(A minha sanidade mental passa nestes tempos por encontrar matérias e motivos de distração, além das exigências do trabalho profissional que felizmente são muitas, que me façam remeter para plano mais do que secundário toda esta mediocridade política e institucional que nos cerca e quase nos asfixia. Obviamente que o futebol enquanto ópio do povo dos tempos modernos oferece um campo inesgotável para essa fuga premeditada, mas o problema é que como qualquer outra atividade também ele não escapa a esse ambiente de mediocridade endémica do qual não temos conseguido libertar-nos. Por estes dias, domingo à noite na catedral da Luz e segunda no pavilhão dos Dragões emergiram bons argumentos para uma das minhas raras incursões pelo universo futebolístico, poucas mas espero que boas, aos quais dedico o post de hoje, nesta minha vã tentativa de atribuir ao que se passa dentro das quatro linhas e fora delas uma reflexão que mitigue a mediocridade.)
As minhas expectativas para o embate de domingo eram penosas. A verdade nua e crua é que o SLB não tem jogado rigorosamente nada e causou dó ver uma equipa de região como a Real Sociedade esmagar com fibra os encarnados, oferecendo na Luz e no mítico Anoeta um banho de bola dos outros tempos, a ponto dos 7-0 de Vigo ter pairado na mente deste adepto sofredor de poltrona. Estão agora a ser evidenciados erros claros de gestão e de condução da equipa após mais uma razia de talentos para encontrar uma sustentabilidade financeira que nunca terá saída airosa, pois se há atividade que vive inequivocamente acima da sua dotação de recursos é o futebol português. Não cabe na cabeça de alguém com um mínimo de testa chegar a esta altura da época e não ter resolvido o problema dos laterais, direito e esquerdo e continuar com o centro do ataque entregue a sucedâneos remotos do talento de Gonçalo Ramos.
A primeira parte do dérbi adensou as minhas mais expectativas mais negras, com mais uma invenção de ocasião, Morato a lateral esquerdo mas finalmente com João Neves no seu devido lugar, e um Sporting bastante mais fluido e organizado e a capitalizar a mais eficaz descoberta de um avançado para os nossos orçamentos, o guerreiro Gyökeres de sua graça. E se Pote, fosse um jogador mais crescidinho e atinado, teríamos acabado a primeira parte a prolongar os danos da Real Sociedade. Mas sabemos que, no Sporting dos últimos anos tudo pode acontecer para desgosto de um irrepreensivelmente competente Rúben Amorim (pode questionar-se a opção por Paulinho e não por Daniel Bragança) e a juventude do impecável Gonçalo Inácio desequilibrou as coisas, com um Schmidt de novo a gozar da sorte divina para esconder a sua própria desorientação. A partir daí estivemos perante o velho paradigma de que os jogadores podem salvar o coiro do treinador (ou levá-lo ao cadafalso) e foram essencialmente duas joias do Seixal (João Neves e António Silva, o último com uma maturidade que impressiona arrastando toda a equipa para o ataque final depois do empate), um tardiamente entrado Gonçalo Guedes, impetuoso, sempre de cabeça baixa e esse é a sua principal limitação, a camisola amarela de Trubin no coração da área do Sporting e o estranho ressurgimento de Dimaria (o contornar de Nuno Santos é sublime) que lançaram a confusão numa aturdida e perturbada equipa do Sporting, que não entendia o que estava a passar-se. Em muitos poucos minutos, os jogadores deram um alento ao treinador que, diga-se, pouco fez para o merecer. Soube bem, mas a sensação é amarga. Os problemas estruturais não estão resolvidos e por isso a todo o momento um outro apagão é possível e não acredito que haja energia para manter a todo o vapor o clima de motivação vivido naqueles dez minutos infernais. Soube bem, repito, mas tudo aponta para que possa correr mal.
No dia seguinte, cá por cima, na atribulada Assembleia Geral, a tensão entre dois sistemas de valores que atravessa o Dragão veio de novo ao de cima, confirmando a minha distanciada visão do modelo de organização do FCP. Nos tempos em que a superioridade futebolística e de modelo do FCP foi evidente, invertendo o centralismo lisboeta nas coisas do futebol, tive oportunidade de em vários aparecimentos públicos, e creio que até o escrevi (já não me recordo onde), ter defendido a tese de que essa superioridade se deveu à eficiência do modelo organizacional e à diluição dos processos e valores menos claros que acompanharam a ascensão de Jorge Nuno Pinto da Costa. Admitia eu então que essa diluição e a afirmação dos valores da excelência organizacional ou conduziria a um Jorge Nuno recauchutado e adaptado a esse novo modelo ou levaria a uma sucessão normal e pacífica. Creio que é altura de reconhecer que me enganei. Essa tensão agravou-se, não se diluiu, não é líquido que um novo Jorge Nuno tenha emergido e a sucessão tem tudo para ser traumática e causar danos.
O que se passou na gorada Assembleia-Geral mostra bem como essa tensão entre as diferentes maneiras de viver o futebol esteve ali presente e como está longe de ser resolvida, colocando creio eu um problema grave de coerência e consciência à inteligência inequívoca que existe pelas bandas do Dragão e que não pode deixar de se pronunciar quanto à tensão que por ali se vive.
Pode parecer estranho que um SLB convicto e sofredor esteja preocupado como o modo como esta tensão venha a ser resolvida. Mas claramente que sou daqueles que não gosta de ver incêndios em casas de adversários. O problema existe também no mundo encarnado e bastaria ver o comportamento de alguns adeptos em San Sebastian para o compreender. Além disso, o modo como essa tensão for resolvida, diluindo e afastando de vez as forças e práticas menos claras, tem uma marcada importância inclusivamente no modelo de afirmação da Região, ela própria também necessitada de afastar sombras negras de um outro modelo de desenvolvimento nas práticas empresariais, na desqualificação, na sobranceria ou na atomização das instituições.
Esta minha reflexão não pode ser confundida com qualquer propósito de saudar o aparecimento de quaisquer personalidades, sejam elas Villas Boas ou outro qualquer. Interessa-me sobretudo saber se a questão organizacional é suficientemente atuante e eficaz em favorecer uma transição para a modernidade e eliminação de vez do arcaico. Só isso me interessa.
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