seria possível
programar uma vaga de descentralização administrativa, transportando para o
território interior algumas âncoras de serviços centrais retirados do aconchego
do Terreiro do Paço. A capacidade de investimento público disponível para
concretizar essa perspetiva visionária é hoje extremamente limitada, com a
necessidade de libertar recursos para investimento público suscetível de manter
com a produção de transacionáveis e face à rarefação da margem de manobra
orçamental.
Embora seguindo vias de
reflexão diversas, convirjo com o AD na ideia de que não vale a pena dramatizar
uma realidade estrutural de ciclo longo, que está para durar enquanto estes
territórios não encontrarem uma base produtiva de suporte que substitua o papel
que a agricultura exerceu durante largo tempo. Ora, nos tempos que correm,
talvez com a exceção da economia do vinho, a chamada agricultura competitiva ou
de mercado deixou de manter com o território e com o potencial de uso do solo a
relação de pretensa conformidade que lhe era atribuída. O determinismo das
condições de uso deu lugar ao valor económico das produções e é ele que
determina globalmente os padrões de localização. O interior é hoje marcado por inúmeras
atividades que não relevam da agricultura competitiva, ou seja que numa lógica
estrita de mercado não são viáveis e que existem em função de outras condições,
por exemplo da proximidade a pequenos centros urbanos, capazes de assegurar a
amarração que tais produtos necessitam para se identificarem com uma
marca-território.
Algumas destas atividades
adquirem, por vezes e em termos pontuais, mercados insuspeitados através de
marketing inovador e circuitos informais de distribuição. Criam por essa via a
ilusão de que há uma solução global para todo esse longo e diversificado território.
Mas ela ainda não existe.
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