(Fonte: Cálculos próprios a partir de World Development Indicators database)
(Enquanto se
espera pelos resultados oficiais das eleições angolanas, vai por aí um grande
consenso sobre as necessidades de diversificação da economia angola,
libertando-a da influência asfixiante do petróleo; em meu entender já não há consenso fácil
sobre as vias para conseguir essa diversificação…)
Mais através de conversas
com amigos angolanos do que por via de pesquisa pessoal ou de conhecimento de
terreno (infelizmente nulo), tenho desenvolvido a convicção de que as mudanças
num país como Angola não podem ser percebidas segundo os padrões de tempo e de
duração que são os nossos. É assim que, independentemente dos resultados
oficiais que vierem a estabelecer-se sobre as últimas eleições, penso que a
sociedade angolana e as suas principais forças políticas mais tarde ou mais
cedo farão a sua evolução para modelos mais próximas da democracia (esse
conceito impuro como diria o meu amigo Rui Feijó que acaba de me oferecer,
obrigado e reconhecido, a sua última obra “Democracia – Linhagens &
Configurações de um conceito impuro” editada pela Afrontamento na coleção
História e Ideias).
É nesse contexto que não
posso deixar de sorrir perante o consenso generalizado que de repente emergiu
entre os observadores nacionais (ver o artigo recente do deputado Paulo Trigo
Pereira na sua coluna do Observador, link aqui) e até entre as principais forças políticas
angolanas. Esse consenso anda em torno da absoluta necessidade de
diversificação da economia angolana, libertando-a do padrão dominante de
alocação de recursos que a monoespecialização petrolífera tende a gerar. Não me
interessa muito esse consenso. Interessa-me, isso sim, algumas ideias que
possam fazer o seu caminho focadas no tipo de mudanças e de processos de
transição que é necessário assegurar para possibilitar a ambicionada
diversificação. E seguramente aí haverá menor probabilidade de consensos.
Há cerca de dois anos,
recebi estranhamente (por descortinar razões plausíveis para o justificar) um
pedido de conversa de dois jovens consultores da McKInsey, radicados em Lisboa,
que estariam incumbidos, sob a supervisão de um quadro superior da famosa
consultora, de produzir um relatório sobre as transformações da economia
angolana necessárias à manutenção da sua competitividade futura. O relatório
destinava-se a ser disponibilizado ao então primeiro-Ministro Manuel Vicente.
Na altura, espantou-me
que os jovens consultores não dominassem toda a literatura que a economia do
desenvolvimento produziu sobre os malefícios de uma monoespecialização em
recursos naturais, popularmente conhecida sob a designação de “Dutch Disease” ou “OPEP disease”, também conhecida em certos meios pela “maldição dos
recursos naturais”. Na sua essência, estamos a falar de modelos explicativos de
escala macroeconómica que procuram encontrar razões para a alocação perversa de
recursos que a prodigalidade dos recursos naturais tende a gerar. No fundo,
modelos explicativos para apreender o paradoxo de que a riqueza em recursos
naturais pode não ser passaporte seguro para o desenvolvimento económico
sustentado.
Paulo Trigo Pereira, no
já mencionado artigo no Observador, traz para a reflexão a obra de Acemoglu e
Robinson (“Porque falham as nações?”), querendo com isso concentrar a
explicação nos fatores institucionais e de governação. Em meu modesto entender,
no caso de Angola, a questão institucional e da governação pode ser relevante,
mas se não for combinada com o quadro macroeconómico da especialização
petrolífera corre o risco de nos conduzir a uma explicação truncada.
O caso de Angola é, do
ponto de vista dos malefícios da monoespecialização petrolífera, um caso
interessante de estudo, já que esse perfil de especialização se combina com uma
grande dimensão territorial, o que não é fator despiciendo para situar os
caminhos possíveis de diversificação de uma economia com essas características.
Neste ponto, não posso
deixar de aqui referir que estará prevista, para o mês de setembro que amanhã
desponta, a apresentação em Luanda do livro que o meu amigo José Cerqueira concebeu
sobre a economia angolana, situando-a no atual momento de desequilíbrio
macroeconómico induzido pela quebra de receitas da exploração petrolífera.
Aguardo essa publicação para a poder comentar neste espaço, já que pela leitura
preliminar cujo privilégio me foi concedido estamos perante uma interpretação
totalmente original dos problemas da economia angola.
O modo como as receitas
de exportação petrolíferas se reconvertem em despesas de consumo, investimento
e importações é crucial para compreender os possíveis caminhos de
diversificação de uma economia com as características da angolana. É também
importante reconhecer que uma grande percentagem das receitas petrolíferas
constitui receita pública, pelo que é crucial acompanhar a sua transformação em
despesa pública. Não podemos ainda ignorar que em torno da economia petrolífera
existe hoje em Angola um conjunto de empresas em áreas complementares de
natureza privada, como por exemplo a logística petrolífera.
Este último ponto é
relevante pois corresponde a uma das vias possíveis de diversificação, a
chamada via da petroquímica. A fileira petrolífera alarga-se, vai gerando
processos de transformação de produtos petrolíferos avançando pelos derivados e
gerando a emergência de serviços de valor acrescentado. É uma via possível para
Angola, ela estará já inclusivamente em desenvolvimento, mas para uma economia
com a dimensão territorial de Angola será sempre uma modalidade de
diversificação curta, exigindo alternativas com maior capacidade de extensão e
disseminação territorial.
A diversificação do
mercado interno com incremento da produção nacional, potencialmente destinada
também ao mercado externo, é uma via e aqui o potencial agrícola do país pode
ser imenso. Mas a diversificação encontra obstáculos poderosos, sendo possível
identificar alguns:
- A tentação das importações enquanto houver capacidade para tal é um desses obstáculos;
- A distribuição do rendimento desigualmente exacerbada não só pelo efeito-petróleo, mas também pelas condições em que decorreu a acumulação primitiva de capital, potencia importações e não favorece uma estrutura equilibrada de mercado interno;
- As rendas que tendem a formar-se em torno da economia petrolífera constituem obstáculos poderosos a uma transformação das condições de alocação dos recursos de investimento, já que os detentores e beneficiários dessas rendas pela influência política que exercem podem bloquear os padrões de investimento público indutores de uma diversificação produtiva;
- Uma economia angolana devastada pela guerra exigirá sempre fortes investimentos infraestruturais de recomposição mínima das condições de fluidez de mercado interno para uma economia de tal dimensão, pressionando os canais de alocação de investimento público.
Dois gráficos completam
a reflexão por hoje.
No gráfico que abre o post, o peso da formação bruta de
capital fixo no PIB angolano desceu para valores incompatíveis com um processo
de diversificação.
(Fonte: Cálculos próprios a partir de World Development Indicators database)
O comportamento do peso
das exportações no PIB (praticamente reduzida ás exportações de petróleo)
evidencia bem os constrangimentos da economia angolana nos dois últimos anos.