quarta-feira, 23 de agosto de 2017

VIRAM POR AÍ A “CREATIVE CLASS”?




(Alguma geografia e economia urbanas foram em seu tempo seduzidas pela atratividade da Creative Class de Richard Florida; o investigador americano parece desiludido com a sua própria abordagem e tem razões sérias para tal…)

The Rise of the Creative Class de Richard Florida, publicada em 2002, foi uma obra sedutora para muita gente cujos interesses intelectuais giram em torno da Cidade e das políticas de desenvolvimento urbano. O seu popular índice de Vida Boémia, um apelo ao valor da diversidade, da tolerância, dos costumes rasgados e da liberdade, cruzou-se com a valoração dos talentos, a concentração de atividades criativas e de recursos humanos nelas mergulhados. Daí a apontar uma linha de competitividade e de desenvolvimento económico para as Cidades foi um pequeno passo. Outros, em convergência com a perspetiva de Florida, trabalhavam a relevância do conhecimento na concentração de recursos que as Cidades ofereciam. Novas migrações eram antecipadas, já que os talentos procuravam as concentrações de talentos e com alguns pontos de contacto com a geografia do cool enraizou-se precocemente a ideia de que todas as Cidades, independentemente da sua localização, dimensão e recursos poderiam aspirar a percursos de atração da “creative class” de Florida.
 


Embora com reservas e alertas redigidos em alguns textos, também andei por essas bandas, nunca perdendo de vista que a concentração de talentos e do índice de vida boémia não é para todos e não foge à inexorável hierarquia urbana.

Como bom professor americano, Florida deve ter ganho bom dinheiro com a disseminação desse conhecimento. Ganha quem pode e tem condições para isso.


Mas a sua nova obra é tudo menos a gloriosa defesa das suas posições que seduziram a geografia e a economia urbana. Tendo de novo por referencial as cidades americanas, a obra chama-se: “The New Urban Crisis: How Our Cities Are Increasing Inequality, Deepening Segregation, And Failing The Middle Class -- And What We Can Do About It”.

Simplesmente aterrador. E vale a pena perguntar se alguém viu por aí a creative class de Florida?


As forças estruturais que geram a desigualdade, a segregação urbana e o declínio da classe média estão para além do que a economia criativa de Florida poderia assegurar. São forças que marcam a transformação do capitalismo contemporâneo e, por muito que a economia urbana se queira por em bicos de pés, nada acrescenta à sua explicação. Mas talvez valha a pena ler o Florida resignado para compreender de que modo a economia criativa gerou os efeitos perversos de limitar o acesso à cidade aos rendimentos mais elevados. Por ironia das coisas, essa segmentação é exatamente o oposto do que o índice de vida boémia pretendia medir, com as suas vertentes da tolerância e da diversidade.

Podem encontrar duas boas introduções ao epitáfio da Creative Class na Forbes (link aqui) e no mais radical Jacobin (link aqui).

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