quarta-feira, 22 de novembro de 2023

OS PROBLEMAS DA DIREITA EM ESPANHA E NÃO SÓ …

 


(O jornalista Cristian Campos assina no El Español, um jornal digital do tipo Observador mas menos ressabiado do que este e sem personalidades com ódio desmesurado à esquerda, uma crónica magnífica de ironia, mas também de análise política profunda, interrogando, provocatoriamente, “quando não estiver Savater quem proferirá os discursos nas manifestações da direita”. Contextualizemos a questão, pois caso contrário dificilmente a subtil ironia poderá ser compreendida.  Fernando Savater é um filósofo espanhol que se notabilizou pela sua luta contra a pressão do nacionalismo violento da ETA no País Basco, tendo sempre mantido uma posição muito coerente de rejeição dos nacionalismos independentistas e sido inclusivamente penalizado pela perseguição de que foi alvo a nível universitário. Não estranhamente, Savater tem aparecido em algumas manifestações da direita espanhola contra a amnistia, entendida como uma espécie de validação dos extremismos independentistas. Se no passado Savater andou perto do PSOE, dada a natureza liberal, no sentido anglo-saxónico, do seu pensamento, a sua presença nas referidas manifestações e a sua palavra nas mesmas, a par da de outros intelectuais, como o economista Féliz Ovejero e o poeta e escritor de León Andrès Trapielo, tem de ser entendida à luz da arriscada posição que o recém-empossado Sánchez assumiu para garantir a investidura. )

 

A ironia da crónica de Campos a que me referi está na sua fina interrogação das razões que levam essas grandes manifestações da direita a assumir como personalidades que proferem os discursos de chamamento gente como Savater, Ovejero ou Trapielo que não têm relações ou compromissos declarados com a direita. A dupla leitura que a proeminente presença destas personalidades nas referidas manifestações representa possibilita traz consigo alguma ironia que o cronista aproveita com profissionalismo.

Uma leitura possível estaria no pisar de linha que o PSOE terá praticado, suscitando novos “aggiornamentos” de pensamento já que segundo alguns estaria em causa o Estado de Direito, validando uma aliança parlamentar que pode por em causa a unidade de Espanha, até porque a célebre inspiração da Espanha das Nações já teve melhores dias. Esse pisar de linha levaria tais personalidades a mudar o seu próprio posicionamento, interessados em manter os princípios constitucionais e a unidade do país. É uma hipótese interpretativa válida.

Mas existe uma outra. A direita estaria neste momento desprovida de nomes e personalidades de estatuto nacional, referentes intelectuais e éticos de liberdade de pensamento, suscetíveis de se fazer ouvir em manifestações deste calibre e com o VOX a pretender disputar o palco com os seus discursos incendiários.

É também uma hipótese interpretativa possível e como o diz Campos talvez isso explique seja hoje Sánchez o presidente do Governo e não Nuñez Feijoo, o que é um argumento demolidor.

Como é óbvio, é impossível dar de caras com uma crónica desta natureza e resistir à tentação de não ensaiar alguma extrapolação, mesmo que moderada, para o caso português.

A pergunta justifica-se: quem teria a direita portuguesa de personalidades disponíveis e de referentes intelectuais e éticos para assumir por cá o papel que Savater, Ovejero ou Trapielo têm assumido nas grandes manifestações da direita espanhola?

Talvez neste momento, no seu silêncio ensurdecedor de crítica contundente, mas construtiva, das práticas do Ministério Público, Rui Rio pudesse ser considerado um desses referentes. Mas o esquecimento e não defesa a que o PSD o tem votado permite alimentar dúvidas quanto a essa possibilidade.

 

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