sábado, 26 de agosto de 2017

REFLEXÕES PORTUENSES

(Manifestação anti-turismo numa praia de Barcelona)


(Tentando seguir o meu colega de blogue, faço o esforço necessário para encontrar na sensaborona luta eleitoral para as autárquicas no Porto algum motivo de interesse que justifique algum tempo neste espaço, posso entretanto dizer-vos que não é fácil, o que mostra a letargia das ideias políticas por estas bandas…)

Pois é meus caros, alguns protagonismos portuenses têm uma queda especial para a vitimização, clamam atenção e, quando chegado o ciclo eleitoral e se abre algum espaço para fazer emergir algumas ideias, a verdade é que parece que toda a gente esgota as suas energias reivindicativas em cavalgar as expectativas criadas pelo Sérgio Conceição. Eu sei que não sou propriamente um eleitor típico: vivendo em Gaia, trabalhando em Matosinhos, consumindo alguma cultura e pouco o mais no Porto, não resta muita matéria para a intervenção crítica. Mas, qualquer que seja o ponto de referência, a preparação para as autárquicas é sensaborona. Senão vejamos: o Bloco apresenta mais do mesmo, o PCP afina pelo mesmo diapasão com gente honesta e preocupada mas que não traz nada de novo e o PS foi apanhado em contramão, sendo obrigado a uma candidatura que manifestamente inicialmente não queria desenvolver. O PSD escolhe um candidato daquela geração de economistas (como eu os conheço!) que para se lhe perceber uma ideia, uma posição, um pronunciamento é necessário muito porfiar e temos tudo menos motivação político-eleitoral. Mesmo o movimento que Rui Moreira trouxe positivamente para a Cidade parece em posição “a emissão segue dentro de momentos”, não sendo por agora percetível (espero que me engane, para bem da pureza dos movimentos de independentes que estão hoje por esse país fora embrulhados em tricas locais que não interessam a um cidadão medianamente interventivo nas questões locais) qualquer ânimo inovador e de ambição para um segundo mandato.

Dos temas que ressaltam da envergonhada luta eleitoral a questão do turismo é a que merece alguma reflexão. Têm aparecido por aí na opinião pública nacional, mais Lisboa e Porto diga-se, alguns elitistas fedorentos e emproados rosnando contra os malefícios do turismo, tal qual praga do Egipto de incalculáveis e devastadoras proporções. Não é um movimento genuíno, como se neste reino os pudesse haver com peso para lá das limitações do nosso território. É antes uma reação oportunista a notícias de outras paragens. Já por repetidas vezes referi neste blogue que vejo nessas reações uma corrente próxima do isolacionismo nacionalista com tudo o que pior podemos associar a essa rejeição da proximidade para com e face ao outro. Valem o que vale, não são mais do que a habitual incapacidade de muitos viverem numa sociedade de massas em que as classes médias têm um verdadeiro significado. Para mim são uma manifestação de elitismo fedorento e emproado que não terá lugar em qualquer história, mesmo, como se dizia nos tempos da Revolução em Portugal, no caixote do lixo da tecnocracia.

Isto não significa que, mais do que o medo pela concentração e exaustão dos recursos, não estejamos que estar atentos aos efeitos que a procura turística está a provocar na Cidade. Mas é de regulação que estamos a falar, como se isso fosse novidade em relação a outros efeitos perversos dos mecanismos de mercado. O efeito que merece mais atenção futura é a da seguramente vertiginosa subida do preço do imobiliário para renovação, tendo sempre na última e definitiva mira a questão da procura turística. Julgo ter evidências de que o processo é já especulativo e que, por exemplo, nos próximos tempos dificilmente um estudante a viver no Porto encontrará arrendamento compatível. Estou em crer que, mais do que uma consequência em termos de afastamento de quem reside na Cidade, pois estamos a falar de unidades que estavam expectantes e sem ocupação, estaremos a falar de difícil atração à Cidade de um perfil diversificado, e compatível com a cultura do Porto, de residentes. É por isso de regulação de oferta e de política de taxação de património imobiliário que deveríamos estar a falar. Mas isso não é novidade e penso que um projeto reformista como o de Rui Moreira deveria preocupar-se com essa regulação.

Já quanto ao Porto ser apenas turismo ou mais qualquer coisa a crónica está nessa matéria algo requentada. A força terciária do Porto foi atempadamente abalada pela centralização orgânica de muitos grupos empresariais e financeiros que retirou à Cidade uma massa importante de emprego e de quadros superiores. Os tempos da ilusão das empresas portuguesas globais que Sócrates cavalgou, com o delírio instalado na PT e no BES, foram madrastos para a Cidade, sobretudo porque no País não havia recursos para a partilha territorial. Esse delírio foi um produto efémero diga-se da afirmação da Capital. Para além disso, a Cidade já não concentra hoje toda a massa de serviços que se articulava com as concentrações têxteis e vestuário e de metalomecânica da coroa urbano-industrial que avança para o Ave, Cávado e Vale do Sousa. Esses territórios conseguiram acolher alguma capacidade de oferta de serviços. Mais, outros territórios têm conseguido apropriar investimentos que há 10 anos tenderíamos a ver como necessariamente implantados na Área Metropolitana. É o caso, por exemplo, da incubadora de empreendedorismo social, IRIS, financiada pelo BEI e que se localiza … em Amarante. Finalmente, o conhecimento de base tecnológica que vai fazendo o seu caminho na UPTEC (Asprela) demorará algum tempo (com taxas elevadas de sucesso) a repercutir-se em ambientes de alguma densidade empresarial. Por isso, o turismo equivale à história da ocupação do vazio, sempre que esse vazio está claro. Como é o caso. O pior é que nos tempos que correm, sendo o turismo uma atividade transacionável, a verdade é que o seu entorno é marcadamente imobiliário e isso cheira aos anos 2000. Atenção pois.

Quanto ao tema metropolitano como fonte de projetos político-eleitorais, há que o dizer com frontalidade, que o PS ateou um fogo que não soube controlar à partida. Foi o PS, sem maioria de convicções metropolitanas para isso e com origem creio que no ministro Eduardo Cabrita, que lançou o tema das eleições diretas para as presidências das áreas metropolitanas. Fê-lo sem compreender ou por pura despreocupação, o que é ainda pior, o lio constitucional profundo em que se meteu com essa ideia. Por isso, sem essa clarificação, dificilmente o tal projeto emergirá. O que não significa que não haja matéria para isso. Se houver pachorra talvez possa haver futuramente alguma reflexão no Interesse sobre essa matéria.


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