terça-feira, 8 de agosto de 2017

NA FRONTEIRA ENTRE A EUROPA E A ÁSIA (I)



Vamos então às minhas impressões caucasianas. Avulsamente, proponho. Três países, três realidades profundamente diversas. Dois de credo cristão (gabando-se até um deles, a Arménia, de ser o primeiro país cristão do mundo – desde 301) e um de credo muçulmano (o Azerbaijão). Línguas e alfabetos completamente diversos entre si (sendo até únicos no mundo – um mundo que conhece oito grandes alfabetos – os alfabetos georgiano e arménio). Cerca de 17 milhões de almas desigualmente distribuídas entre um Azerbaijão com 10, uma Geórgia com 3,9 e uma Arménia reduzida a 3. Relações diferenciadamente complexas com os grandes vizinhos, da Turquia ao Irão e, sobretudo, à mãe Rússia (talvez ajude a uma melhor compreensão dizer-se que a Turquia é o irmão mais velho do Azerbaijão, que a Geórgia vive em permanente angústia por via da sua proximidade geográfica aos russos e que a Arménia é a mais necessitadamente condescendente perante as ambições imperialistas de Putin).

Personalizando um pouco mais: da Geórgia sai-se com a sensação de um país largamente à espera, embora sem se perceber bem de quê ao certo (será de uma União Europeia tida por redentora?); da Arménia sai-se com a sensação de um país a olhar para o passado de uma Grande Arménia, dez vezes maior do que a atual; do Azerbaijão sai-se com a sensação de um país mais moderno e voltado para o futuro, embora ainda quase integralmente tributário das receitas do petróleo. Atentemos nas capitais: Tbilisi é uma cidade interessante e equilibrada, com alguns elementos de inequívoca beleza desenvolvidos em torno do rio e da magnifica avenida principal, Rustaveli, e das duas grandes praças onde desagua (diria que tem qualquer coisa de semelhante a Kiev); Yerevan é uma cidade que parece ter crescido e adotado várias dimensões de modernidade sob desencontrados tipos de pressões, não logrando assim evidenciar uma alma verdadeiramente identificadora; Baku é uma cidade absolutamente fascinante, naquela sua mistura entre a cidade velha, que a levou a chegar a ser considerada a “Paris do início do século XX”, e uma cidade moderna estonteantemente cheia de edifícios arquitetonicamente marcantes. Como tão bem sobre Baku escreveu sobre Tom Reiss (em “O Orientalista”, talvez o livro que há anos mais me abriu o apetite no sentido desta viagem): “A ideia que temos de um Azerbaijão próximo do Irão e com uma maioria de cidadãos xiitas muçulmanos dissipa-se, assim que nos apercebemos de que o edifício público mais impressionante de Baku não é uma mesquita e sim uma cópia do casino de Monte Carlo. Baku é o tipo de cidade que já ultrapassou as ideologias e religiões rígidas há mil anos. Diz-se que o seu nome deriva da expressão persa, baadiyekubiden, ou ‘sopro dos ventos’. Situada no topo de uma península deserta que se projeta no mar, a cidade é efetivamente um dos locais mais ventosos da terra – um lúcido velhote de noventa e sete anos contou-me que, na sua juventude, ele e a família tinham de usar óculos especiais com os seus trajes de noite, para poderem passear pelas avenidas sem serem cegados pela areia.” Pois a mim, aquele ventinho quebrando o calor tórrido (dizem os locais que acontece 300 dias por ano) soube-me pela vida...

Sem comentários:

Enviar um comentário