sábado, 25 de novembro de 2023

ASSIS E BELEZA JUSTIFICAM-SE

 

(Na linha da minha costumeira interpretação mais ou menos bondosa e sem preconceitos dos acontecimentos que nos cercam, estimei que a sucessão de António Costa na liderança do PS pudesse constituir um momento de clarificação ideológica, algo que considero essencial para depois discutir alianças políticas neste contexto tão fragmentado. Admiti que se perfilassem posicionamentos mais institucionais, que na minha ideia cairiam para José Luís Carneiro, ou mais disruptivos e de mudança que se alinhariam com Pedro Nuno Santos. Admiti também que algumas ideias de política futura fossem apresentadas para ajudar a compreender os posicionamentos. Receio que me tenha enganado, a interpretação bondosa e sem preconceitos tem esses riscos. As novas ideias para acompanhar os reposicionamentos têm escasseado e neste deserto de inspirações temos de nos contentar com as curiosidades, esperando talvez ainda bondosamente que tragam consigo novas perspetivas sobre a sobrevivência do socialismo nos tempos que correm. Haverá seguramente outras curiosidades, mas o alinhamento de Francisco Assis e de Álvaro Beleza com PNS, expresso mesmo antes do candidato esboçar que fosse um programa político minimamente articulado são para já as mais importantes. Obviamente que, no âmbito do meu anunciado acompanhamento da sucessão apressada, como a designei em post anterior, essas duas justificações públicas suscitam uma reflexão da minha parte.)

 

A liberdade de posicionamento nos partidos políticos democráticos constitui um património fundamental da democracia, pelo que assiste a Francisco Assis e a Álvaro Beleza todo o direito de confundir os comentadores e alinhar com quem a sua consciência política recomenda.

Mas numa primeira análise das tomadas de posição pública e considerando os restantes alinhamentos (onde é manifesta a divergência entre o posicionamento do aparelho das Federações e das figuras magnas do partido), Assis e Beleza correm o risco de funcionar para a opinião pública como uma espécie de branqueamento moderador e acelerado das posições mais extremadas de PNS. Tudo se passa como se PNS esgrimisse em público as duas figuras e proclamasse: vêm como não sou assim tão radical como a imprensa me pinta, tendo o apoio destas duas figuras?

Essa interpretação seria em meu entender demasiado fácil e até desprestigiosa para ambas as partes, apoiantes e apoiado. Por isso, fui analisar com pormenor adicional as tomadas de posição de Assis e Beleza, a primeira em artigo formal no Público (o que prova que o atual Presidente do Conselho Económico e Social se viu forçado a explicar a surpresa que o seu apoio suscitara, a segunda em resposta a um jornalista. Pelo que pude perceber, não se tratou de ideias profundas ou inovadoras que justificaram tal apoio. Encontrei, isso sim, referências à coragem política, à juventude, à capacidade de rompimento com ideias mais tradicionais, temeridade até. Não é percetível se os posicionamentos de Assis e Beleza tiveram em conta uma perspetiva política de mais largo prazo, ou seja não apenas estar preparado para bater em eleições Luís Montenegro mas para assegurar um futuro promissor ao Partido Socialista nestes tempos conturbados em que a que por nós pensada inabalável de democracia está mais frágil do que nunca.

Não faço a mínima ideia se PNS vai esgrimir com estes argumentos que ressaltam do apoio de Assis e Beleza. Mas se o fizer o contexto é terrível para JLC. Basta pensar que se Assis e Beleza decidiram o apoio em função daqueles atributos, será de estimar que não os encontraram de todo em JLC ou se os encontraram foi em menor grau. O que não é propriamente nada abonatório para JLC, seja na perspetiva do curto prazo e responder nas urnas em março à crise em que o PS se deixou mergulhar, seja na perspetiva do seu futuro político.

Entre os apoiantes de JLC, as tomadas de posição pública têm escasseado e não é fácil reunir argumentos. Por isso, o artigo de José Vieira da Silva, hoje no Público tem algum significado. Mas, numa linha interessante de argumentação, ao contrário de Assis e Beleza, JVS praticamente não investe nas qualidades de JLC, antes o elege em função do que ele pensa serem os desafios do PS: “(…) Um partido de esquerda que fala para a esquerda sem alienar o centro. Que honra a sua memória, mas não se fecha à mudança. Um partido de cidadãos livres. Um partido a quem José Luís Carneiro servirá com competência, lealdade e sentido de Estado. Por isso, o meu voto e o meu apoio.” Mas o artigo de JVS vale a pena ser lido na íntegra, até porque pela primeira vez nele vejo uma interpretação valiosa da geringonça entre muros do próprio PS: “(…) Neste caminho, a rutura que António Costa fez em 2015, com a assinatura de acordos com os partidos da esquerda, teve uma importância fundamental. Tal ajudou a reverter muitas das políticas da direita e conseguir ganhos na recuperação económica, no salário mínimo, nas pensões e políticas sociais. Mas, e alguns esquecem-no frequentemente, esse caminho foi feito em articulação profunda com a redução do défice e da dívida, com a saída da zona de risco financeiro na UE e com a reconstrução de uma credibilidade externa que levou o ministro Mário Centeno à liderança do Eurogrupo.” O que não é despiciendo em termos eleitorais.

Por agora, em matéria de ideias é tudo o que temos. Para já é ainda pouco. Esperemos que outros personagens de pensamento esclarecido venham a terreiro.

 

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