Hoje termina o mês mais negro (e último?) da carreira política de António Costa (AC). Julgo que importa assinalá-lo mais não seja pelo facto de ter sido ele quem comandou os destinos de Portugal durante o longo período de oito anos que poderiam ter sido, mas de facto não foram, determinantes para afirmar definitivamente o País em múltiplos domínios à escala europeia e internacional e para consolidar sustentadamente um nível condigno de bem-estar para a maioria dos seus cidadãos.
No fecho da sua intervenção na Assembleia da República, AC salientou como aspetos marcantes do seu legado principal a viragem de página relativamente ao terrível período da Troika e a margem de manobra para mais e melhores escolhas públicas que as “contas certas” permitem doravante ao País. E sim, tal é parcialmente verdade em termos formais ou aparentes (literais, diria eu) que não em termos de conteúdo efetivo (reais, diria eu). Primeiro porque se é verdade que a “geringonça” traduziu uma situação de nova respiração face à asfixia que a precedera, não deixa de também o ser que a gestão económico-financeira dos governos de Costa foi marcada pelas consequências nefastas da renovada e indiferenciada sofisticação austeritária que as cativações de Centeno acarretaram. Segundo porque se é muito positivo sair com um excedente nas contas públicas e a dívida pública em queda, designadamente por razões de credibilidade externa e de acalmia dos mercados (o que não é coisa pouca, sublinhe-se!), não deixa de também o ser que tal resultado se fez à custa de contributos e componentes mais conjunturais do que estruturais (do esmagamento do investimento público à inflação para dizer depressa) e à custa de visíveis e crescentes fragilidades observadas em variadas dimensões do nosso titubeante Estado Social. Em síntese: o essencial (as reformas necessárias ou, se quisermos ser menos vulgares, a clarificação de um rumo para o País) poderá ter mesmo ficado por fazer.
Mas há também no balanço negativo de AC uma inconcebível dose de incompetência e incapacidade de gestão política, seja no tocante a dossiês concretos e muito relevantes (da regionalização e descentralização à Administração Pública e aos fundos europeus, apenas para ilustrar) seja no tocante ao período de maioria absoluta em que conseguiu a façanha de construir um governo péssimo (alguns protagonistas chegaram a roçar o grotesco!) e de o ir fazendo cair aos bocados em processos de descontrolo inimagináveis mas sempre considerados pelo “chefe” sob controlo (entre “casos e casinhos” que me dispenso de relembrar detalhadamente, do virtual pavilhão transfronteiriço pago pelo secretário de Estado Adjunto à secretária de Estado do Tesouro indemnizada em 500 mil euros pela TAP, de uma secretária de Estado da Agricultura em funções durante 25 horas a um secretário de Estado da Defesa Nacional que contratara um assessor fantasma aquando da sua liderança de uma empresa pública, das infindáveis trapalhadas no ministério das Infraestruturas, com a não demissão de Galamba e as correspondentes malandrices a imperarem, às misteriosas demissões no ministério da Economia, tudo culminando nas notas guardadas em S. Bento pelo chefe de gabinete e nas suspeitas múltiplas relativas a envolvimentos do “melhor amigo” em quase tudo quanto mexia nos negócios). Um período que conheceu uma sucessão inqualificável de acontecimentos rocambolescos que conduziram à imperdoável perda da oportunidade histórica de uma estabilidade política duradoura em Portugal.
Certo que AC enfrentou momentos difíceis e situações inesperadas, dos terríveis incêndios de 2019 à pandemia (que, apesar de não ter sido bem gerida, foi tão dura quanto reveladora de um voluntarismo meritório) ou aos efeitos da guerra na Ucrânia. Certo, ainda, que AC teve Marcelo à ilharga desde o início, com os tiques mediático-populistas do Presidente a desesperarem qualquer santo e a corroerem em permanência a normalidade da função governativa. Certo, portanto, que AC poderá ter tido algumas razões minimizadoras da sua culpa. Nada que, no entanto, possa impedir-me de aqui dar por encerrado com mágoa o tema António Costa, alguém em quem acreditei com esperança em 2015 e que foi depois capaz, ano após ano, de ir fazendo crescer em mim um profundo grau de desilusão e arrependimento.