segunda-feira, 27 de novembro de 2023

NO RASTO DA IMIGRAÇÃO

 

                                            (Acontecimentos de Dublin)

(Por toda essa Europa e também por cá, as sociedades democráticas começam a espelhar diferentes manifestações de tensão relativamente ao peso crescente das populações imigradas, transformando-se em passadeiras vermelhas para o aproveitamento mais oportunista e reles da direita xenófoba e reacionária. Os acontecimentos de Dublin mostram-nos uma Irlanda que desconhecíamos, embora algumas séries britânicas já o tenham documentado. A Europa vive num dilema terrível. Não consegue atingir a reprodução simples das suas populações com populações nativas e residentes e começa, paradoxalmente, a reagir a quente a quaisquer irregularidades que tenham a população imigrada como epicentro real ou simplesmente inventado. Continuar a admitir que Portugal será um oásis neste agravamento de tensão europeia, e também americana, em torno das questões da imigração conduzir-nos-á a equívocos perigosos, que também aqui serão obviamente objeto do mais descarado oportunismo político. O tema não se supera com a retórica da imigração regulada e moderada como Montenegro ensaiou no Congresso do PSD. Ele supera-se com clareza política e sobretudo com muita ação concreta, dentro da perspetiva combinada da atração, acolhimento e integração. Os exemplos do Alentejo intensivo e da sobreocupação habitacional que começa a ser cada vez mais frequente e visível nas cidades portuguesa vão de par com a sensação estranha de vermos esses imigrantes a trabalhar no duro, a uberização é um desses domínios, e simultaneamente vermos essas pessoas a comprar no supermercado mini-rações para a sua sobrevivência. )

 

Todas as evidências recolhidas até ao momento mostram que deixar a imigração ao livre arbítrio das forças de mercado é um passo seguro para a entrada em cena das redes de exploração e tráfico humano. Sem os municípios terem compreendido atempadamente que deixar a imigração de fora das suas estratégias locais de habitação e investimento para as concretizar, esse é também o primeiro passo para multiplicar indefinidamente as situações de sobreocupação habitacional e com isso contribuir para mais uma representação distorcida do que significa um mercado de trabalho com população imigrada.

A imagem global de país que é internacionalmente difundida com casos de exploração humana associados à imigração, além de contradizer e destruir valores básicos de humanidade e decência, é contraditória com a pretensão de Portugal se afirmar como um destino de inovação e de convivência urbana. As empresas que necessitarem de força de trabalho imigrada, designadamente em modalidades sazonais, devem ser obrigadas a comunicar essa pretensão e demonstrarem que estão dispostas a realizar investimentos efetivos de cooperação com as autarquias no sentido de proporcionar condições decentes de acolhimento e residência. E do ponto de vista da autorização de investimentos e localizações industriais ou agrícolas de atividades que apresentem uma elevada potencialidade de recorrerem a população imigrada ela não poe deixar de ser mais cuidada e rigorosa. Não é seguramente desse investimento estrangeiro que o país necessita, por muito que isso custe aos municípios apostadas nesses padrões de especialização. As situações de exploração humana como as que têm sido detetadas designadamente no Alentejo devem ser consideradas uma externalidade negativa de forte impacto. Ora, este tipo de externalidades ou devem conduzir à proibição absoluta de instalação ou serem taxadas. A melhor forma de taxação é, para estes casos, a obrigatoriedade de investimentos de acolhimento residenciais, rigorosamente vigiadas por critérios de decência habitacional.

Eis um bom tema para as eleições de 10 de março.

 

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