sábado, 4 de novembro de 2023

POLÍTICA REGIONAL E CRESCIMENTO ECONÓMICO

 


(Por estranha coincidência, e nada mais do que isso, numa semana em que o nome de Martin Wolf teve na pobre comunicação social portuguesa o destaque que o seu pensamento merece, dois artigos, um do próprio Martin Wolf no seu Financial Times e outro com origem na OCDE, que aqui procuro interrelacionar, vêm procurar repor o interesse da política regional, como elemento indissociável das políticas de crescimento. Tenho para mim, o que me tem provocado algumas inimizades, que a viciada discussão do tema da regionalização em Portugal tem penalizado fortemente o entendimento do alcance da política regional, que com ela não se confunde, enquanto elemento de uma política de crescimento económico. Acresce, o que não é menos importante, que a confusão existente em Portugal entre política regional e Fundos Europeus, pois política regional com recursos próprios nacionais não existe, contribui também fortemente para esse não entendimento. Os dois artigos a que anteriormente me referi vêm repor esse interesse. Como vão muito provavelmente passar despercebidos neste pobre ambiente de debate que nos envolve, aqui está este blogue para dele deixar elementos para memória futura.)

O artigo de Martin Wolf no Financial Times vem ao encontro da minha tese de que o Reino Unido de hoje deve ser essencialmente estudado como modelo de uma má prática de liberalização a todo o custo que os governos de C é ameron e Osborne iniciaram, numa espécie de Troika para consumo interno e para desgraça dos britânicos, e da qual os líderes conservadores que lhes sucederam nunca conseguiram escapar. A todo o momento emerge mais uma manifestação dessa inventiva e ruinosa política económica, não apenas o Brexit, mas uma sequência de más decisões inspiradas simultaneamente por um espírito liberal de trazer por casa e por uma perspetiva arrogante de classe. O desaparecimento da política regional no horizonte da política económica é uma consequência direta dessa onda liberal e conservadora. 


Nunca me esqueci que, numa missão OCDE à Hungria dos anos 90 programada pelo serviço de Desenvolvimento Territorial daquela instituição, em que pude participar, uma das minhas descobertas mais reveladoras foi a agressividade com que a grande maioria das propostas de política regional que a missão realizou foi recebida pela grande maioria das entidades públicas que entrevistámos. A política regional era na altura interpretada por aquelas autoridades como um resquício do regime comunista entretanto derrubado e foi com extrema dificuldade que se conseguiu alertar para a importância da política regional naquele momento de transição da economia húngara. Essa missão deu origem a um OECD Territorial Review dedicado à Hungria publicado pela instituição em 2001.

Por analogia, a onda neoliberal que varreu o Reino Unido teria também de olhar para a política regional como um exemplo de intervencionismo perverso.

O que o artigo de Martin Wolf nos demonstra é a necessidade da política regional dever estar colocada no coração de qualquer estratégia relevante de crescimento económico, devido sobretudo ao cavar de uma profunda desigualdade no Reino Unido na sequência dessa desvalorização ou morte prematura da política regional. Wolf não hesita em classificar estas desigualdades como mais significativas do que as existentes entre as duas Alemanhas, a ocidental e a oriental, e entre o norte e o sul de Itália. As forças do mercado e uma política regional demasiado centralizada e com fraca sensibilidade quanto aos desníveis de produtividade existente no território do Reino Unido fizeram com que a grande região de Londres e do sudeste britânico assumissem a parte de leão na economia britânica. Dir-se-ia que, segundo Wolf, a desindustrialização dos tempos de Margaret Thatcher deu origem a uma enorme concentração de atividade em torno da região de Londres e não à desejada disseminação territorial. Seguro do seu raciocínio, Martin Wolf não hesita em considerar que “a política regional não pode ser encarada como uma coisa à parte, mas no coração de qualquer estratégia de crescimento com significado, que deve ser simultaneamente nacional e regional.

Quanto ao texto da OCDE, ele resulta de uma recomendação do Conselho (ministerial) da OCDE, a qual coloca a questão regional também no coração da política após crise pandémica e crises subsequentes: “As crises recentes não afetaram da mesma forma as regiões dentro dos países. O impacto assimétrico destes choques revelou as vulnerabilidades de algumas regiões. Também evidenciaram o facto de as políticas necessárias para atenuar os choques não poderem ser cegas do ponto de vista espacial, dados os seus impactos territoriais fortemente diferenciados. As crises recentes são também a mais recente demonstração de que ignorar as grandes desigualdades regionais tem custos elevados.”

Toda a recomendação do Conselho da OCDE vai no sentido de operacionalizar a chamada territorialização das políticas públicas, ao serviço de uma política de desenvolvimento regional que é uma política de longo prazo e que também por aí deve estar no coração de qualquer estratégia de crescimento económico.

Sem falsas modéstias, tudo isto me provoca uma sensação estranha de “já visto”. E explico porquê. Creio que em 2009-2010, fui encarregado pela então existente Direção Geral do Desenvolvimento Regional de elaborar um estudo designado de “A territorialização de políticas públicas emPortugal”, enquanto elemento de suporte a uma missão do Territorial Development Survey da OCDE a Portugal. Nessa reflexão, as questões da política de desenvolvimento regional como instrumento de territorialização das políticas públicas em Portugal eram lá perfeitamente demonstradas. O que significa que durante estes anos andamos a trabalhar em seco, a remoer coisas, a dar de comer e beber à inércia e ao medo institucional de avançar. A confusão que existe entre este debate e o da regionalização não é benéfico para fazer avançar este tipo de coisas. Treze anos depois estamos na mesma. E, pessimisticamente, devo dizer que nem Martin Wolf nem a OCDE contribuirão para que a inércia se quebre. Os Fundos Estruturais transformaram-se há muito tempo numa engenharia de preenchimento de gavetas. O que poderia haver implícito de política de desenvolvimento regional esgota-se nos Acordos de Parceria. Depois, é um ver se te avias, na procura da melhor gaveta. Isto não significa que os Fundos não tenham impactos estruturais. Mas admitir que eles nos trouxeram uma política de desenvolvimento regional consequente e consistente para responder aos anseios de Martin Wolf ou do Conselho da OCDE é pura ingenuidade.

Estarei demasiado pessimista? Deve ser do tempo, pois não tenho nem asas nem guelras.

 

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