segunda-feira, 14 de agosto de 2017

FOGACHOS EM TORNO DO SIRESP

(Com a devida vénia ao Henricartoon)


(Se não fora a dimensão trágica dos acontecimentos de Pedrogão Grande que permanecerão no imaginário coletivo de muitos Portugueses que viveram de diferentes maneiras a tragédia, os desconchavos do SIRESP apontariam para a matéria, de todos conhecida, da negociação leonina de algumas parcerias público-privadas. Neste caso, para além dessa memória, temos o fogo aberto do primeiro-Ministro sobre o sistema que não augura nada de bom…)

O Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal constitui um dossier, não direi envenenado para o Governo de António Costa, mas pelo menos com riscos sérios de adulteração e, por isso, com manuseamento incómodo.

A contratualização do Sistema foi concretizada em 2005 num governo PDS/CDS em gestão, depois de ter perdido as eleições para o PS e envolvia na parceria empresas que ou estão desaparecidas por falência, caso da SLN-Galilei do grupo BPN, da PT e da Esegur, Grupo Espírito Santo, sabe-se lá em que condições estará neste momento. O Ministro da Administração Interna de então, Daniel Sanches, é conhecida pelo seu vai-e-vem com o grupo BPN e ao tempo a PT ainda era considerada a joia da coroa das empresas globais portuguesas (Oh. Santa ilusão da inteligência lisboeta!).

António Costa, então ministro da Administração Interna do governo de José Sócrates herdou o berbicacho da renegociação do contrato SIRESP e apoiado numa série de pareceres de instituições de fiscalização como a IGF e de regulação como a ANACOM, acabou por renegociar o contrato com a SLN, tendo sido contratualizada uma redução de 50 milhões de euros no contrato inicial de 525 milhões de euros, Por ironia do destino, após o reatamento de renegociações iniciada no governo PAF de Passos Coelho, foi de novo o governo de António Costa (o atual) que operou uma nova redução de 25 milhões de euros. O Público e o Observador elaboraram pertinentes resumos de toda a tramitação até ao momento atual.

Um vulgar leigo dirá com justeza que um sistema pomposamente designado de integrado para redes de emergência e segurança poderá falhar em muitas circunstâncias, menos nas situações fundamentais de emergência para as quais é concebido. Não vou entrar em discussões técnicas de matéria que não domino, ficando-me embora a sensação de quem negociou a parceria e as reduções do valor do contrato também não perceberia por aí além do assunto e isso já é matéria preocupante que baste. Hoje, temos inúmeros e diversificados testemunhos e evidência de que o sistema falha quando o não deveria fazer, ou seja, em, pleno auge dos combates aos incêndios, pelo menos nesta tipologia de emergências. A própria ministra Constança Urbano de Sousa, na sua última conferência de imprensa para dar uma primeira conta de inquéritos desenvolvidos no âmbito da jurisdição do MAI, assumiu essas falhas.

Até aqui, parece emergir matéria de grande conflitualidade judicial, embora se presuma que o contrato, mesmo renegociado por duas vezes, enferma de graves penalizações para o Estado, mostrando como a captura das parcerias público-privadas foi em devido tempo um decisivo processo de acumulação primitiva e de açambarcamento de recursos públicos por parte de grupos privados, que aguçaram o seu engenho de caçadores furtivos. Largamente apoiados por apoios jurídicos useiros no vai-e-vem de estatutos, diga-se. Como o contrato vigora aparentemente até 2021 (segundo informação dos jornais que desenvolveram processos de pesquisa sobre o tema), há matéria para uma longa maratona judicial, da qual não espero grandes frutos operativos para uma nova vaga de incêndios que apareça por aí. A descapitalização de recursos técnicos do Estado, cujo vazio foi habilmente ocupado pelos abutres jurídicos especializados que até se dão ao luxo de comentar nas TVs os próprios processos, terá custos incalculáveis. Estou com curiosidade em conhecer a intensidade causal que a Comissão Técnica Independente, presidida por alguém que muito prezo e aprecio, o Professor João Guerreiro da Universidade do Algarve, irá atribuir aos desvarios e falhas do SIRESP.

Mas o que parece novo em todo este processo é o fogo posto que António Costa decidiu colocar sobre a defunta PT e a ALTICE que a detém. Eu sei que a perda definitiva da ilusão de uma empresa global para a internacionalização que o governo de Sócrates e o grupo BES tanto apreciavam é dura de roer e que vai implicar um luto prolongado de ilusões, pois tanta garimpa foi derrubada e tão cedo não erguerão de novo a crista. Mas não é normal ver um primeiro-Ministro a inventivar tão declaradamente uma operadora, chegando mesmo a declarar em público que já tomou as suas decisões em matéria de operador para as suas próprias telecomunicações. Certamente que não foi por acaso que ainda há poucos dias surgiram as parangonas jornalísticas que praticamente antecipavam os resultados da Comissão Técnica Independente, projetando o SIRESP como o grande responsável pela tragédia, ao mesmo tempo, que muitos dos jornais do dia interpretaram a conferência de imprensa da Ministra como uma “guerra aberta ao SIRESP”.

Até posso compreender a revolta do primeiro-Ministro com a fragilidade das soluções de conservação e acautelamento dos cabos de fibra ótica sobre os quais o SIRESP funciona. Em princípio, o enterramento de cabos parece a um leigo solução mais segura para responder a emergências de incêndio. Mas essa matéria não é nova. Estava certamente especificada nas memórias descritivas que suportam a contratualização. Esteve seguramente sob o radar das duas renegociações de contrato (às quais António Costa nem com muita habilidade conseguirá furtar-se). Ou tais renegociações foram simples operações de ajustamento financeiro às novas condições orçamentais?

Sinceramente, não me dá qualquer gozo ver um primeiro-Ministro a desgastar energias e foco da sua atenção de coordenação do Governo com guerras contra operadoras. A ALTICE pode ser todos os demónios que lhe queiramos associar. Mas a ilusão da PT não caiu por força da ALTICE. Era uma crónica anunciada. Gostaria mais de perceber que o Governo está a trabalhar para minimizar o problema até 2021. Até porque se a moda pega dos responsáveis políticos se atirarem desabridos a todos os protagonistas maléficos das negociações leoninas das PPP vão ter matéria bastante para se coçarem. E que tal em vez da caça ao operador o Governo tratar de robustecer a máquina jurídica do Estado, restabelecendo os seus níveis de profissionalismo. Ou esta é uma matéria perdida com que teremos de contar para apreciar futuros governos?

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