(Alguma geografia
e economia urbanas foram em seu tempo seduzidas pela atratividade da Creative Class de Richard Florida; o
investigador americano parece desiludido com a sua própria abordagem e tem
razões sérias para tal…)
The Rise of the Creative Class de Richard Florida,
publicada em 2002, foi uma obra sedutora para muita gente cujos interesses
intelectuais giram em torno da Cidade e das políticas de desenvolvimento
urbano. O seu popular índice de Vida Boémia, um apelo ao valor da diversidade,
da tolerância, dos costumes rasgados e da liberdade, cruzou-se com a valoração
dos talentos, a concentração de atividades criativas e de recursos humanos
nelas mergulhados. Daí a apontar uma linha de competitividade e de desenvolvimento
económico para as Cidades foi um pequeno passo. Outros, em convergência com a
perspetiva de Florida, trabalhavam a relevância do conhecimento na concentração
de recursos que as Cidades ofereciam. Novas migrações eram antecipadas, já que
os talentos procuravam as concentrações de talentos e com alguns pontos de
contacto com a geografia do cool enraizou-se precocemente a ideia de que todas
as Cidades, independentemente da sua localização, dimensão e recursos poderiam
aspirar a percursos de atração da “creative
class” de Florida.
Embora com reservas e
alertas redigidos em alguns textos, também andei por essas bandas, nunca
perdendo de vista que a concentração de talentos e do índice de vida boémia não
é para todos e não foge à inexorável hierarquia urbana.
Como bom professor
americano, Florida deve ter ganho bom dinheiro com a disseminação desse
conhecimento. Ganha quem pode e tem condições para isso.
Mas a sua nova obra é
tudo menos a gloriosa defesa das suas posições que seduziram a geografia e a economia
urbana. Tendo de
novo por referencial as cidades americanas, a obra chama-se: “The New Urban Crisis: How Our Cities Are
Increasing Inequality, Deepening Segregation, And Failing The Middle Class --
And What We Can Do About It”.
Simplesmente aterrador.
E vale a pena perguntar se alguém viu por aí a creative class de Florida?
As forças estruturais
que geram a desigualdade, a segregação urbana e o declínio da classe média estão
para além do que a economia criativa de Florida poderia assegurar. São forças
que marcam a transformação do capitalismo contemporâneo e, por muito que a
economia urbana se queira por em bicos de pés, nada acrescenta à sua explicação.
Mas talvez valha a pena ler o Florida resignado para compreender de que modo a economia
criativa gerou os efeitos perversos de limitar o acesso à cidade aos rendimentos
mais elevados. Por ironia das coisas, essa segmentação é exatamente o oposto do
que o índice de vida boémia pretendia medir, com as suas vertentes da tolerância
e da diversidade.
Podem encontrar duas
boas introduções ao epitáfio da Creative Class na Forbes (link aqui) e no mais radical
Jacobin (link aqui).
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