sexta-feira, 4 de agosto de 2017

MEU (AQUELE) QUERIDO MÊS DE AGOSTO




(Reflexões estivais, inspiradas pelo confronto estético entre a canção de Dino Meira e o filme de Miguel Gomes, marcadas por impressões de Cidade e da ida em trabalho a Melgaço …)

Não pode haver comparação entre a estética da canção interpretada por Dino Meira e o filme de Miguel Gomes, que anunciava já uma personalidade diferente e promissora do cinema português. Mas ambas são genuínas na interpretação do ambiente diferente que passa pelos territórios com a chegada de agosto, no que ele tem de cruzamentos de entradas e saídas de pessoas, de diferentes usufruições do recurso escasso para alguns, as férias.

Até aqui estávamos habituados a uma inversão de dinâmicas entre os territórios interiores e as principais Cidades, designadamente as aglomerações metropolitanas. Nos primeiros, agosto traz a ilusão da recuperação de uma dinâmica e da vivência que lhe está associada. A comunidade emigrante regressa em força, cada vez mais nas low cost e menos nas fatídicas viagens de longo percurso de viatura própria. Os territórios animam-se e os municípios concentram praticamente tudo que é animação urbana nesse período. O comércio local agita-se. Os velhos recuperam forças com os abraços dos regressados. E em certas localidades e aldeias, a juventude parece por magia ter regressado. Nos segundos, a tradição era a recuperação a calma da amenidade da Cidade, embora aqui e ali perturbada pela canícula. As elites tipo Vasco Pulido Valente, embora enfrentando mal a canícula para desfrutar da acalmia ocupando a Cidade e as suas amenidades.

Este contraponto está hoje parcialmente desfeito. Mas não pelo que se passa nos territórios interiores. Ontem, em Melgaço, em missão de trabalho de planeamento estratégico para uma reunião com produtores engarrafadores de Alvarinho e das suas múltiplas combinações, incluindo a moda do espumante, tive oportunidade de confirmar que a tradição se mantém. A vila parecia rejuvenescida apesar da temperatura elevada. Sentia-se a dinâmica do regresso a férias da comunidade emigrada. Mas na Cidade a tradição já não é o que era. O incremento fortíssimo do turismo ocupou literalmente o espaço dos que saíram para banhos. Hoje, pelas bandas da Foz para um almoço de trabalho, a percentagem de população turista era demasiado óbvia para ser ignorada. Na semana passada, em Lisboa, em plena zonas adjacentes ao Castelo, ou seja em pleno centro histórico, a presença da população estrangeira era notória, dando aquelas paragens um ar cosmopolita que me encanta. Imagino que haja externalidades negativas. Nos tempos mais recentes, passar pela Ribeira do Porto é uma festa de cosmopolitismo, com o agravamento de ser praticamente impossível encontrar parque de estacionamento livre. O cosmopolitismo convida a comportamentos de mobilidade mais sustentável, ainda bem. Com esta inversão, passa a haver um novo trade-off para a elite mais tinhosa: ou aguentar com a classe média barulhenta durante o ano ou ver-se livre dela (em recuperação de rendimento) em agosto e adjacentes, mas com a contrapartida de aguentar com as ondas de turistas. Problema deles, com saída para turismo sofisticado ou usufruto do fresco das suas casas e mansões.

As Cidades e os territórios estão sujeitos a estes biorritmos com flutuações associadas. Faz parte do não isolamento no mundo. Bem preferível ao fechamento sobre nós próprios, curtindo a acalmia resignada.

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