sexta-feira, 31 de agosto de 2012

AINDA E SEMPRE AS METÁFORAS DO REAL-BARÇA


Em tempos de muito trabalho profissional e uma passagem por Lisboa, com uma breve passagem pela Ler Devagar para um copo de pós jantar, que ainda não tinha visitado, não tenho tido tempo e disponibilidade mental para grandes apostas de elaboração para este blogue.
O Real-Barça continua a despertar todas as metáforas possíveis em matéria de estratégia e suportes sociais de apoio a tais estratégias. Hoje sensivelmente reforçadas pela tensão entre Madrid e Barcelona, gerada pela negociação simultânea e complexa de novo pacto fiscal e de ajuda de resgate financeiro à crise da dívida da Catalunha.
Aparentemente recuperados de um abalo de início de época, já com cinco pontos de distância face ao Barça, o Real e o mister Mou tiveram que encarar a supertaça, displicentemente vista de início como mais um evento sem grande significado, como algo de mais decisivo para não gerar uma trajetória de desconfiança e de depressão competitiva, com o corpo a não ajudar.
E o comportamento dentro do campo evidenciou que a displicência do discurso era mais um mind game, com o Barça a revelar de início uma desconcentração de início de época que lhe custou caro.
Em relação às metáforas da estratégia, o jogo evidenciou uma vez mais que o jogo do Barça de imaginação coletiva única mas caracterizado por uma fragilidade defensiva que o torna vulnerável, sobretudo quando o adversário, embora incapaz da mesma imaginação coletiva, é suficientemente forte para a explorar. Até aqui a imaginação coletiva do Barça, de sentido atacante e sobretudo dotado de uma capacidade de espera notável para explorar uma aberta, tem superado a maior consistência defensiva do Real. Esta semana a situação inverteu-se. A consistência defensiva conseguiu o potencial ofensivo suficiente para explorar a fragilidade do adversário.
A história do jogo é curiosa. A imaginação coletiva do Barça conseguiu durante momentos e sobretudo depois de recuperar da desconcentração inicial passar a mensagem de que eram 12 e não 10 que estavam a jogar. Mou conseguiu disciplinar a máquina e controlar uma euforia de esmagamento contra 10 que não os pareciam. Por alguns momentos e sobretudo depois do 2-1, ficou a sensação que a consistência defensiva do Real tremeu, capitalizando negativamente o passado de outras remontadas catalãs.
Moral da história: a consistência defensiva pode ser a condição necessária para projetar um potencial ofensivo. A imaginação coletiva, por sua vez, se não tiver a suportá-la uma consistência defensiva é demolidora mas tem uma fragilidade intrínseca.
Hoje, não haverá provavelmente entre as equipas do topo do futebol mundial melhores exemplos de liderança de modelos de estratégia tão contrastados ao mais alto nível de competência.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

DRAGHI VERSUS WEIDMANN



Tudo parece recomeçar à medida que setembro se aproxima. A presidência do BCE e a presidência do Bundesbank continuam a esgrimir posições, numa tensão contida. Em imagens de arquivo que passaram esta semana nas televisões, uma câmara indiscreta, não tão indiscreta como a da TVI em Bruxelas na captação do célebre diálogo entre Vítor Gaspar e o ministro das Finanças alemão Schäuble, apanhou uma troca furtiva de palavras e de olhares entre Draghi e Weidemann que é bem reveladora da tensão contida neste momento instalada nas questões da zona euro.
Draghi inventou uma saída que é justificar a utilização de medidas excecionais para manter a estabilidade dos preços e assim permanecer formalmente fiel ao mandato estatutário do BCE. Esse mandato não impediria a utilização de medidas menos ortodoxas de política monetária. Os mercados parecem começar a acolher esta possibilidade, pelo menos no que respeita à posição da Itália.
Weidemann, pelo contrário, insiste na tese de que a compra de títulos da dívida pública de países pode corporizar uma espécie de “bond addiction”, por outras palavras, de viciar as economias em dificuldades no endividamento e no financiamento fácil desse vício aparente. A sua oposição ao processo vem essencialmente da perspetiva de que as tais soluções não ortodoxas de política monetária pisam o risco do financiamento direto aos Estados através da emissão monetária.
Se nos mantivermos na metáfora do “bond addiction”, a posição alemã equivale a fazer os viciados passar por uma cura de abstinência de grande crueldade. A abordagem de Draghi equivale a um tratamento mais incremental com uso de metadona. Ambos os tratamentos, o de Draghi mesmo assim mais esperançoso, não equacionam o problema da patologia ou representam-no erradamente. Nem toda a problemática da zona euro resulta, como sabemos, de um viciamento em endividamento.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

GUERREIROS E ORGANIZADOS


Em noite de mais um embate Real – Barça fonte de todas as metáforas, breves palavras sobre a consistência do projeto futebolístico do Sporting de Braga.
Não sou propriamente um grande entusiasta da cidade e do seu modelo de desenvolvimento, embora lhe reconheça pujança, transformação, a presença de uma Universidade dinâmica, um centro histórico com grande potencial de convivialidade e ainda alguns sinais de uma dinâmica de juventude longe do estado de graça dos anos 80, mas mesmo assim com sinais bem visíveis
Do ponto de vista desportivo, o facto de se tratar de um Sporting … de Braga arrefece naturalmente o meu entusiasmo, apesar do equipamento à Arsenal dos velhos tempos.
Mas reconheço a consistência do projeto desportivo, com crescente identificação com a cidade.
A segunda passagem num curto espaço de tempo à fase de grupos da caça aos milhões (Liga dos Campeões) num jogo de grande intensidade para uma eliminatória não menos intensa, com circunstâncias de decisão que poderiam ter produzido uma resultado injusto e adverso é um indicador que culmina sem dúvidas um projeto consistente. Guerreiros e organizados no jogo, um projeto empresarial e organizativo de grande consistência, que deve fazer inveja a outras agremiações com outros passivos e por isso orçamentos de competição bastante desiguais.
Porque é mesmo de um projeto empresarial que devemos falar e de um modelo organizacional com elevada capacidade de aproveitamento de recursos disponíveis, vendendo e comprando, mudando de timoneiro, mas mantendo um fio condutor e assegurando resultados.
E para manter o jogo das metáforas há aqui uma correspondência entre a afirmação do projeto do Sporting de Braga e o da própria cidade, adquirindo alguma equidistância face a Lisboa e ao Porto. Afinal uma cidade que pode começar a afirmar-se por si própria e não necessariamente contra. Por todas estas razões, a sucessão política da liderança municipal assume neste contexto a característica de um dos focos cruciais das próximas autárquicas.
Em termos comparativos, a comparação entre os projetos do Sporting de Braga e do Vitória de Guimarães evidencia bem a relevância dos fatores da gestão e da organização neste novo ciclo de vivência dos projetos desportivos. Esperemos que a metáfora dos projetos desportivos não se repercuta nas cidades. Guimarães não aguentaria essa maldade.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

NOT FOR PROFIT


Desde o início das curtas férias deste ano, estou ainda às voltas com os escritos de John Maynard Keynes (JMK) sobre a sua proposta de meados dos anos 40 para uma moeda comum e um sistema de clearing internacional e, em simultâneo, com os escritos revolucionários do meu amigo José Cerqueira sobre alguns problemas não totalmente resolvidos do mesmo JMK na Teoria Geral. Tarefa algo pesada para quem está um pouco perro nestas questões da macroeconomia mais abstrata que me tem afastado de outras leituras.
Mas mesmo nesta encruzilhada de leituras exigindo tempo de leitura e maturação que a minha exigente vida profissional não proporciona, não resisti a cruzar os meus tempos de leitura com a entrada no fascinante Not for Profit de Martha Nussbaum.
Nussbaum é para mim a principal filósofa do desenvolvimento hoje viva, que entrou irreversivelmente nos meus registos com os seus escritos sobre a conceptualização e os problemas metodológicos de medida da qualidade de vida, alguns dos quais escritos com Amartya Sen. É uma referência de pensamento incontornável e a quem deve sempre recorrer-se quando está em causa a conceptualização do desenvolvimento. Uma âncora segura.
Mas o Not for Profit – why democracy needs humanities remete para outros domínios. É uma obra revigorante sobretudo para quem trabalha em questões de educação e de formação e que, umas vezes por convicção ideológica que não é o meu caso, outras por inerência de trabalho profissional, tende a usar frequentemente o conceito de capital humano. Na verdade, a utilização abusiva do conceito de skills ou mesmo de competências enferma da perigosa e abusiva associação exclusiva dos processos educativos ao seu contributo produtivo. Nussbaum contrapõe dois universos, a educação para o lucro e a educação para a democracia, procurando mostrar que o conceito de capital humano pode conduzir à deriva perigosa de associar a educação a um simples contributo para a formação do produto de uma sociedade. Os riscos dessa deriva são essencialmente desastrosos em períodos de vacas magras, pois nesses períodos o disciplinador de serviço e há-os sempre em posição e disponíveis recorre frequentemente ao argumento do contributo produtivo para o crescimento da educação para fazer correr a tesoura orçamental.
O que nos vem dizer Nussbaum é que os domínios educativos no domínio das humanidades e das artes são fundamentais para uma educação que sirva a democracia e o seu fortalecimento. Assim se assiste a uma deriva de cortes e perda de qualidade do ensino das humanidades e das artes com o argumento do seu baixo contributo para o ambicionado crescimento económico. E entrar nesta lógica de argumentação com a referência ao valor económico da língua ou das artes (criatividade e indústrias culturais) será sempre um jogo perigoso. As skills para a democracia não têm necessariamente de gerar um contributo para o crescimento económico: “A educação para o crescimento económico assentará provavelmente em padrões similares por todo o lado, já que a prossecução do crescimento económico sem limites não conduzirá a pensamento sensível à distribuição e à desigualdade social” (p.22).
Para quem como eu é profissionalmente obrigado a laborar em torno dos conceitos de capital humano e de competências, a obra de Nussbaum é revigorante e um alerta de sanidade mental para usar sem limites.
Para além disso, a obra de Nussbaum, professora na Universidade de Chicago, é indicativa do clima de debate intelectual vigente em muitas universidades americanas, mesmo que as forças republicanas se esforcem frequentemente por limitar ou torpedear esse debate. Nussbaum e James Heckman, talvez o mais relevante investigador NOBEL sobre o capital humano, discutiram estas questões com elevação. Haveremos de voltar a este tema.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A DANÇA DAS AUTONOMIAS


A rentrée política espanhola está naturalmente ao rubro e as autonomias estão no meio da roda.
Uma dança estranha, pois o governo PP conseguiu adestrar alguns participantes na roda, mais propriamente as regiões com governos PP, sabe-se lá com que promessas e futuras contrapartidas. Ouvir declarações dessas lideranças regionais clamando pelo interesse da recuperação da Espanha soa um pouco a falso, mas o governo PP joga com as armas que tem.
A Catalunha e a Andaluzia têm sido as mais renitentes a aceitar o jogo das reuniões do Conselho de Política Fiscal e Financeira, no sentido de fixar tetos de endividamento às comunidades autónomas. Estas comunidades esgrimem sobretudo o facto do governo espanhol não ter repercutido para as suas imposições a pequena folga de evolução do défice concedida ao ajustamento orçamental de Madrid.
Mas a dança na Catalunha tem todas as condições para ser mais agitada e provavelmente bem menos elegante que uma sardana dançada numa praça de Barcelona seja por um grupo especializado ou por um grupo simplesmente catalão de famílias. Esta semana tem início um rodopio de grandes decisões, ou melhor de decisões políticas que podem revelar-se grandes ou pequenas, isso dependerá do jogo de forças que tais decisões vierem a determinar. Senão vejamos.
Já amanhã, o governo autonómico decidirá se verga os seus interesses à ação do Fundo de Liquidez Autonómico. Em palavras simples, decidir se pede ajuda a Madrid para resolver questões de pagamentos imediatos e de solvência da dívida (uma ironia das crises das dívidas, mas que ironia!).
Noutro plano, continua em aberto a negociação do pacto fiscal, através do qual o governo autonómico acenou pela primeira vez com o espectro independentista. Essa negociação tem fortes implicações políticas a nível da região e a nível nacional. Até aqui seduzido por alguma aproximação ao PP, a CiU tem namoriscado nos últimos dias com a Esquerda Republicana Catalã (Esquerra Republicana de Catalunya), namoro que para ser consequente tem desta última uma condição inequívoca: quebrar todos os relacionamentos com o PP em Barcelona e em Madrid.
Mas o momento crucial da dança nos próximos dias será inequivocamente a grande manifestação do próximo 11 de Setembro de 2012, convocada pela Assembleia Nacional Catalana, a chamada Diada Nacional de Catalunya, dia nacional que “comemora a queda de Barcelona às mãos das tropas dos Bourbon sob comando do duque de Berwick durante a Guerra de Sucessão Espanhola em 1714, depois de um cerco de catorze meses”. O dia também recorda a posterior abolição das instituições catalãs com a promulgação dos Decretos da Nueva Planta de 1716 (Wikepedia).
A grande interrogação parece ser a de transformar a Diada deste ano numa poderosa marcha de suporte à negociação do Pacto Fiscal ou se, pelo contrário, a mesma se transforma num caminho para a afirmação do independentismo. Mas que rentrée!