(Ao contrário do que os mais distraídos poderiam pensar, a social-democracia já não governa a Suécia que continuamos a considerar o modelo mais aproximado da coexistência entre um Estado Social e uma economia ágil e inovadora. A Suécia é hoje governada por uma coligação minoritária de liberais e conservadores, com apoio parlamentar da extrema-direita populista do Partido dos Democratas Suecos, que valeram nas últimas eleições um pouco mais de 20%, com um discurso essencialmente baseado em ideias anti-imigração. O tal acordo parlamentar baseia-se num canal de comunicação direta com liberais e conservadores, pelo que a ideia que a extrema-direita populista ficou à porta da governação tem de ser relativizada. Esta introdução é fundamental para contextualizar a minha ideia vertida para o título deste post, segundo a qual ventos de lucidez continuam a chegar da Suécia, apesar da influência social-democrata ser hoje apenas uma recordação. Esses ventos espraiam-se pelas questões da educação e, como o pretendo demonstrar, as tendências que deles emanam já não podem ser considerados fruto do socialismo à moda da Suécia, mas antes e sempre resultado de uma cultura muito própria de avaliação do que é público e privado e sobretudo de uma perspetiva informada e crítica da inovação pedagógica.)
Ambas as notícias que vou aqui relacionar têm como fonte o Guardian, que considero uma fonte muito respeitável.
A primeira prende-se com uma experiência que começou há alguns anos a ser praticada na Suécia, designada de “Friskolor” ou Escolas Livres, que não é mais do que um modelo em que empresas privadas com objetivos de lucro desenvolvem atividades de educação pública. O assunto interessa obviamente a muitos países que, influenciados pela sempre inovadora Suécia, assumiram também modalidades desse tipo, não se sobrepondo, claro está, a todo o sistema público, mas antes fertilizando-o com a concorrência de outros modelos. Por exemplo, o governo de David Cameron, agora com surpresa regressado a funções governativas no governo de Sunak para exercer funções de ministro dos Negócios Estrangeiros, abriu um número elevado de Escolas Livres, claramente inspirado pela experiência sueca, então ainda social-democrata de raiz. Não tenho a certeza se as experiências portuguesas nesta matéria, com debate aceso quando o Governo do PS começou a dificultar a vida a escolas privadas com financiamento público, foram ou não inspiradas pelo modelo sueco, acredito que o fossem mais a partir da experiência interposta do Reino Unido.
A ministra sueca da pasta, uma liberal Lotta Edholm de sua graça, acaba de disponibilizar elementos e fazer afirmações muito contundentes sobre a bondade do modelo das Escolas Livres. O mundo parece virado do avesso. Uma ministra Liberal de um governo conservador, um pouco manietado pela extrema-direita populista, vem a terreiro dar cabo de uma experiência que interessaria ao ideário que suporta o atual governo, o que colocará a esquerda portuguesa, tão acirrada na defesa da Escola Pública, em estado de exaltação crítica, encantada com a derrocada das Escolas Livres.
Observando o âmbito da questão, a ministra Edholm limitou-se a fazer eco de uma profunda incomodidade que o modelo estaria a gerar na sociedade sueca, com queda acentuada do desempenho escolar, desigualdade crescente e descontentamento crescente entre pais, professores e sindicatos. Estudantes vistos como clientes haveria sempre de provocar alguns engulhos e o que se percebe dos inúmeros comentários publicados é uma profunda desconfiança relativamente ao modelo. Caros defensores da escola privada com financiamento público em Portugal cuidem-se.
A característica das Escolas Livres que parece ter estado mais na mira da investigação promovida pela ministra Edholm centra-se na possibilidade do financiamento público gerar lucros nessas Escolas que não são depois reinvestidos. Ora tendo em conta que, segundo o Guardian, cerca de 15% dos alunos dos 6 aos 16 e 30% dos alunos dos 16 aos 19 anos frequentam Escolas Livres, a situação não é de somenos importância. E no rosário das perversidades claro que a inflação das notas é também uma evidência. Os ingénuos que pensavam que só os Portugueses eram uns malandros nesta manipulação de notas fiquem com este atestado de perversidade privada que os suecos nos oferecem. Não massaja propriamente o ego, mas pelo menos dá para perceber que não somos os patinhos feios do mau comportamento.
A outra notícia é anterior e vem na linha da reconsideração crítica dos rumos da educação digital na Suécia que a mesma Ministra assumiu como prioridade. A Suécia destacara-se na vanguarda da digitalização educativa, praticando retirando de cena o contacto com os livros e a leitura em papel. O governo sueco tinha ficado impressionado com a descida de ranking observada entre 2016 e 2021 no indicador que mede a capacidade de leitura. O Instituto Karolinska, uma escola médica de investigação, abrira as hostilidades afirmando que os dispositivos digitais não favorecem a aprendizagem dos alunos, antes a pode inibir ou pelo menos condicionar. Claro que o período em causa, 2016-2021, integrando o período pandémico não favorece as coisas e pode trazer ruídos incómodos à investigação.
O debate acolhido pelas entidades suecas é revelador dos riscos implicados pela adoção demasiado rápida das ferramentas digitais, sem uma perspetiva de avaliação permanente e sobretudo com a preocupação de não gerar situações irreversíveis de não-retorno. Obviamente, que tudo isto pode ser também interpretado como uma oportunidade dos valores mais tradicionais se aguentarem e, neste caso, com um governo liberal e conservador, potencialmente mais tradicionalista. Daí também a rejeição da tecnologia.
O que me parece é que temos de explorar as vantagens de ser um país “late comer” nestas andanças da digitalização educativa e não comprometer soluções ou caminhos sem retorno sem absorver resultados de investigação credível e consequente. Ninguém negará as vantagens da digitalização do ponto de vista da organização do tempo e da organização pessoal. Mas teremos de manter espírito aberto face ao que ela representa do ponto de vista cognitivo e da aprendizagem. Matérias desta natureza e calibre estiveram ativas na introdução de outras inovações no passado. Uma distância crítica nos primeiros tempos da aplicação da digitalização, sem inibir a experimentação, pode ser uma medida sensata. É verdade que os suecos liberais e conservadores parecem apostados em regressar aos livros e ao papel como instrumentos de aprendizagem. Temos de manter a distância crítica suficiente para o tempo nos esclarecer se é apenas uma oportunidade do tradicionalismo vingar e condicionar o progresso ou se de facto há problemas cognitivos e de aprendizagem que devem ser considerados.
Por isso, liberais ou conservadores, há aqui ventos de lucidez que nos podem ajudar a traçar o nosso caminho de seguidores (followers).
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