O setor dos transportes permanece aparentemente intrigado
com o também aparente paradoxo que se vai observando de diminuição do número de
utentes e aumento de receita.
Numa lógica de análise económica estrita, estamos perante
um processo conhecido em que o efeito-preço (positivo) mais do que compensa o
efeito-quantidade (negativo), produzindo por essa via o aumento da receita
total.
Mas o assunto é mais complexo do que este raciocínio
microeconómico deixa antever. Em períodos de crise como o que vivemos, há
argumentos para defender que o efeito-quantidade de procura de transportes públicos
tenda a aumentar. Há o que podemos classificar como um efeito diversão de
procura, com origem no transporte em viatura própria. Um número significativo de famílias
pode ser sensível ao efeito preço em alta deste tipo de transporte (crise mais aumento do preço dos combustíveis) e
preferir momentaneamente o transporte público. Mas podem ocorrer fatores de
sinal contrário. Assim, em certas bacias de emprego como a das aglomerações
metropolitanas de Lisboa e do Porto e também da zona de influência de Braga, o
desemprego tende a reduzir substancialmente os movimentos pendulares realizados
em transporte público, comboio ou autocarro e sabemos como o desemprego grassa
nestes territórios. Mesmo que possa concluir-se que a situação de desemprego não
dispensa a procura de um novo emprego, essa procura tenderá sempre a gerar
menores fluxos do que as situações pendulares com emprego ativo.
Poderia, então, dizer-se que o efeito desemprego pode ser
superior ao efeito de deslocamento do transporte em viatura própria e assim
gerar uma quebra de procura do transporte público. Há, no entanto, que recordar
que o aumento do preço dos transportes públicos determinado pela situação de
austeridade nas empresas públicas é neste caso o principal fator responsável
pelo aumento da receita total. A situação é absurda e de grande incoerência em
matéria de incentivos e de políticas de preços: numa conjuntura, em que
poderiam ser dados sinais coerentes para uma política de promoção do transporte
público, os sinais correntes são perversos. Os que conseguem manter a procura
de transporte público acabam por ser os que suportam o efeito mais devastador
da austeridade, ou seja preços em escalada ascendente, frequentemente com queda
da qualidade de serviço (frequência e material circulante).
Aliás, a situação atual, que é um misto de ineficiência, falta
de consistência de processos de gestão e ausência de controlo da evolução do
endividamento, é potencialmente explosiva e responsável no futuro próximo por
quebras de qualidade de vida de uma fração muito significativa da população
mais desfavorecida em Portugal. A esta situação acrescenta-se uma outra, ainda
mais delicada e com impactos na coesão o mundo do trabalho. Estou a referir-me à
ausência de condições de homogeneidade dos contratos de trabalho (por exemplo
Carris de Lisboa versus STCP, ou Metro de Lisboa versus outras empresas). Esta falta
de homogeneidade é fator de perturbação, desconfiança, muito pouco favoráveis a
acordos transparentes de empresa para tentar romper o círculo vicioso da
espiral atrás referida.
Mais um domínio em que a falta de escolhas públicas
claras, transparentes e democraticamente validadas gera situações incontroláveis
e perversas como a que deu origem a este post.
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