terça-feira, 22 de agosto de 2017

A DIMENSÃO FINANCEIRA DO RECUO DA GLOBALIZAÇÃO






A crise de 2007-2008 teve o seu epicentro, como sabemos, no sistema financeiro e daí irradiou para uma das mais significativas destruições de valor e de produção de que há memória, agravada pelo peso excessivo das políticas de contenção orçamental em economias que deveriam fazer o contrário a bem da economia mundial.

Em posts anteriores, temos destacado a extrema dificuldade da globalização económica recuperar os níveis atingidos antes da crise financeira. O comportamento das cadeias de valor globais pode estar a alterar-se, não é ainda certo que estejam a ser encurtadas e o volume de produtos intermédios comercializados a nível mundial pode voltar aos ritmos anteriores, é ainda uma indeterminação. Essa indeterminação não estava ainda clarificada e já o advento do protecionismo e do nacionalismo económico vieram agravar essa mesma indeterminação.

Como a globalização financeira esteve na origem de toda a precipitação consequente foi-lhe dada menos atenção. E a pergunta inevitável é se também do ponto de vista dos fluxos financeiros a nível mundial estarão a formar-se tendências para o recuo da globalização. Se assim for, tendo em conta que a globalização das pessoas (fluxos migratórios a nível mundial) experimenta hoje uma forte pressão persecutória e securitária, que o terrorismo tem substancialmente ampliado, teríamos um recuo da globalização nas sujas três dimensões: económica, financeira e humana.

Um importante relatório da McKinsey sobre o estado da arte da globalização financeira, abundantemente acolhido pelo Financial Times num dos seus preciosos “The BIg Read” (link aqui), vem trazer a esta matéria novas evidências a que este blogue não pode ficar naturalmente indiferente.

Os números publicados pela McKinsey (link aqui) são de facto impressionantes (ver gráfico que abre este post). Desde o pico exuberante de 2007 dos fluxos transnacionais de capital, a queda desses fluxos está estimada em 65%, tendo atingido no período de 2016 a 2016 7,1% do PIB mundial, contrastando com os 11,5% de 2000-2010, mesmo que ligeiramente superior aos 5,3% da década de 1990-2000. Os bancos europeus têm-se destacado no contributo para essa queda em termos de empréstimos internacionais, emergindo um comportamento inverso dos bancos japoneses, chineses e canadianos. Também por estas matérias o “knock-out” europeu é sintomático, o que significa que também passa por aqui a lenta deriva da queda de importância económica da Europa. Para além disso, também com largo contributo dos bancos europeus (cerca de metade), de 2007 a 2016 terão sido “torrados” dois milhões de milhões de dólares de ativos.

O relatório da McKinsey, apesar de oferecer evidências relevantes sobre o menor dinamismo dos fluxos de capital, permanece otimista quanto aos rumos da globalização. A investigação da consultora vai buscar as raízes desse otimismo às alterações de estrutura nas tipologias de fluxos de capitais. A mais importante é a evidência de que os fluxos de investimento direto estrangeiro e de equity aumentaram de 36% do total dos fluxos antes de 2007 para 69% em 2016. Trata-se de facto de uma mudança que assegura ao sistema financeiro mundial uma menor volatilidade do que a que tinha formado na antecâmara dos acontecimentos de 2007. Ao mesmo tempo, a McKinsey junta a evidência de que os défices externos na economia mundial estão mais contidos (1,7% do PIB mundial em 2016 contra 2,5% em 2007). Esta convergência dos défices significa menos combustível para ignições desequilibradoras.

Resta saber se a gestão prudencial do risco bancário está a ser bem feita e se possíveis perdas terão hoje melhor cobertura do que a disponível em 2007. A McKinsey é também otimista nesta matéria, mas aqui sou como S. Tomé.

Por curiosidade, manipulei os dados consultáveis da McKinsey e comparei a posição de Portugal entre 2007 e o 1º trimestre de 2016.


Em 2007, do lado das responsabilidades, ou seja dos stocks financeiros acumulados entrados em Portugal (estimados em 691 mil milhões de dólares), a estrutura era a seguinte: 46% de empréstimos internacionais; 24% de títulos de dívida, 19% de investimento direto estrangeiro e 11% de títulos de equity.


Em 2016, o total apontava para 556 mil milhões de dólares e a estrutura era a seguinte: 51% de empréstimos internacionais; 26% de investimento direto estrangeiro; 17% de títulos de dívida e 5% de equity. Curiosamente, a estimativa de 2016 apontava para 24% de ativos sobre o estrangeiro sob a forma de IDE, qualquer coisa como 84,5 mil milhões de dólares.


A minha grande dúvida reside na natureza do IDE que está materializado nestes números, se estará a reconverter-se enquanto motor da transformação do perfil de especialização da economia portuguesa ou se, pelo contrário, será mais do mesmo, fortemente ancorado no imobiliário e nos não transacionáveis.

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