segunda-feira, 13 de agosto de 2012

MENOS UTENTES, MAIS RECEITA


O setor dos transportes permanece aparentemente intrigado com o também aparente paradoxo que se vai observando de diminuição do número de utentes e aumento de receita.
Numa lógica de análise económica estrita, estamos perante um processo conhecido em que o efeito-preço (positivo) mais do que compensa o efeito-quantidade (negativo), produzindo por essa via o aumento da receita total.
Mas o assunto é mais complexo do que este raciocínio microeconómico deixa antever. Em períodos de crise como o que vivemos, há argumentos para defender que o efeito-quantidade de procura de transportes públicos tenda a aumentar. Há o que podemos classificar como um efeito diversão de procura, com origem no transporte em viatura própria. Um número significativo de famílias pode ser sensível ao efeito preço em alta deste tipo de transporte (crise mais aumento do preço dos combustíveis) e preferir momentaneamente o transporte público. Mas podem ocorrer fatores de sinal contrário. Assim, em certas bacias de emprego como a das aglomerações metropolitanas de Lisboa e do Porto e também da zona de influência de Braga, o desemprego tende a reduzir substancialmente os movimentos pendulares realizados em transporte público, comboio ou autocarro e sabemos como o desemprego grassa nestes territórios. Mesmo que possa concluir-se que a situação de desemprego não dispensa a procura de um novo emprego, essa procura tenderá sempre a gerar menores fluxos do que as situações pendulares com emprego ativo.
Poderia, então, dizer-se que o efeito desemprego pode ser superior ao efeito de deslocamento do transporte em viatura própria e assim gerar uma quebra de procura do transporte público. Há, no entanto, que recordar que o aumento do preço dos transportes públicos determinado pela situação de austeridade nas empresas públicas é neste caso o principal fator responsável pelo aumento da receita total. A situação é absurda e de grande incoerência em matéria de incentivos e de políticas de preços: numa conjuntura, em que poderiam ser dados sinais coerentes para uma política de promoção do transporte público, os sinais correntes são perversos. Os que conseguem manter a procura de transporte público acabam por ser os que suportam o efeito mais devastador da austeridade, ou seja preços em escalada ascendente, frequentemente com queda da qualidade de serviço (frequência e material circulante).
Aliás, a situação atual, que é um misto de ineficiência, falta de consistência de processos de gestão e ausência de controlo da evolução do endividamento, é potencialmente explosiva e responsável no futuro próximo por quebras de qualidade de vida de uma fração muito significativa da população mais desfavorecida em Portugal. A esta situação acrescenta-se uma outra, ainda mais delicada e com impactos na coesão o mundo do trabalho. Estou a referir-me à ausência de condições de homogeneidade dos contratos de trabalho (por exemplo Carris de Lisboa versus STCP, ou Metro de Lisboa versus outras empresas). Esta falta de homogeneidade é fator de perturbação, desconfiança, muito pouco favoráveis a acordos transparentes de empresa para tentar romper o círculo vicioso da espiral atrás referida.
Mais um domínio em que a falta de escolhas públicas claras, transparentes e democraticamente validadas gera situações incontroláveis e perversas como a que deu origem a este post.

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