quarta-feira, 23 de agosto de 2017

AINDA O COMPORTAMENTO DO IDE EM PORTUGAL




(Ontem, a propósito dos dados publicados pela McKinsey Research sobre a dimensão financeira da globalização, interrogava-me sobre se os rumos do investimento direto estrangeiro em Portugal estariam a revelar alguma novidade positiva; alertado pelo Dinheiro Vivo para a publicação do Boletim Estatístico de Agosto do Banco de Portugal observo que a cantilena não mudou…)

Pelo menos entre os estudiosos da economia portuguesa que não alimentam uma interpretação meramente ideológica da globalização (entre os quais me filio), existe um consenso relativamente alargado de que os sinais promissores de investimento-inovação observados na economia portuguesa, fruto da persistência de apoios dos Fundos Estruturais, carecem do fator de amplificação do investimento direto estrangeiro (IDE). A dimensão do investimento empresarial nacional não parece suficiente para gerar um efeito estruturante em termos de mudança do perfil de especialização produtiva. A inexistência de grupos empresariais nacionais com essa vocação de estruturação do sistema produtivo de PME explica essa carência. Por mais interessante que possa revelar-se o incremento de start-up’s de base tecnológica, essa dinâmica nunca poderá colmatar a necessária intervenção nesse processo de toda a indústria incumbente.

Porém, os padrões do IDE em Portugal estão longe de corresponder a essas expectativas, apesar da sua evolução em magnitude de valor.

A leitura que o Dinheiro Vivo (link aqui) faz dos dados publicados pelo já mencionado Boletim de agosto do BP aponta para que a cantilena permanece largamente estiolada. É o setor financeiro e de seguros que tem apropriado a esmagadora fatia do crescimento do IDE, neste tempo mais recente induzido pelas participações de capital no BCP e no BPI. Ou seja, continua a ser o setor dos não transacionáveis a catapultar o interesse do IDE em Portugal e os dados sublinhados pelo DV sublinham até o desinvestimento observado na indústria transformadora. Mau presságio. É verdade que uma forte presença do IDE no setor bancário, segurador e financeiro em geral poderia, na melhor das hipóteses, alimentar a inteligência nacional em termos de sistemas de informação, Big Data e análise de dados. Mas nem sequer essa perspetiva mais positiva estará a manifestar-se. O desinvestimento na indústria transformadora é manifestamente uma má notícia.

 (Fonte: Cálculos próprios a partir das Estatísticas online do BP)

Na tentativa de ir além dos dados do Boletim de agosto do BP, explorei algumas séries longas publicadas pelo Banco Central, embora haja que assinalar que o princípio da direccionalidade do IDE (do estrangeiro para Portugal e de Portugal para o estrangeiro) deixou de ser o processo padrão da 6ª edição do Manual da Balança de Pagamentos e da Posição de Investimento Internacional assumido pelo FMI. Nessa medida, consultei dados de ativos e de passivos do IDE, respetivamente valores de investimento de entidades residentes realizados no exterior e de valores de investimento de entidades não residentes em Portugal. Nessa base, calculei valores líquidos (ativos menos passivos) que são regra geral negativos dado o valor mais elevado das entradas no país. Na representação gráfica abaixo, as percentagens em relação ao PIB seriam todas negativas, dado o valor mais elevado dos passivos. Para simplificar a representação do gráfico tomei valores em módulo, já que só no caso do investimento de carteira o último valor registado em 31-12.2016 é positivo. A comparação entre o comportamento do IDE e do investimento de carteira de 1999 a 2016 é sugestiva, pois o primeiro costuma ser em regra associado a um comportamento mais estável, ao passo que o investimento de carteira é pressuposto ter um comportamento mais errático.

O comportamento do IDE líquido apresenta uma tendência relativamente regular para o aumento do seu peso no PIB (em fins de 2016 cerca de 34% do PIB), ao passo que o investimento de carteira tem vindo desde 2009 a cair a pique, acontecendo que em fins de 2016 o valor dos ativos acumulados excede já em 1% do PIB os passivos acumulados.

Do ponto de vista dos critérios de estabilidade do sistema financeiro, esta mudança estrutural do andamento das duas variáveis é positiva. Veja-se o andamento rápido que o peso do investimento de carteira teve em Portugal de 2005 a 2009, precipitando-se a sua queda a partir daí. Mas na perspetiva da ajuda necessária que o IDE deveria assumir na reconfiguração do perfil de especialização produtiva não há otimismo que se justifique. A cantilena é a mesma. Precisamos de outra música e de outra letra.

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