Não sou um conhecedor profundo das questões da comunicação
social e da televisão em particular. Por isso, me tenho abstido de intervir
sobre o tema, apesar dele ser aliciante do ponto de vista das preocupações centrais
deste blogue, as relações entre o público e o privado.
Sou, porém, sensível ao conceito e princípio de serviço público
de televisão, independentemente de concordar ou não com a sua presente expressão
constitucional. Sou sensível sobretudo pela indigência de programação que
grassa nos canais de maior audiência, sobretudo no período em que uma família não
disfuncional pode ver televisão, digamos entre as nove e a meia-noite. Sou sensível
também à qualidade informativa dos canais privados e ao oásis de debate político
que um programa de cabo como o Quadratura do Círculo representa.
Num país decente, seria por aqui pela consolidação do
conceito de serviço público que tudo deveria começar. Se o debate público
revelasse que a expressão constitucional do conceito seria inadequada, então
haveria condições políticas para que numa próxima revisão constitucional ou
mesmo em escrutínio político democrático e eleitoral as alterações se concretizassem.
Admito que a minha ideia de serviço público de televisão
possa ser truncada ou mesmo enviesada. Mas, de facto, em meu entender, um serviço
público de televisão é aquele que não pode estar dependente do jogo de audiências,
que é plural do ponto de vista cultural, que promove os conteúdos culturais e
educativos portugueses, que deve velar por um país em transformação cultural e
que não reproduz a indigência. Por mais imperfeito que o possa ser, o canal 2 é
o que mais se aproxima deste modelo.
Ora, esta gente que está envolvida no projeto de
privatização da RTP, à boleia do resgate financeiro, não é mesmo séria e por vários
motivos.
Em primeiro lugar, pela trapalhada sinuosa em que a
trajetória de privatização acabou por transformar-se. Do grupo de sábios (???,
com Duques de permeio isso seria sempre difícil) à ação do senhor Borges, com
as intervenções de meio percurso do ministro Relvas, temos o exemplo da falta
de seriedade.
A rábula do senhor Borges se sobrepor à expressão política
da maioria é conhecida. Espanta é que se repita. Pode ser uma primeira incursão
para apalpar o pulso à situação, como frequentemente a prática política do
governo (e do anterior, diga-se) tem exercitado. Fechar pura e simplesmente o canal 2 e concessionar o canal 1, é a solução lançada.
Os jornais de hoje, com particular relevância para o
Expresso, documentam bem a peculiar (desavergonhada, diria o povo) maneira de
encarar as relações entre o público e privado que transparece desta solução. Aliás,
a também peculiar visão da coisa pública que o curriculum do senhor Borges
permite acalentar vai no mesmo sentido. Uma concessão que herda um esforço de
reorganização interna, aparentemente bem sucedida pelos números publicados, e
em direção à sustentabilidade económica e financeira e que pode contar com 150
milhões de euros de taxas garantidas é uma verdadeira homenagem à iniciativa
privada em comunicação social. O modelo compromete qualquer relação saudável
entre o público e o privado. Utiliza-se a esfera pública para compor o negócio,
torna-lo atrativo e depois concessiona-se a um privado, sem qualquer escrutínio
público das condições de serviço público que essa concessão deve respeitar.
Estamos a imaginar o que será o cumprimento do serviço público
em ambiente de disputa de audiências. Os senhores Borges deste mundo andam neste
último exatamente para isto.
E o PS? O que tem a dizer sobre isto? Admito que os
rapazes estejam de férias ou que gostem de reagir com mais tempo. Admito também
que estejam mais preocupados com a questão da liderança bicéfala ou patriarcal
do Bloco de Esquerda. Mas como ontem escrevia e bem Tiago Trigo Pereira no Público
seria bom que o PS começasse a pronunciar-se sobre o que é que pode fazer de
diferente. Esse caminho pode hoje ser mais estreito do que no passado. Todo o
português de mente aberta compreenderá isso. O que não compreenderá é que não
seja claro na expressão do que pensa ser a sua margem de manobra futura.
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