quinta-feira, 31 de agosto de 2017

ANGOLA (1)

(Fonte: Cálculos próprios a partir de World Development Indicators database)


(Enquanto se espera pelos resultados oficiais das eleições angolanas, vai por aí um grande consenso sobre as necessidades de diversificação da economia angola, libertando-a da influência asfixiante do petróleo; em meu entender já não há consenso fácil sobre as vias para conseguir essa diversificação…)

Mais através de conversas com amigos angolanos do que por via de pesquisa pessoal ou de conhecimento de terreno (infelizmente nulo), tenho desenvolvido a convicção de que as mudanças num país como Angola não podem ser percebidas segundo os padrões de tempo e de duração que são os nossos. É assim que, independentemente dos resultados oficiais que vierem a estabelecer-se sobre as últimas eleições, penso que a sociedade angolana e as suas principais forças políticas mais tarde ou mais cedo farão a sua evolução para modelos mais próximas da democracia (esse conceito impuro como diria o meu amigo Rui Feijó que acaba de me oferecer, obrigado e reconhecido, a sua última obra “Democracia – Linhagens & Configurações de um conceito impuro” editada pela Afrontamento na coleção História e Ideias).

É nesse contexto que não posso deixar de sorrir perante o consenso generalizado que de repente emergiu entre os observadores nacionais (ver o artigo recente do deputado Paulo Trigo Pereira na sua coluna do Observador, link aqui) e até entre as principais forças políticas angolanas. Esse consenso anda em torno da absoluta necessidade de diversificação da economia angolana, libertando-a do padrão dominante de alocação de recursos que a monoespecialização petrolífera tende a gerar. Não me interessa muito esse consenso. Interessa-me, isso sim, algumas ideias que possam fazer o seu caminho focadas no tipo de mudanças e de processos de transição que é necessário assegurar para possibilitar a ambicionada diversificação. E seguramente aí haverá menor probabilidade de consensos.

Há cerca de dois anos, recebi estranhamente (por descortinar razões plausíveis para o justificar) um pedido de conversa de dois jovens consultores da McKInsey, radicados em Lisboa, que estariam incumbidos, sob a supervisão de um quadro superior da famosa consultora, de produzir um relatório sobre as transformações da economia angolana necessárias à manutenção da sua competitividade futura. O relatório destinava-se a ser disponibilizado ao então primeiro-Ministro Manuel Vicente.

Na altura, espantou-me que os jovens consultores não dominassem toda a literatura que a economia do desenvolvimento produziu sobre os malefícios de uma monoespecialização em recursos naturais, popularmente conhecida sob a designação de “Dutch Disease” ou “OPEP disease”, também conhecida em certos meios pela “maldição dos recursos naturais”. Na sua essência, estamos a falar de modelos explicativos de escala macroeconómica que procuram encontrar razões para a alocação perversa de recursos que a prodigalidade dos recursos naturais tende a gerar. No fundo, modelos explicativos para apreender o paradoxo de que a riqueza em recursos naturais pode não ser passaporte seguro para o desenvolvimento económico sustentado.

Paulo Trigo Pereira, no já mencionado artigo no Observador, traz para a reflexão a obra de Acemoglu e Robinson (“Porque falham as nações?”), querendo com isso concentrar a explicação nos fatores institucionais e de governação. Em meu modesto entender, no caso de Angola, a questão institucional e da governação pode ser relevante, mas se não for combinada com o quadro macroeconómico da especialização petrolífera corre o risco de nos conduzir a uma explicação truncada.

O caso de Angola é, do ponto de vista dos malefícios da monoespecialização petrolífera, um caso interessante de estudo, já que esse perfil de especialização se combina com uma grande dimensão territorial, o que não é fator despiciendo para situar os caminhos possíveis de diversificação de uma economia com essas características.

Neste ponto, não posso deixar de aqui referir que estará prevista, para o mês de setembro que amanhã desponta, a apresentação em Luanda do livro que o meu amigo José Cerqueira concebeu sobre a economia angolana, situando-a no atual momento de desequilíbrio macroeconómico induzido pela quebra de receitas da exploração petrolífera. Aguardo essa publicação para a poder comentar neste espaço, já que pela leitura preliminar cujo privilégio me foi concedido estamos perante uma interpretação totalmente original dos problemas da economia angola.

O modo como as receitas de exportação petrolíferas se reconvertem em despesas de consumo, investimento e importações é crucial para compreender os possíveis caminhos de diversificação de uma economia com as características da angolana. É também importante reconhecer que uma grande percentagem das receitas petrolíferas constitui receita pública, pelo que é crucial acompanhar a sua transformação em despesa pública. Não podemos ainda ignorar que em torno da economia petrolífera existe hoje em Angola um conjunto de empresas em áreas complementares de natureza privada, como por exemplo a logística petrolífera.

Este último ponto é relevante pois corresponde a uma das vias possíveis de diversificação, a chamada via da petroquímica. A fileira petrolífera alarga-se, vai gerando processos de transformação de produtos petrolíferos avançando pelos derivados e gerando a emergência de serviços de valor acrescentado. É uma via possível para Angola, ela estará já inclusivamente em desenvolvimento, mas para uma economia com a dimensão territorial de Angola será sempre uma modalidade de diversificação curta, exigindo alternativas com maior capacidade de extensão e disseminação territorial.

A diversificação do mercado interno com incremento da produção nacional, potencialmente destinada também ao mercado externo, é uma via e aqui o potencial agrícola do país pode ser imenso. Mas a diversificação encontra obstáculos poderosos, sendo possível identificar alguns:

  • A tentação das importações enquanto houver capacidade para tal é um desses obstáculos;

  • A distribuição do rendimento desigualmente exacerbada não só pelo efeito-petróleo, mas também pelas condições em que decorreu a acumulação primitiva de capital, potencia importações e não favorece uma estrutura equilibrada de mercado interno;

  • As rendas que tendem a formar-se em torno da economia petrolífera constituem obstáculos poderosos a uma transformação das condições de alocação dos recursos de investimento, já que os detentores e beneficiários dessas rendas pela influência política que exercem podem bloquear os padrões de investimento público indutores de uma diversificação produtiva;

  • Uma economia angolana devastada pela guerra exigirá sempre fortes investimentos infraestruturais de recomposição mínima das condições de fluidez de mercado interno para uma economia de tal dimensão, pressionando os canais de alocação de investimento público.

Dois gráficos completam a reflexão por hoje.

No gráfico que abre o post, o peso da formação bruta de capital fixo no PIB angolano desceu para valores incompatíveis com um processo de diversificação.

(Fonte: Cálculos próprios a partir de World Development Indicators database)

O comportamento do peso das exportações no PIB (praticamente reduzida ás exportações de petróleo) evidencia bem os constrangimentos da economia angolana nos dois últimos anos.

FURACÕES AMERICANOS




São incrivelmente assustadoras as imagens que nos chegam do Texas. Afinal, nada mais do que sinais premonitórios e erraticamente cíclicos de um planeta à espera de mais um dilúvio civilizacionalmente destrutivo que há de chegar. E se é incerta e imprevisível a distância temporal que dele nos separa, nenhuma clemência é admissível para com a irresponsável (e interessada) ignorância de um Trump invocando fábulas chinesas a propósito da mudança climática e dançando e cantando (singin’ in the rain) como o velho Gene Kelly em “Serenata à Chuva”...


(Bart van Leeuwen, http://www.cartoonmovement.com)

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

ANÍBAL SAIU DA TOCA




(Vindo pela manhãzinha diretamente da Praia da Coelha, Albufeira, Aníbal, Cavaco para os amigos, chegou a Castelo de Vide destinado a destilar os seus ódios de estimação e de pretenso louvor ao pragmatismo, sem uma palavra de futuro para os jovens PSD, que afinal resolveram construir o seu futuro amanhando-se nas lides partidárias…)

O homem saiu da Praia da Coelha compenetrado no seu discurso, escrito para não ser tentado pelo delírio da improvisação. Tinha a mensagem bem fisgada e não deixou de frisar que se tinha levantado às seis da manhã para mostrar que não brinca em serviço. Defender que a realidade supera sempre a ideologia, encontrando uma forma canhestra, que é afinal a sua especialidade, de zurzir na geringonça que lhe deve ter tirado o sono, mesmo que afirmando que está fora da política e que nunca foi político. É verdade que trouxe o tema da saída do euro, defendida ou admitida pelos parceiros do apoio parlamentar do PS. Mas isso é assunto requentado. Já se sabe que com isso pode o PS bem, já que na complexa e difícil negociação do orçamento ano a ano o assunto do Euro está fora do raio da negociação. Quis ser popular ou engraçado, que funciona sempre mal em tal ADN, com a história do perder o pio e piar mesmo assim. Os Jotões aplaudiram o que é indicador suficiente dos monstrinhos políticos que estão na forja.

Mas a lição tinha outros destinatários. Aníbal descobriu Macron para zurzir Marcelo. E de novo aqui o ADN atraiçoa o personagem. De calções na praia ou em mangas de camisa o homem tem menos à vontade do que Marcelo de smoking ou de fato de gala. Imagino quanto Aníbal, Cavaco para os amigos, estará incomodado com o tom e estilo da Presidência de Marcelo. Pouco faltou para proclamar que Macron é o homem de Estado, Marcelo o fala -barato. Esteve perto e sobretudo o tom com que destilou essas afirmações não engana ninguém. A saída da toca rendeu uns minutos de audiência nos telejornais. Voltará à toca da Coelha talvez reconfortado, regressado a Lisboa com o ego automassajado, mas a verdade é que por mais minuto de ódio destilado nunca conseguirá apagar a presidência mais cinzenta, quezilenta e pindérica de que há memória em democracia.

A GESTAÇÃO DE UMA REPÚBLICA CATALÃ?



Apresentação pela coligação no poder em Barcelona (Junts pel Si) de um projeto de “lei de transição jurídica e de fundação da República” visando uma “desconexão” (até à secessão definitiva no espaço de um ano) em caso de vitória no referendo unilateral em torno da autodeterminação agendado para 1 de outubro próximo. Um passo mais na irreversibilidade da rotura independentista catalã ou apenas uma fuga em frente das forças que a procuram impor? Por um lado, o PSOE modera a sua inflexibilidade perante o PP e as sondagens, continuando a indicar um eleitorado muito dividido, parecem tender a favorecer o “não”; por outro lado, a festa nacional (Diada) não tarda e promete muita gente e forte pressão nas ruas. Daí que o sobreaquecimento político esteja bem à vista nas primeiras páginas dos grandes jornais espanhóis, assim assinalando uma consciência da potencial seriedade dos riscos que embate frontalmente com a taticista passividade de um poder central aflitivamente impotente perante o impasse em presença...

(José Manuel Álvarez Crespo, “Napi”, http://www.eleconomista.es)

(Pepe Farruqo, http://www.eleconomista.es)

(Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es)

(Raquel Marín, http://elpais.com)