(Reflexões estivais,
inspiradas pelo confronto estético entre a canção de Dino Meira e o filme de Miguel
Gomes, marcadas por
impressões de Cidade e da ida em trabalho a Melgaço …)
Não pode haver comparação entre a estética da canção interpretada por Dino
Meira e o filme de Miguel Gomes, que anunciava já uma personalidade diferente e promissora
do cinema português. Mas ambas são genuínas na interpretação do ambiente
diferente que passa pelos territórios com a chegada de agosto, no que ele tem
de cruzamentos de entradas e saídas de pessoas, de diferentes usufruições do
recurso escasso para alguns, as férias.
Até aqui estávamos habituados a uma inversão de dinâmicas entre os territórios
interiores e as principais Cidades, designadamente as aglomerações
metropolitanas. Nos primeiros, agosto traz a ilusão da recuperação de uma dinâmica
e da vivência que lhe está associada. A comunidade emigrante regressa em força,
cada vez mais nas low cost e menos nas fatídicas viagens de longo percurso de
viatura própria. Os territórios animam-se e os municípios concentram
praticamente tudo que é animação urbana nesse período. O comércio local agita-se.
Os velhos recuperam forças com os abraços dos regressados. E em certas
localidades e aldeias, a juventude parece por magia ter regressado. Nos
segundos, a tradição era a recuperação a calma da amenidade da Cidade, embora
aqui e ali perturbada pela canícula. As elites tipo Vasco Pulido Valente,
embora enfrentando mal a canícula para desfrutar da acalmia ocupando a Cidade e
as suas amenidades.
Este contraponto está hoje parcialmente desfeito. Mas não pelo que se passa
nos territórios interiores. Ontem, em Melgaço, em missão de trabalho de planeamento
estratégico para uma reunião com produtores engarrafadores de Alvarinho e das
suas múltiplas combinações, incluindo a moda do espumante, tive oportunidade de
confirmar que a tradição se mantém. A vila parecia rejuvenescida apesar da
temperatura elevada. Sentia-se a dinâmica do regresso a férias da comunidade
emigrada. Mas na Cidade a tradição já não é o que era. O incremento fortíssimo
do turismo ocupou literalmente o espaço dos que saíram para banhos. Hoje, pelas
bandas da Foz para um almoço de trabalho, a percentagem de população turista
era demasiado óbvia para ser ignorada. Na semana passada, em Lisboa, em plena
zonas adjacentes ao Castelo, ou seja em pleno centro histórico, a presença da
população estrangeira era notória, dando aquelas paragens um ar cosmopolita que
me encanta. Imagino que haja externalidades negativas. Nos tempos mais recentes,
passar pela Ribeira do Porto é uma festa de cosmopolitismo, com o agravamento
de ser praticamente impossível encontrar parque de estacionamento livre. O
cosmopolitismo convida a comportamentos de mobilidade mais sustentável, ainda
bem. Com esta inversão, passa a haver um novo trade-off para a elite mais tinhosa: ou aguentar com a classe média
barulhenta durante o ano ou ver-se livre dela (em recuperação de rendimento) em
agosto e adjacentes, mas com a contrapartida de aguentar com as ondas de
turistas. Problema deles, com saída para turismo sofisticado ou usufruto do
fresco das suas casas e mansões.
As Cidades e os territórios estão sujeitos a estes biorritmos com flutuações
associadas. Faz parte do não isolamento no mundo. Bem preferível ao fechamento
sobre nós próprios, curtindo a acalmia resignada.
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