(The Intercept)
(O olhar atento do
amigo Pedro de Souza conduziu-me a uma excelente peça de jornalismo de
investigação do THE INTERCEPT, que me parece fundamental para compreender o que se vai passando pela
América Latina e que curiosamente se toca com o Hayekiano grupo do Monte Pelerino…)
Como é conhecido, a América Latina atravessa nos
tempos mais recentes uma longa e multifacetada transição política. Os governos
de esquerda, mais ou menos populistas, com maior ou menor respeito por princípios
democráticos, enfrentam dificuldades e alguns deles foram afastados do poder na
sequência de bloqueios sérios do seu modelo económico redistributivo. Essa redistribuição
revelou-se não sustentada e, pior do que isso, diferentes formas de um clepto-populismo
de esquerda, algumas delas a paredes meias com a corrupção, acabaram por capturar
a inspiração redistributiva original dos movimentos políticos que conduziram a
esquerda ao poder. A Venezuela, com a típica e esperada asfixia da queda das
cotações petrolíferas, é o melhor exemplo dessa degenerescência que acaba por
ferir as populações para as quais a inspiração redistributiva foi inicialmente
dirigida.
Mas seria pura ingenuidade admitir que esse
esboroamento dos princípios redistributivos (largamente justificados pela
dimensão da pobreza e pela magnitude da desigualdade da distribuição do rendimento)
se desenvolve num ambiente de puro isolamento. E é nesta dimensão que o
jornalismo de investigação do THE INTERCEPT (link aqui) nos traz relevante informação para
compreender o que tem feito, entretanto, a direita libertária e pró privatização
total das economias latino-americanas de modo a tirar o máximo partido da
degenerescência da esquerda redistributiva.
A investigação incide principalmente sobre uma
personalidade argentino-americana, Alejandro Chafuen, que dirige desde 1991 a Atlas
Economic Research Foundation, mais conhecida pela designação simplificada de
Atlas Network. Como o nome indica, a Atlas Network, financiada pelo império pouco
recomendável dos irmãos Koch, acaba por financiar uma rede importante de fundações
e think-tanks por toda a América
Latina que se dedicam a promover a variante “probusiness” do pensamento libertário. O artigo do THE INTERCEPT
fala de 450 think-tanks apoiados por
todo o mundo, com ajudas de 5 milhões de dólares apenas no ano de 2016. E não
nos enganemos quanto ao espírito bondoso da rede. A Atlas Network apoia processos
concretos de desacreditação dos governos de esquerda redistributiva e estatizante,
intervindo diretamente nas campanhas de opinião pública tendentes ao derrube
desses governos pode considerar-se uma espécie de prolongamento de uma política
externa americana, tal e qual a conhecemos de outras influências conhecidas em alguns
golpes de Estado na América Latina. Assim, por exemplo, a ATLAS NETWORK apoia
abertamente o MBL – Movimento para um Brasil Livre cuja influência, pelo
movimento de contestação social violenta que impulsionou, é reconhecida na
destituição da Presidente Dilma Roussef que abriu caminho, como se sabe, a uma
trágica regressão social e política no Brasil, coisa que não preocupará de sobremaneira
os filiados na Atlas Network.
Na Venezuela, a ATLAS apoia declaradamente o think-tank Cedice Libertad, com ligações
profundas a uma das figuras da oposição venezuelana María Corina Machado.
A parte mais interessante da investigação
jornalística do The Intercept prende-se com a origem doutrinária do pensamento
e ação da Atlas Network e do próprio Alejandro Chafuen que a dirige desde 1991,
como atrás o mencionei.
(The Intercept)
Os nomes mais representativos que surgem desta
investigação são o do empresário britânico Antony Fisher, fundador da Atlas, depois
de em 1955 ter fundado o Institute of Economic Affairs conhecido por ter
acolhido o pensamento de muitos economistas identificados com a obra de Hayek e
ter estado na sombra das ideias que levaram Thatcher ao poder e ao seu modelo
económico. As ligações à Sociedade do Monte Pelerino criada por Hayek são
evidentes, tendo por exemplo um outro think-tank americano, o Cate Institute,
ter sido também criado por um membro daquela sociedade Hayekiana. Aliás, o próprio
Alejandro Chafuem em 1980, aos 26 anos, transformou-se no membro mais jovem da
Monte Pelerino, tendo aí recebido o mandato e o correspondente financiamento para
alargar a Atlas Network pela América Latina. Não surpreendentemente, membros
destacados da ATLAS são membros da administração TRUMP ou influenciaram a sua
campanha, embora em boa verdade Hayek seja areia demais para aquela cabeça
loura e esgrouviada.
Há dias quando lia um artigo notável de David
Glasner (link aqui) sobre a evolução do pensamento de Hayek ao longo do tempo sobre a sua
ideia original dos anos 30 de que as grandes depressões (a chamada deflação
secundária) podiam funcionar como um meio de destruição de formas de rigidez
nominal no mercado de trabalho e a forma como a interpretava nos anos 80, fixei
os termos deliciosos com que Bradford DeLong (link aqui) viu esse artigo de Glasner no Uneasy Money:
“Quando li isto escrito por David Glasner, pergunto-me se
a mudança nas convicções de Hayek entre os anos 1930 e 1980 representaria um progresso.
Nos anos de 1930 ele acreditava que as grandes depressões – “deflação secundária”
– eram um meio para quebrar as formas de rigidez nominal que eu entendo serem o
poder do trabalho de resistir a uma aceitação forçada de descidas da taxa de
salário real. Nos anos de 1980, ele parecia que acreditava em matar gente como eu
em estádios de futebol e largá-los de helicópteros no Atlântico Sul”.
Algo de semelhante se poderia dizer em relação
ao pensamento de uma Atlas Network e ao seu profundo desprezo pelas consequências
sociais dos modelos libertários de direita probusiness. Isto, claro, sem
esquecer e reconhecer, o que pode não agradar a alguns, que a degenerescência
da esquerda populista e redistributiva enquanto pode contribui para a disseminação
do pensamento das Atlas que ocultamente se pavoneiam por este mundo.
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