sexta-feira, 18 de agosto de 2017

A DIREITA LIBERTÁRIA AO ATAQUE NA AMÉRICA LATINA

(The Intercept)


(O olhar atento do amigo Pedro de Souza conduziu-me a uma excelente peça de jornalismo de investigação do THE INTERCEPT, que me parece fundamental para compreender o que se vai passando pela América Latina e que curiosamente se toca com o Hayekiano grupo do Monte Pelerino…)

Como é conhecido, a América Latina atravessa nos tempos mais recentes uma longa e multifacetada transição política. Os governos de esquerda, mais ou menos populistas, com maior ou menor respeito por princípios democráticos, enfrentam dificuldades e alguns deles foram afastados do poder na sequência de bloqueios sérios do seu modelo económico redistributivo. Essa redistribuição revelou-se não sustentada e, pior do que isso, diferentes formas de um clepto-populismo de esquerda, algumas delas a paredes meias com a corrupção, acabaram por capturar a inspiração redistributiva original dos movimentos políticos que conduziram a esquerda ao poder. A Venezuela, com a típica e esperada asfixia da queda das cotações petrolíferas, é o melhor exemplo dessa degenerescência que acaba por ferir as populações para as quais a inspiração redistributiva foi inicialmente dirigida.

Mas seria pura ingenuidade admitir que esse esboroamento dos princípios redistributivos (largamente justificados pela dimensão da pobreza e pela magnitude da desigualdade da distribuição do rendimento) se desenvolve num ambiente de puro isolamento. E é nesta dimensão que o jornalismo de investigação do THE INTERCEPT (link aqui) nos traz relevante informação para compreender o que tem feito, entretanto, a direita libertária e pró privatização total das economias latino-americanas de modo a tirar o máximo partido da degenerescência da esquerda redistributiva.

A investigação incide principalmente sobre uma personalidade argentino-americana, Alejandro Chafuen, que dirige desde 1991 a Atlas Economic Research Foundation, mais conhecida pela designação simplificada de Atlas Network. Como o nome indica, a Atlas Network, financiada pelo império pouco recomendável dos irmãos Koch, acaba por financiar uma rede importante de fundações e think-tanks por toda a América Latina que se dedicam a promover a variante “probusiness” do pensamento libertário. O artigo do THE INTERCEPT fala de 450 think-tanks apoiados por todo o mundo, com ajudas de 5 milhões de dólares apenas no ano de 2016. E não nos enganemos quanto ao espírito bondoso da rede. A Atlas Network apoia processos concretos de desacreditação dos governos de esquerda redistributiva e estatizante, intervindo diretamente nas campanhas de opinião pública tendentes ao derrube desses governos pode considerar-se uma espécie de prolongamento de uma política externa americana, tal e qual a conhecemos de outras influências conhecidas em alguns golpes de Estado na América Latina. Assim, por exemplo, a ATLAS NETWORK apoia abertamente o MBL – Movimento para um Brasil Livre cuja influência, pelo movimento de contestação social violenta que impulsionou, é reconhecida na destituição da Presidente Dilma Roussef que abriu caminho, como se sabe, a uma trágica regressão social e política no Brasil, coisa que não preocupará de sobremaneira os filiados na Atlas Network.

Na Venezuela, a ATLAS apoia declaradamente o think-tank Cedice Libertad, com ligações profundas a uma das figuras da oposição venezuelana María Corina Machado.

A parte mais interessante da investigação jornalística do The Intercept prende-se com a origem doutrinária do pensamento e ação da Atlas Network e do próprio Alejandro Chafuen que a dirige desde 1991, como atrás o mencionei.

(The Intercept)

Os nomes mais representativos que surgem desta investigação são o do empresário britânico Antony Fisher, fundador da Atlas, depois de em 1955 ter fundado o Institute of Economic Affairs conhecido por ter acolhido o pensamento de muitos economistas identificados com a obra de Hayek e ter estado na sombra das ideias que levaram Thatcher ao poder e ao seu modelo económico. As ligações à Sociedade do Monte Pelerino criada por Hayek são evidentes, tendo por exemplo um outro think-tank americano, o Cate Institute, ter sido também criado por um membro daquela sociedade Hayekiana. Aliás, o próprio Alejandro Chafuem em 1980, aos 26 anos, transformou-se no membro mais jovem da Monte Pelerino, tendo aí recebido o mandato e o correspondente financiamento para alargar a Atlas Network pela América Latina. Não surpreendentemente, membros destacados da ATLAS são membros da administração TRUMP ou influenciaram a sua campanha, embora em boa verdade Hayek seja areia demais para aquela cabeça loura e esgrouviada.

Há dias quando lia um artigo notável de David Glasner (link aqui) sobre a evolução do pensamento de Hayek ao longo do tempo sobre a sua ideia original dos anos 30 de que as grandes depressões (a chamada deflação secundária) podiam funcionar como um meio de destruição de formas de rigidez nominal no mercado de trabalho e a forma como a interpretava nos anos 80, fixei os termos deliciosos com que Bradford DeLong (link aqui) viu esse artigo de Glasner no Uneasy Money:

Quando li isto escrito por David Glasner, pergunto-me se a mudança nas convicções de Hayek entre os anos 1930 e 1980 representaria um progresso. Nos anos de 1930 ele acreditava que as grandes depressões – “deflação secundária” – eram um meio para quebrar as formas de rigidez nominal que eu entendo serem o poder do trabalho de resistir a uma aceitação forçada de descidas da taxa de salário real. Nos anos de 1980, ele parecia que acreditava em matar gente como eu em estádios de futebol e largá-los de helicópteros no Atlântico Sul”.

Algo de semelhante se poderia dizer em relação ao pensamento de uma Atlas Network e ao seu profundo desprezo pelas consequências sociais dos modelos libertários de direita probusiness. Isto, claro, sem esquecer e reconhecer, o que pode não agradar a alguns, que a degenerescência da esquerda populista e redistributiva enquanto pode contribui para a disseminação do pensamento das Atlas que ocultamente se pavoneiam por este mundo.

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