quarta-feira, 16 de agosto de 2017

NA FRONTEIRA ENTRE A EUROPA E A ÁSIA (III)


Nesta minha terceira edição caucasiana, não quero surgir por aqui com a pretensão de falar substantivamente da dimensão política local. Mas, ainda assim, alguns toques – feitos de uma certa cultura geral, de leituras pontuais dos jornais locais e de conversas de ocasião – são imperiosos para melhor caraterizar um contexto fortemente dominado pela má herança da economia planificada e da divisão internacional socialista do trabalho e, geopoliticamente, pela chamada Russian Grand Strategy.


Na Geórgia, vigora atualmente uma espécie light de populismo protagonizada por uma formação política (“Sonho Georgiano”) recentemente fundada por um bilionário local, Giorgi Kvirikashvili, e alimentada pelo medo em relação ao vizinho mais temível, o “urso russo”, e por alguma expectativa de uma fração mais jovem e preparada da população em relação a possíveis evoluções de aproximação à União Europeia. O atual presidente da República é, desde 2013, Giorgi Margvelashvili, mas os nomes incontornáveis na função foram, entre 1995 e 2003, o segundo presidente da nova República (nascida em 1991 dos escombros da União Soviética) Eduard Shevardnadze (ministro dos Negócios Estrangeiros de Gorbachov) e, entre 2004 e 2013, o seu sucessor (na sequência da chamada “Revolução Rosa”, que o depôs) Mikheil Saakashvili. Este último, fustigado pela desilusão popular perante o falhanço das suas promessas, exilou-se na Ucrânia e o seu “Movimento Nacional Unido” perdeu as eleições legislativas de 2016 – Saakashvili é aliás uma figura curiosa, que rapidamente conseguiu chegar a governador de Odessa, embora por coincidência a notícia maior destes meus dias caucasianos tenha sido a de lhe ter sido retirada a cidadania ucraniana pelo seu ex-amigo Petro Poroshenko, ao que se diz por razões de sombra a evitar. Sobre a Geórgia, repito que a sensação que retive foi a de um país à espera.

Apesar da enorme simpatia do seu povo, a Arménia será dos três países da Região aquele que permanece hoje mais altamente tributário da ex-URSS. Foi também aquele que mais assolado foi por incidentes de grande impacto e gravidade (como o terramoto de 1988, o conflito com o Azerbaijão em torno do território de Nagorno Karabakh e o fecho de fronteiras com a Turquia e o Azerbaijão). Mas o facto é que a Arménia é o único país do Cáucaso que possui uma efetiva parceria estratégica com a Rússia (até por força de referendos realizados), sendo também o único país que faz parte da OTSC – Organização do Tratado de Segurança Coletiva (Rússia e Arménia, com Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão) e da UEE – União Económica Eurasiática, muito em resultado de a defesa dos interesses russos – complexa na sua extensa disseminação, designadamente pela Moldávia, Ucrânia e Geórgia – irem claramente no sentido de apoiar um regime político forte e estável em Yerevan (até há quem designe a Arménia por um “entreposto russo” na Região). De notar que o atual presidente do país, Serzh Sargsyan, é natural de Stepanakert (capital de Nagorno Karabakh – será por acaso?) e exerce funções desde 2008. A sensação que retive foi a de um país sem rumo e cujos elementos de esperança residem essencialmente na religião e num qualquer milagroso regresso a um qualquer glorioso passado.

Quanto ao Azerbaijão, trata-se de um estado que se apresenta como laico e garante da liberdade religiosa, não obstante o facto de ter o islamismo xiita por religião maioritária. A crer no que vi, os costumes religiosos não são alvo de uma prática muito estrita e o nacionalismo dos azeris parece tender a afirmar-se, sobretudo, pela cultura e pela história. O regime, esse, é musculado e claramente assente num culto da personalidade que nasceu com o pai Heydar Aliyev (no poder de 1993 a 2003) e cresce agora com o filho Ilham Aliyev (este, que está sempre presente em cartazes espalhados por todo o lado, já chegou ao limite de nomear a mulher Mehriban Aliyeva como sua vice-presidente). Vivendo largamente do petróleo, e por isso mesmo tendo atravessado uma grave crise económica em 2016, o país aparece agora em notória recuperação e em fase de lançamento de uma estratégia internacional de afirmação com objetivos de imagem e desejáveis reflexos turísticos – a arquitetura, como tão bem ilustra o magnífico Centro Cultural assinado pela Pritzker Inglesa Zaha Hadid, e a realização de um grande prémio de automobilismo em Baku são apenas as manifestações mais visíveis disso mesmo; mas também deu para construírem o “Crystal Hall” como local do Festival Eurovisão da Canção de 2012 (olhem se a moda pega por cá...). A sensação que retive foi a de um país capaz de olhar em frente e de, assim a política o permita, se constituir num interessante caso de estudo desenvolvimentista.

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