(Os trabalhos de
Branko Milanovic sobre a desigualdade mundial, a que analisa a distribuição do
rendimento dos indivíduos na economia mundial ignorando a sua nacionalidade, trouxeram para a opinião pública a chamada
curva Elefante; é da sua (re) interpretação que hoje falamos…)
Como temos destacado
neste espaço de reflexão, o tema da desigualdade tem marcado o debate económico
nos últimos cinco anos. Até a uma certa altura, o estudo comparativo da desigualdade
na distribuição do rendimento entre países, admitindo por isso que a situação
económica dos indivíduos é marcada apenas pelo que se passa nos espaços nacionais,
dominou as atenções. Nesse plano, os trabalhos de Piketty e dos economistas americanos
que com ele têm colaborado introduziram a novidade de trabalhar os dados
fiscais e da riqueza. A outra dimensão relevante da distribuição do rendimento é
a sua análise a nível global, isto é, pressupondo que todos os indivíduos fazem
parte de uma economia global, passando por cima da sua filiação nacional. Nesta
ótica, é justo destacar os contributos de Branko Milanovic, a quem se devem os primeiros
estudos sobre o tema.
Num estudo que o
economista sérvio, agora a trabalhar em Nova Iorque num think-tank que também
acolheu Paul Krugman, realizou sobre o período 1998-2008, logo com o inconveniente
de não integrar os efeitos da crise financeira, tornou-se popular a sedutora “curva
do Elefante” (ver gráfico que abre este post).
A curva elefante ordena
os indivíduos da população mundial dos mais pobres para os mais ricos e relaciona
para cada percentil desse universo de indivíduos com a taxa de crescimento do
rendimento no período assinalado (1998-2008). Sabemos que os economistas se
pelam por curvas (gráficos, entenda-se) sugestivas. E esta curva é de facto
sugestiva. A curva mostra que aproximadamente os 50% mais pobres da população mundial
terão beneficiado com a globalização pois o seu rendimento cresceu bem acima do
crescimento económico mundial médio. Depois, a partir do percentil 55 até ao
percentil 80-90, o gráfico mostra crescimentos do rendimento mais baixos, para,
finalmente, na tromba do elefante se arrumarem os crescimentos significativos dos
rendimentos dos mais ricos.
O caráter sugestivo da
curva elefante rapidamente foi capturado para construir uma narrativa que tem
algum realismo e significado mas que pode não ser necessariamente demonstrado
pela curva de Milanovic. A narrativa sugere que as classes mais desfavorecidas
e as classes médias emergentes, principalmente estas últimas, dos países de mais
baixo rendimento viram o seu rendimento crescer a ritmos interessantes. Este comportamento
gerou algum otimismo do ponto de vista seja da erradicação da pobreza absoluta,
seja da generalização de comportamentos de classe média nesses países, acreditando
alguns que isso iria impulsionar com mais intensidade as “revoluções” democráticas
desses países. A outra dimensão da narrativa, bem mais problemática,
corresponde à utilização da curva elefante para descrever as dificuldades
observadas pelas classes médias dos países de rendimento mais elevado.
Será assim tão líquida a
interpretação da curva elefante? Não, não é.
Não podemos esquecer, em
primeiro lugar, que para uma variação observada num dado período, em que se
compara valores de partida com valores de chegada, não há qualquer certeza
sobre a estabilidade da posição relativa dos percentis de população mundial. Por
outras palavras, não há certeza se as populações, por exemplo, representadas
nos percentis 70 ou 80 são exatamente as mesmas no antes e no depois. Olhando mais
atentamente para a curva, a única coisa que pode ser afirmada com segurança é
que os indivíduos do percentil 80 em 1998 têm aproximado o mesmo rendimento que
os do percentil 80 em 2008. O que não podemos assegurar é que sejam as mesmas
pessoas.
Nestas coisas há sempre
gente atenta e disposta a aprofundar tratamentos de informação para desconstruir
narrativas não seguras.
O contraponto mais
incisivo à referida narrativa potencialmente distorcida do significado da curva
elefante é para mim o de um artigo de Caroline Freund (link aqui), publicado já em fins de
2016, pelo Peterson Institute for International Economics. Freund apoia-se num
relatório da Resolution Foundation (link aqui), datado de setembro de 2016, e conclui que são
o Japão, a contas com a sua deflação e forte envelhecimento, e a ex-União Soviética
e países de leste, a braços com a penosa transição para a economia de mercado,
que explicam a descida da curva elefante até aos valores nulos.
Com população constante
e excluindo do universo o Japão e a ex-União Soviética ou ainda a China, a
curva não desenha um elefante, não se aproxima do zero por volta do percentil
80. E lá se foi a sedução da curva elefante.
Moral da história: o
problema do impacto combinado do progresso técnico e da globalização nas classes
médias das economias avançadas existe e tem de ser analisado. Mas não com a
narrativa da curva elefante.
didática e concisa sua analise ! boa !!
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