terça-feira, 3 de setembro de 2013

DISCRIMINAR PELO IRC?


A aproximação das férias e o seu desenrolar impediram-me de fazer referência, em tempo oportuno, a algumas questões decorrentes da apresentação ao Governo do projeto de revisão do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) pela comissão de reforma liderada por António Lobo Xavier. Contudo, e embora tardiamente, não quero deixar de brevemente as explicitar neste espaço, sem prejuízo da óbvia omissão de considerações técnicas aprofundadas para que não estou suficientemente habilitado.

Primeira: os nossos atuais políticos “enchem a boca” com a necessidade de reformas estruturais mas não dão verdadeiros passos organizativos nesse sentido quando se lhes apresenta uma área, como a do sistema fiscal, em que o País tanto carece de uma modernização de conjunto (mais do que de um refrescamento localizado). A última vez em que tal aconteceu foi já em finais da década de oitenta do século passado, com Miguel Cadilhe nas Finanças (coadjuvado por notáveis e competentes contributos de muitos peritos nas matérias, com destaque para o do rigoroso e discreto conhecedor que é Manuel Henrique de Freitas Pereira) a revolucionar toda a estrutura do ineficiente e caduco sistema de então (designadamente em matéria de impostos sobre a despesa e o rendimento, com os impostos de transações, industrial, profissional e complementar a darem lugar aos novos IVA, IRC e IRS).

Segunda: o conturbado e excecional momento que se vive neste protetorado chamado Portugal, acrescido dos violentos sacrifícios que nesse quadro estão a ser infligidos a largas franjas da população, recomendariam talvez um diverso tipo de diálogo e transparência, por forma a que pudessem ser mais compreensíveis e bem aceites (se fosse esse o caso!) as mexidas propostas no sentido da baixa dos impostos sobre os lucros em simultâneo com os enormes aumentos de impostos sobre o trabalho ou com cortes nos salários, nas pensões e outras prestações sociais ou nos domínio da saúde e educação. Para não falar da consensualização político-partidária que uma iniciativa devidamente articulada e trabalhada poderia permitir, constituindo ademais a única maneira verdadeiramente sólida de conceder à reforma a estabilidade temporal que tanto se proclama como desejável e desejada.

Terceira: para dizer o mínimo, não tenho nada claro que exista uma correlação suficientemente significativa entre as atuais taxas portuguesas de IRC e a nossa crescente dificuldade de captação de investimento direto estrangeiro, embora possa reconhecer sem qualquer rebuço o caráter empresarialmente virtuoso de todas as iniciativas que apontem para a simplificação e a previsibilidade, por um lado, e de algumas que signifiquem incentivações bem ponderadas de ordem setorial, dimensional ou regional, por outro.

Quarta: a defesa que a comissão faz da importância para a nossa competitividade fiscal de uma renegociação da dupla tributação internacional com os nossos principais parceiros económicos, bem assim como a incapacidade que a União Europeia tem vindo a demonstrar quer no tocante a uma indispensável harmonização fiscal no contexto da união económica e monetária quer no tocante a mínimos de regulação europeia que garantam concorrências fiscais desleais entre os Estados membros, serão certamente a prova mais cabal de que o problema que nos afeta transcende largamente as nossas fronteiras e a nossa soberania; o que apenas reforça a ideia de que precisamos cada vez menos de “números de circo” dominantemente politiqueiros e carecemos cada vez mais do desenho e da concretização de uma estratégia realista e reivindicativa de participação nas instâncias europeias.

Dito isto – e já que parece irremediável que tenhamos de não executar as coisas como deve ser (“às pinguinhas” em lugar de imbuídos de uma visão de conjunto…), que tenhamos de permanentemente “fazer tábua rasa” de esforços anteriores (procurem lá bem os que se espalham pelas múltiplas gavetas do Ministério…) e que tenhamos de aceitar enviesamentos nem sempre justificáveis (mais pela competitividade do que pela coesão, mais pelo capital do que pelo trabalho, mais pelos grandes do que pelos pequenos…) –, venham então essa redução gradual do IRC para 19% em 2018 (ainda que fiquem fortes dúvidas sobre se não se saldará por excessivamente custosa e demasiado politicamente determinada a estimada perda de 300 milhões de euros para uma redução de dois pontos percentuais já em 2014), essa uniformização das taxas de retenção aplicáveis a não residentes, esses incentivos à internacionalização, esse regime simplificado para as PMEs, essas alterações nos regimes em vigor quanto às SGPS e a diversos benefícios fiscais, esses aperfeiçoamentos do código tendentes a reduzir os níveis de litigiosidade fiscal e todas essas demais medidas que os especialistas entendam justificáveis e praticáveis.

Ainda assim, num país como este em que os grandes grupos económicos não primam pelo “patriotismo fiscal”, não seria também de equacionar a possibilidade de ensaiarmos uma humilde réplica dos nossos congéneres holandeses (chamemos-lhe “holandinha”), preparando as condições permissivas do lançamento de negociações individualizadas, e orientadas numa perspetiva de planeamento a médio prazo, entre os principais acionistas e responsáveis empresariais e uma Administração Fiscal devidamente mandatada e responsabilizada. Isso sim era obra capaz de acrescentar valor de todos os pontos de vista…

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