sábado, 25 de agosto de 2012

ESTA GENTE NÃO É SÉRIA


Não sou um conhecedor profundo das questões da comunicação social e da televisão em particular. Por isso, me tenho abstido de intervir sobre o tema, apesar dele ser aliciante do ponto de vista das preocupações centrais deste blogue, as relações entre o público e o privado.
Sou, porém, sensível ao conceito e princípio de serviço público de televisão, independentemente de concordar ou não com a sua presente expressão constitucional. Sou sensível sobretudo pela indigência de programação que grassa nos canais de maior audiência, sobretudo no período em que uma família não disfuncional pode ver televisão, digamos entre as nove e a meia-noite. Sou sensível também à qualidade informativa dos canais privados e ao oásis de debate político que um programa de cabo como o Quadratura do Círculo representa.
Num país decente, seria por aqui pela consolidação do conceito de serviço público que tudo deveria começar. Se o debate público revelasse que a expressão constitucional do conceito seria inadequada, então haveria condições políticas para que numa próxima revisão constitucional ou mesmo em escrutínio político democrático e eleitoral as alterações se concretizassem.
Admito que a minha ideia de serviço público de televisão possa ser truncada ou mesmo enviesada. Mas, de facto, em meu entender, um serviço público de televisão é aquele que não pode estar dependente do jogo de audiências, que é plural do ponto de vista cultural, que promove os conteúdos culturais e educativos portugueses, que deve velar por um país em transformação cultural e que não reproduz a indigência. Por mais imperfeito que o possa ser, o canal 2 é o que mais se aproxima deste modelo.
Ora, esta gente que está envolvida no projeto de privatização da RTP, à boleia do resgate financeiro, não é mesmo séria e por vários motivos.
Em primeiro lugar, pela trapalhada sinuosa em que a trajetória de privatização acabou por transformar-se. Do grupo de sábios (???, com Duques de permeio isso seria sempre difícil) à ação do senhor Borges, com as intervenções de meio percurso do ministro Relvas, temos o exemplo da falta de seriedade.
A rábula do senhor Borges se sobrepor à expressão política da maioria é conhecida. Espanta é que se repita. Pode ser uma primeira incursão para apalpar o pulso à situação, como frequentemente a prática política do governo (e do anterior, diga-se) tem exercitado. Fechar pura e simplesmente o canal 2 e concessionar o canal 1, é a solução lançada.
Os jornais de hoje, com particular relevância para o Expresso, documentam bem a peculiar (desavergonhada, diria o povo) maneira de encarar as relações entre o público e privado que transparece desta solução. Aliás, a também peculiar visão da coisa pública que o curriculum do senhor Borges permite acalentar vai no mesmo sentido. Uma concessão que herda um esforço de reorganização interna, aparentemente bem sucedida pelos números publicados, e em direção à sustentabilidade económica e financeira e que pode contar com 150 milhões de euros de taxas garantidas é uma verdadeira homenagem à iniciativa privada em comunicação social. O modelo compromete qualquer relação saudável entre o público e o privado. Utiliza-se a esfera pública para compor o negócio, torna-lo atrativo e depois concessiona-se a um privado, sem qualquer escrutínio público das condições de serviço público que essa concessão deve respeitar.
Estamos a imaginar o que será o cumprimento do serviço público em ambiente de disputa de audiências. Os senhores Borges deste mundo andam neste último exatamente para isto.
E o PS? O que tem a dizer sobre isto? Admito que os rapazes estejam de férias ou que gostem de reagir com mais tempo. Admito também que estejam mais preocupados com a questão da liderança bicéfala ou patriarcal do Bloco de Esquerda. Mas como ontem escrevia e bem Tiago Trigo Pereira no Público seria bom que o PS começasse a pronunciar-se sobre o que é que pode fazer de diferente. Esse caminho pode hoje ser mais estreito do que no passado. Todo o português de mente aberta compreenderá isso. O que não compreenderá é que não seja claro na expressão do que pensa ser a sua margem de manobra futura.                                                                                                                                         

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